Julio Abramczyk escreve certo em letras tortas. “Não tenho mão para letra bonita, eu odiava caligrafia”, conta o médico cardiologista, que é um dos grandes ícones do jornalismo científico da atualidade. Aos 53 anos de atuação na área, e aos 80 de idade, recebeu no dia 29 de janeiro uma homenagem pelas Bodas de Ouro da união das duas profissões com o lançamento do livro Médico e Repórter – meio século de jornalismo científico. “Descobri que quanto menos a gente escreve, melhor sai a matéria”, deu o segredo aprimorado ao longo dos anos.
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Médico e Repórter – meio século de jornalismo científico
O livro reune os principais artigos e reportagens publicados por Julio Abramczyk, pioneiro do jornalismo científico no Brasil e colunista da Folha de S. Paulo, onde atua há mais de 50 anos. Ganhador de vários prêmios, entre eles o Esso de 1970, Abramczyk firmou padrões inéditos de precisão e clareza na exposição de assuntos médicos na imprensa. Organizado e apresentado pelo jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, o livro traz textos que se tornaram marcos do jornalismo brasileiro, como a reportagem sobre a primeira operação de ponte de safena no país e as análises reveladoras e independentes de Abramczyk sobre a doença do presidente Tancredo Neves.
Autor: ABRAMCZYK, JULIO
Editora: PUBLIFOLHA
Considerado o sucessor de José Reis (1907-2002), um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Julio Abramczyk conquistou o mérito durante toda a trajetória de coberturas que o fizeram se destacar e que o levaram a faturar prêmios como o Esso de 1970, por uma reportagem sobre a primeira cirurgia de ponte de safena no país.
“Julio contribuiu bastante com o jornalismo científico pelo estilo de escrita que aliava linguagem simples e profundidade. Isso favorecia muito colocar o conhecimento ao alcance de mais pessoas, promovendo qualidade de vida a elas”, declara Célio da Cunha, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UNB) e consultor da Unesco, que escreveu a apresentação de um dos capítulos do livro. Um exemplo concreto dado por ele foi um famoso texto sobre a importância de lavar as mãos. “Se todas as pessoas as lavarem corretamente, é impressionante a quantidade de doenças que evitam. E assim é toda a obra dele”.
Amigo há 30 anos e ex-ombudsman do jornal Folha de São Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva foi quem coordenou o projeto do livro, com a função de compilar, dentre os mais de 2.500 artigos publicados, os mais relevantes desde o início da carreira do médico e repórter. E de lá pra cá, muita coisa mudou no jornalismo científico, segundo Carlos Eduardo, devido ao elevado padrão ético de Julio. “A partir do exemplo dele é difícil voltar atrás. Os mais jovens têm o desafio de manter essa barra alta”, diz ele, citando como exemplos da nova geração os jornalistas Marcelo Leite e Cláudia Collucci, que também escreveram aberturas de capítulos do livro.
“Explicar muito” – Cinco capítulos dividem o livro em diferentes áreas abordadas por Abramczyk durante o último meio século: saúde pública, enfermidades do coração, saúde pessoal, doenças de personalidades e jornalismo científico. Para cada uma das áreas, um autor que a conhece bem fez uma reflexão sobre a importância do trabalho naquele tema e a eventual atualidade das reportagens publicadas. Entre os autores está outro jornalista com mais de 50 anos de carreira, Almyr Gajardoni.
Para o médico e repórter, o problema básico é que as pessoas querem explicar muito. Levou tempo achar o meio termo. Segundo ele, quem alertou sobre isso foi José Reis, patrono da divulgação científica brasileira. “O cientista quando escreve um trabalho, ele diz ‘isto é branco por causa disto, disto e daquilo’ ou ‘aquilo é preto por conta da interferência de uma luz assim, assim, e assim’. Mas no jornalismo científico você diz de uma forma mais simples. Com pouca palavras e menos adjetivos você consegue falar. É uma questão de treino.”
A qualidade do que está sendo produzido atualmente, para ele, melhorou muito. “Tem um pessoal saindo das univerisdades com formação em química, física e biologia, indo pro jornalismo e escrevendo muito bem. O jornalista profissional deve ir para uma área e se especializar nela”. Para ele, é preciso se preparar. “Quando fui para o Xingu, fui até uma faculdade de filosofia, procurei um antropólogo e tive umas aulas. Não cheguei de peito aberto”. Questionado sobre quem escreve os textos dele, se o médico ou o jornalista, ele não titubeia. “Eu gosto do jornalismo. Quando escrevo, escrevo como jornalista. Se em vez de médico eu tivesse virado um aviador, eu estaria fazendo a seção de aviação do jornal”, revela.
“O problema é que as pessoas querem explicar muito…”
Julio Abramczyk
Médico e repórter
Como o próprio Julio diz, ele é um dos poucos que começaram no jornalismo antes da medicina. O início da carreira se deu em 1949, ainda um foca, no jornal O Tempo, que tinha como secretário geral o jornalista Herminio Sacchetta (1909 – 1982), um “cavalheiro no jornalismo”, segundo Julio. “Éramos obrigados a trazer três matérias por dia. Ele recebia a gente a ‘chicotadas’, esculhambava porque havia trazido só três, depois chegava e fazia um agradozinho, dizia vem cá meu filho, vamos sentar aqui, vamos fazer assim, assim e asim”, conta, apontando a retidão do mestre, que se tornou uma escola de jornalismo para muitos dos profissionais da época.
Ao terminar o 3º ano científico, parou de trabalhar e estudou o ano inteiro para passar no vestibular da Escola Paulista de Medicina, atual Unifesp. Segundo Julio, naquele tempo, a escola de jornalismo do Sacchetta deu muitos frutos e boa parte deles foi parar na Folha. “Os amigos acabam subindo na vida e a gente vai junto. O problema do pobre não é que ele é pobre, é que ele só tem amigo pobre, quando há problema não tem a quem recorrer”.
Em 1959, Julio iniciou as atividades como jornalista científico – classificação não utilizada naquela época – quando estava no segundo ano da faculdade. Ele assumiu o cargo de redator da seção de biologia e medicina do jornal Folha da Manhã, convidado pelo amigo jornalista Hugo Teixeira. Cobriu diversos congressos e esteve em contato com grandes centros de pesquisa para acompanhar o que havia de mais novo e avançado. “Naquela época, não havia muitas revistas brasileiras, e as existentes reproduziam trabalhos feitos no exterior. As revistas do exterior chegavam aqui 20 dias depois e sempre havia uma defasagem”.
Atualmente é colunista da Folha de São Paulo e médico do corpo clínico do Hospital Santa Catarina (SP), do qual foi diretor clínico. É membro fundador da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, onde foi presidente de 1979 a 1989. Organizou, em 1982, o 1º Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico e o 4º Ibero-Americano de Jornalismo Científico, quando terminou sendo eleito presidente da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico, função exercida até 1990.
Abramczyk também é membro do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Já recebeu prêmios como o Esso (1970), categoria de informação científica, o Governador do Estado de São Paulo, o José Reis de Divulgação Científica/CNPQ, e o Abradic de Divulgação Científica, da Associação Brasileira de Divulgação Científica, além do Diploma de Honra ao Mérito da Faculdade de Medicina da USP e da medalha Tiradentes, do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo.