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Cientistas defendem regras rígidas para edição de genoma humano

Reunidos em Londres, especialistas dizem que mais pesquisas são necessárias para expandir a gama de ações que podem ser feitas com o método

Por Karina Toledo, Agência Fapesp
Atualizado em 23 mar 2023, 10h13 - Publicado em 23 mar 2023, 10h12

A edição do genoma de embriões humanos – seja com o objetivo de prevenir doenças ou de selecionar determinadas características físicas – permanece inaceitável neste momento, pois os padrões de segurança e eficácia necessários não foram alcançados. Por outro lado, um progresso notável foi feito na edição somática do genoma humano (não relacionada com células germinativas), tornando possível curar doenças antes incuráveis. Mais pesquisas são necessárias para expandir a gama de enfermidades que podem ser tratadas por edição genômica e compreender melhor os riscos envolvidos no procedimento. Além disso, um compromisso global com o acesso equitativo a esses tratamentos é urgentemente necessário.

Esses são os principais pontos de uma declaração divulgada pelo Comitê Organizador da Terceira Cúpula Internacional sobre Edição do Genoma Humano – realizada em Londres (Reino Unido), entre 6 e 8 de março, pela Royal Society, a Academia de Ciências Médicas do Reino Unido, as Academias Nacionais de Ciências e Medicina dos Estados Unidos e a Academia Mundial de Ciências. O encontro deu continuidade às discussões ocorridas em Washington (2015), nos Estados Unidos, e em Hong Kong (2018), na China, sobre os avanços e desafios das pesquisas na área.

O Comitê Organizador da cúpula é presidido pelo geneticista britânico Robin Lovell-Badge (Francis Crick Institute) – famoso por sua descoberta, em parceria com Peter Goodfellow, do gene (SRY) determinante do sexo em mamíferos, que está presente no cromossomo Y – e conta com a participação de duas brasileiras: a geneticista Mayana Zatz, professora da Universidade de São Paulo (USP), e a cientista social Elisa Reis, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Foi no evento realizado em Hong Kong que um cientista chinês [He Jiankui] revelou ter implantado dois embriões do sexo feminino que tiveram os genes alterados para que fossem resistentes ao vírus HIV. Ele achava que ia causar furor com o anúncio, mas a reação da comunidade científica foi muito ruim”, relembra Zatz em entrevista à Agência Fapesp. Logo após o episódio, He Jiankui foi preso e, desde esse dia, nenhuma informação sobre as gêmeas foi divulgada. “Na época ele disse que havia um terceiro bebê, mas não se sabe se chegou a nascer e o que aconteceu com a criança. Já solto, esse cientista tem oferecido tratamentos de edição gênica para diversas doenças, entre elas distrofia de Duchenne”, revela a pesquisadora, que coordena o Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da Fapesp.

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Na avaliação de Zatz, a edição germinativa do genoma humano ainda levará alguns anos para se tornar algo factível. “Não sabemos quantos. Hoje temos como alterar um gene específico, mas ainda não compreendemos se isso pode afetar o funcionamento de outros genes ao acaso. Ainda não temos o controle do processo. A comunidade científica está totalmente contrária à prática no momento”, diz.

Zatz defende, no entanto, que sejam liberadas as pesquisas com embriões remanescentes de tratamentos de fertilização assistida, que não puderam ser implantados por apresentarem alterações genéticas.

“Podemos fazer experimentos para tentar corrigir a mutação causadora de doença no embrião, sem implantá-lo em uma paciente. Somente assim poderemos tornar a coisa mais segura”, afirma.

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Mas a pesquisadora ressalta que, ainda que um dia esse tipo de manipulação genética se torne viável, continuará sendo uma fantasia a ideia de “desenhar” bebês mais inteligentes ou bonitos ou de curar doenças complexas, como a hipertensão, por meio de edição gênica.

“Características como inteligência e beleza, além de envolver vários genes, dependem da interação com o ambiente. O mesmo ocorre com as chamadas doenças complexas e multifatoriais”, sentencia.

Edição somática

Entre as doenças para as quais a cura por meio da edição gênica já é uma realidade destaca-se a anemia falciforme – altamente prevalente na África e em países com ampla parcela da população descendente de africanos, como o Brasil. A mutação causadora da doença faz com que a hemoglobina (proteína que dá a coloração avermelhada ao sangue e é responsável pelo transporte do oxigênio pelo sistema circulatório) polimerize depois que o oxigênio é liberado, fazendo com que as hemácias (glóbulos vermelhos) assumam a forma de foice. As células deformadas se tornam rígidas e propensas a aderir à parede do vaso sanguíneo, dificultando a circulação do sangue.

O tratamento consiste em retirar uma amostra da medula óssea do paciente a ser tratado, editar o gene mutante e reinfundir as células medulares no indivíduo. O procedimento custa em torno de US$ 1 milhão.

“Estimamos que no Brasil há cerca de 80 mil casos de anemia falciforme, ou seja, custaria US$ 80 milhões tratar todo mundo. Recentemente, foi aprovado um tratamento para hemofilia que custa US$ 3,5 milhões por indivíduo. De nada adianta existir um tratamento eficiente se ele não for acessível”, afirma Zatz.

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Desse modo, a declaração divulgada pelo comitê de especialistas destaca que “à medida que as intervenções baseadas na edição do genoma somático se tornam mais difundidas, um compromisso com tratamentos equitativos, financeiramente sustentáveis e acessíveis torna-se mais urgente”.

Ainda de acordo com o texto, “os sistemas de saúde e a comunidade global de saúde devem se preparar para fornecer aos pacientes terapias cientificamente comprovadas, econômicas e acessíveis. As terapias baseadas na edição do genoma somático que poderiam ajudar a atender a essas necessidades devem ser uma prioridade para o investimento em pesquisa”.

Na avaliação de Elisa Reis, a declaração é bastante equilibrada, dando a importância devida aos aspectos sociais, éticos e legais envolvidos na discussão sobre a edição do genoma humano.

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“Quando me convidaram para integrar o comitê, eu não estava bem certa de como poderia ajudar, pois não entendia do assunto. Mas aprendi muito ao longo das reuniões e percebi por que é importante a participação de alguém das ciências humanas. O conhecimento científico cada vez mais exige o diálogo entre as disciplinas”, comenta Reis.

Embora não tenham força de lei, as diretrizes estabelecidas no documento deverão nortear os trabalhos dos comitês de ética em pesquisa, responsáveis por aprovar os estudos com seres humanos.

“Sem essa aprovação o pesquisador não consegue obter financiamento ou mesmo publicar os resultados de seu estudo em uma revista científica. Mas, infelizmente, é impossível controlar o que é feito em clínicas particulares”, afirma Zatz.

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