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Conservadores ajudaram a promover identidades de gênero, diz pesquisadora

Precursora da pesquisa identitária na Alemanha, Christina von Braun participa de evento sobre visibilidade e invisibilidade da mulher na ciência

Por Alessandro Giannini Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 23 set 2021, 12h47 - Publicado em 23 set 2021, 10h19

Principal referência no debate sobre questões de gênero na Alemanha, Christina von Braun fundou e dirigiu, nos anos 90, um programa de estudos dedicado ao tema na Universidade Humboldt. Desde então, as questões identitárias ganharam  relevância no mundo e ocuparam um lugar de destaque nas principais discussões públicas. Uma das razões para o fortalecimento dessas questões, diz ela, foi a onda conservadora que surgiu nos últimos anos. “Os conservadores e reacionários fizeram muito para afastar as pessoas desse tipo de ideia retrógrada e se voltar ou se tornar mais tolerantes em relação às diferentes identidades de gênero”, afirma ela.

A professora Von Braun participa remotamente, direto de Berlim, de um encontro que reúne algumas das mais importantes pesquisadoras nesse campo sobre a relação das ciências com a questão de gênero, a história, a filosofia e a antropologia. O evento, A visibilidade e Invisibilidade da Mulher na Ciência, é promovido pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), pelo Goethe-Institut e pelo Escritório do Livro e Coordenação das Mediatecas Francesas da Embaixada da França no Brasil. Marie Curie é a homenageada da conversa que reúne, além da professora Von Braun, Bernadette Bensaude-Vincent (Universidade de Paris 1-Panthéon-Sorbonne); Betina Stefanello Lima (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Patrícia Spinelli, da Coordenação de Educação e Popularização da Ciência (COEDU) do Mast, fará a mediação.

O debate acontece nesta quinta-feira, 23, às 15h, e será transmitido virtualmente com acesso aberto a todos. Basta acessar o canal da Cooperação Cultural Franco Alemã no YouTube.

promovido pelo Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), pelo Goethe-Institut e pelo Escritório do Livro e Coordenação das Mediatecas Francesas da Embaixada da França no Brasil. Marie Curie é a homenageada da conversa que reúne , além da professora Von Braun, Bernadette Bensaude-Vincent (Universidade de Paris 1-Panthéon-Sorbonne); Betina Stefanello Lima (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Patrícia Spinelli, da Coordenação de Educação e Popularização da Ciência (COEDU) do Mast, fará a mediação.

A senhora fundou e dirigiu o programa de Estudos de Gênero da Universidade Humboldt nos anos 1990, quando o assunto ainda estava longe de ter relevância atual no mundo. O que aconteceu em cerca de 30 anos em sua opinião?

É importante dizer que isso coincidiu com a reunificação da Alemanha. Berlim estava em efervescência, tudo estava mudando. E esse era o momento ideal para apresentar esse novo tipo de novo currículo. Já havia muita gente estudando gênero na história da sociologia e em outros campos, como estudos feministas, mas ainda não tínhamos um currículo interdisciplinar. Este curso era completamente novo. Incluía 20 disciplinas, cinco faculdades, desde medicina até direito e literatura e sociologia. Então, isso era muito, muito novo, não era fácil. Mas o fato de Berlim estar em estado de efervescência ajudou a introduzir algo novo. E assim, desde então, este currículo se manteve.

Mas o que mudou de lá para cá, na sua opinião?

É diferente de um país para o outro. Certamente, muitas coisas mudaram na Alemanha desde então. Os estudos de gênero passaram a fazer parte da ciência. Os homossexuais passaram a ter direito de de se casar. Homens gays não precisam mais se esconder por medo de consequências no trabalho. A diferença de salários entre homens e mulheres diminuiu. Na verdade, uma pesquisa recente mostrou que 78% da população alemã é a favor do casamento homossexual. É uma mudança enorme com relação a 40 anos atrás, quando a homossexualidade ainda era criminalizada. Agora, uma parte tão grande da população está dizendo que é bom que os homossexuais possam se casar porque isso legaliza a situação deles e torna tudo mais fácil para a sociedade. Temos técnicas de reprodução. Homens podem ter bebês com a ajuda de uma barriga de aluguel. Além disso, mulheres lésbicas podem se casar e ter filhos. Portanto, a medicina reprodutiva também foi um enorme fator de mudança.

Qual é a relação entre ciência e gênero?

Há cerca de 30 anos, um historiador da ciência muito importante, Thomas Kuhn, dos Estados Unidos, disse que esta relação era importantíssima para o progresso da ciência em geral. Porque, de repente, as coisas passaram a ser questionadas de uma forma diferente, seja sobre o nacionalismo, sobre o racismo, sobre a história. E essa relação entre ciência e gênero nem sempre é isenta de conflitos. Parte da ciência não quer esse tipo de autorreflexão ou fazer parte dela. Por exemplo, a biologia é muito progressista, muito moderna, muito importante. Mas, ao mesmo tempo, quer pensar sobre sua própria história? Esse tipo de autorreflexão das próprias disciplinas é importante por apresentar perspectivas. Por que os biólogos, no início, apenas pesquisavam em determinados campos e não em outros? Só para citar um exemplo, muitas pesquisas sobre novos medicamentos na indústria farmacêutica são feitas apenas no corpo masculino. Muitas vezes, não levam em consideração que o corpo feminino reage de outra forma à medicação. Esse tipo de pergunta tem que ser colocada.

Recentemente a Mattel homenageou seis cientistas – uma deles brasileira – que atuaram na linha de frente do combate à Covid-19 fazendo uma coleção de bonecas Barbie à imagem e semelhança delas. O que acha disso?

Acho que tornar essas mulheres famosas, mesmo entre as meninas mais jovens e ainda pouco intelectualizadas, pode ser uma coisa boa. Não estamos acostumados a ter mulheres consideradas intelectuais, grandes cientistas e estudiosas [como referência]. Esse é certamente um fator que tem de entrar para o entendimento geral e se tornar o bom senso na sociedade. Nesse sentido, sim, é uma boa iniciativa. Mas é claro que não é o suficiente.

O que acha do Me Too? Como você avalia os altos e baixos do movimento?

Acho que prestou um ótimo serviço, até porque, a violência sexual – contra mulheres e, diga-se, contra homens, também – passou a ser uma questão e foi reconhecida por muita gente. Uma pessoa que sofre esse tipo de violência sente como se sua existência tivesse acabado de ser destruída, fica-se muito deprimido e há muita dificuldade envolvida. É realmente traumático ter passado por várias dessas coisas. Por isso, foi bom que pudessem falar, sejam os homens ou as mulheres. Sobre se o movimento atingiu o seu auge, não saberia dizer. Fato é que os homens se tornaram muito cautelosos. Não nas relações pessoais, já que grande parte da violência contra a mulher acontece dentro das famílias. Mas no ambiente profissional certamente os homens estão mais cuidadosos.

Quando se fala de gênero, a pressuposição é de que se fala de homens e mulheres. E os LGBTQIA+?

Um poeta irlandês uma vez me disse: “É necessário ter uma nacionalidade para jogá-la fora, para se livrar dela”. Eu acho que é exatamente isso que está acontecendo com a comunidade LGBTQIA+. É preciso poder dar um nome, ter uma identidade, para poder desistir dela. Então, pode ser que tenhamos mais algumas dessas letras, mas depois, todos dirão: “Bem, tenho identidades suficientes ou posso ser mais de uma dessas identidades, e seremos capazes de deixar por isso mesmo”. Estou bastante otimista de que isso se refere a uma necessidade, mas que em algum momento essa necessidade será satisfeita.

Acha que a recente onda de conservadorismo no mundo ajudou a fortalecer os movimentos de gênero?

Pode-se dizer que ninguém fez tanto pela ecologia e pela política ambiental quanto [o presidente americano Donald] Trump, porque ele as odiava. Então ele favoreceu muito esses dois tópicos. E acho que o mesmo se aplica a muitas categorias de gênero. Alguns desses homens muito conservadores – e você tem um exemplo maravilhoso no Brasil, com [o presidente brasileiro Jair] Bolsonaro -, alguns desses tecnocratas reacionários, de repente, fizeram muito para afastar as pessoas desse tipo de ideia conservadora e e se voltar ou se tornar mais tolerantes em relação às diferentes identidades de gênero. Os conservadores são perigosos porque não se tornam violentos em alguns contextos. Acho que eles estão realmente influenciando muito o que está acontecendo entre os jovens que se tornaram mais tolerantes. E mesmo entre os liberais que talvez relutassem em relação às questões de gênero e esse tipo de questão de identidade sexual, eles prefeririam não pertencer a esse grupo reacionário e, em vez disso, se tornaram tolerantes com essas identidades.

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