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Crianças devem amar aprender, diz autor de enciclopédia infantil

Christopher Lloyd falou a VEJA sobre a dificuldade do mundo em priorizar decisões que sejam respeitosas para os jovens

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 19h57 - Publicado em 30 Maio 2024, 11h33

Quando viu a filha mais velha se entediar com o processo tradicional de aprendizagem, Christopher Lloyd decidiu ensiná-la em casa. Foi um desafio, mas ele e a esposa logo perceberam que o único jeito de funcionar seria partindo das curiosidades da própria criança para instruir sobre o mundo. Dessa experiência surgiu uma ideia: criar uma enciclopédia infantil.

Lançada no Brasil pela Sextante, em parceria com o Manual do Mundo, a Enciclopédia Britânica para Curiosos é um documento não convencional para despertar curiosidade e ensinar sobre o mundo de um jeito divertido. Em entrevista a VEJA, Lloyd fala sobre sua experiência escrevendo livros para crianças, a importância de mantê-las por perto dos adultos e a dificuldade do mundo, hoje, em priorizar decisões que sejam respeitosas para os jovens.

De onde veio a ideia de escrever uma enciclopédia para crianças? Tenho duas filhas, já adultas, mas quando a mais velha, Matilda, tinha 8 anos, ela ficou entediada com a escola. Quando isso acontece, a reação mais comum é “não se preocupe, desde que ela passe nas provas, tá tudo bem”. Matilda era boa nas provas, mas não havia nada criativo para ela. Então, decidimos educá-la em casa por um tempo, enquanto procurávamos a escola certa. E foi um desastre total, depois de algumas semanas nossa casa parecia a cena final de Hamlet. E isso aconteceu porque nunca paramos para perguntar a ela o que queria aprender. Seguimos o modelo tradicional de educação herdado da era vitoriana, em que adultos dizem o que elas precisam aprender. 

E como isso levou ao livro? Assim que perguntamos no que ela tinha interesse, ela respondeu que eram os pinguins. E, para minha surpresa, descobri que todas as habilidades que você quer que seus filhos desenvolvam podem ser aprendidas através de pinguins. Ao perguntar no que ela estava interessada, criamos um ambiente para a curiosidade fluir, é o que importa. É por isso que eu amo a ideia da enciclopédia. É ótima para pesquisar e despertar a curiosidade. Mas em vez de ser dividida de A a Z, meu instinto foi tentar criar um ambiente fiel à realidade, começando do início dos tempos para, depois, chegarmos aos dias de hoje.

Você fala dessa curiosidade intrínseca das crianças, mas isso parece desaparecer nos adultos. Por quê? Depois de centenas, se não milhares de palestras em museus, escolas e festivais, descobri que a minha faixa etária favorita são as crianças de 9, 10 e 11 anos. Na minha opinião, é nessa idade que os seres humanos alcançam o que eu chamo de pico da curiosidade, quando são capazes de fazer e explorar as perguntas mais complexas. O problema é que, assim que você chega à puberdade, começa a ficar muito constrangido com seus amigos e com a sua aparência, depois vem a tirania dos smartphones causando ansiedade na adolescência, depois, à medida que você vai ficando mais velho, vêm as provas para faculdade e, por fim, na vida adulta surgem empregos, hipotecas, horas no carro, contas e cidades cercadas de concreto. Todas essas coisas realmente te impedem de se conectar com a natureza.

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E dá para reverter isso? A melhor maneira de combater isso é ter muitas crianças por perto. Jovens que ainda não estão sobrecarregados por todas essas preocupações podem realmente ajudar os adultos em suas vidas, permitindo que vejam o mundo como se fosse a primeira vez. Crianças são o melhor antídoto para isso porque elas são a melhor maneira de perceber que nada é normal, porque estão vendo tudo com olhos novos. 

ENCICLOPÉDIA INFANTIL - Educação: obra objetiva gerar curiosidade e despertar sobre o futuro
ENCICLOPÉDIA INFANTIL  Educação: obra objetiva gerar curiosidade e despertar sobre o futuro (Sextante/Divulgação)

Nos seus livros, você trata de conceitos históricos e científicos que são muito complexos. Qual a importância de apresentar essas ideias tão cedo para as crianças? Acho que, no geral, jovens são capazes de processar muito mais informação e conceitos complexos do que nós, adultos, imaginamos. 

Outra característica dos seus livros é que eles não têm um tom paternal ou condescendente, mas induzem as crianças a aprender por si mesmas. Isso foi proposital? Eu acho que esse é o ponto em que o sistema educacional tradicional falhou com muitas gerações, incluindo a sua e a minha. Mas tenho esperança de que podemos começar a fazer com que uma nova geração pense de forma diferente. Essa é a questão sobre a educação científica: a única coisa da qual podemos ter certeza é que não sabemos como o mundo vai ser quando as crianças chegarem à nossa idade. Então, a ideia de que sabemos o que elas precisam saber é um absurdo. Tudo o que sabemos é que elas devem amar aprender, é isso que eu tento fazer. 

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Vivemos hoje em um momento de profunda negação científica por parte de alguns grupos. Como tratar disso com as crianças? Sinto um senso de dever e responsabilidade nisso. Porque não são apenas as crianças, mas nós vivemos em um mundo em que as pessoas não sabem se podem ou não confiar nas informações que recebem. De maneira muito compreensível, elas ficam céticas depois de acreditarem em algo e descobrirem que não é verdade. O mundo lá fora é muito, muito confuso. E não há uma solução mágica ou uma resposta direta. A única coisa da qual podemos ter absoluta certeza é que todos nós fazemos parte da natureza. E quanto mais pudermos dar às crianças essa sensação de conexão com o mundo natural ao redor delas, mais elas serão capazes de tomar as decisões e escolhas certas por si mesmas. 

E o senhor acha que hoje o mundo trata as crianças e adolescentes da maneira correta para criarmos um futuro melhor? Não sou nem um pouco iludido nesse ponto. Em muitas culturas, simplesmente não estamos preparados para manter um ambiente correto para os jovens. Acho que o sistema capitalista, no momento, não está bem configurado para incentivar adultos e corporações a colocar as crianças em primeiro lugar. No entanto, sempre gosto de tentar dar um passo atrás, ver o panorama geral e fazer as conexões. Hoje, existem lugares no mundo onde a percepção de que o ambiente para as crianças precisa ser repensado está começando a surgir e a ser discutida. 

A tecnologia pode ajudar nisso? Sempre me ensinaram que, se você quer informatizar algo, precisa ter certeza de que, antes, a cultura funciona bem sem os computadores. Precisamos pensar na tecnologia, e particularmente na tecnologia da informação, como um controle de volume. É só isso. Ele apenas amplifica o que já está acontecendo. Portanto, a tecnologia não é uma solução, definitivamente. 

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Você tem um capítulo todo no livro voltado para o futuro, o que não é comum em enciclopédias. Por que decidiu incluir essa seção? Gosto de pensar que, se vamos pensar grande sobre o passado, também precisamos pensar grande sobre o futuro. Não se trata apenas do que acontece amanhã ou em dez anos, mas sim do que acontece daqui a mil anos. Eu adoraria escrever uma enciclopédia do futuro, um livro só sobre coisas que ainda não sabemos, porque é isso que o futuro é, um grande conjunto de “conhecidos desconhecidos”. Falar sobre o futuro é despertar a curiosidade, e é isso que eu quero que a enciclopédia faça.

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