Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Chimpanzés também fazem guerra e anexam território inimigo

Estudo de 10 anos concluiu que primatas possuem comportamento bélico apurado estimulado pelo instinto de sobrevivência

Por The New York Times
Atualizado em 6 Maio 2016, 17h17 - Publicado em 28 jun 2010, 12h15

Se os chimpanzés estiverem em menor número, os membros da ronda se separam e voltam ao território de origem. Mas se um único chimpanzé atravessa o caminho deles, o ataque é certo. Machos inimigos são imobilizados, mordidos e espancados até a morte. Normalmente, fêmeas são libertadas, mas os bebês são comidos.

Todos os dias, John Mitani, ou um colega, acorda ao nascer do sol para verificar como estão os chimpanzés em Ngogo, no parque nacional de Uganda. Na maioria dos dias, os chimpanzés machos se comportam como arruaceiros, fazendo muito barulho ou batendo uns nos outros. Mas de cada 10 a 14 dias, eles fazem algo mais adulto e cooperativo: guerrear.

Um grupo de machos, cerca de 20, se reúne em fila e se direciona ao limite do território que os pertence. Todos fazem um silêncio profundo a medida que avançam dentro da área controlada pelo grupo vizinho. Tensamente, eles analisam os topos das árvores e ficam atentos a qualquer barulho. “É evidente que eles estão procurando por indivíduos da outra comunidade”, diz Mitani.

Quando o inimigo é encontrado, a reação do animal depende da avaliação que faz da força inimiga. Se eles estiverem em menor número, os membros da ronda se separam e voltam ao território de origem. Mas se um único chimpanzé atravessa o caminho deles, o ataque é certo. Machos inimigos são imobilizados, mordidos e espancados até a morte. Normalmente, fêmeas são libertadas, mas os bebês são comidos.

Continua após a publicidade

Essas mortes têm um propósito, que não foi descoberto enquanto os chimpanzés de Ngogo não foram rastreados e catalogados por 10 anos. O grupo de Ngogo possui cerca de 150 chimpanzés e é particularmente grande, cerca de três vezes maior que o tamanho normal. E esse tamanho o torna agressivo de maneira incomum. Os machos desse grupo conduziram a maioria das investidas contra outros grupos que vivem na região nordeste ao território deles. Ano passado, os chimpanzés de Ngogo pararam de investir na região e a anexaram completamente ampliando seu território em 22%, informou Mitani em um relatório publicado na terça-feira no periódico Current Biology com seus colegas David P. Watts da Universidade de Yale e Sylvia J. Amsler, da Universidade do Arkansas, ambas dos EUA. Mitani é da Universidade de Michigan.

O objetivo da campanha que durou 10 anos era claramente a captura do território, concluíram os pesquisadores. Os machos de Ngogo poderiam controlar mais árvores de frutas, suas fêmeas poderiam ter mais do que comer e reproduziriam mais rápido e o grupo iria crescer mais forte e mais propenso à sobrevivência. O guerrear dos chimpanzés é, portanto, “adaptativo”, Mitani e seus colegas concluíram – o que significa que a seleção natural cunhou o comportamento no circuito neural dos chimpanzés porque ele promove a sobrevivência.

Guerras entre chimpanzés são de interesse particular dos cientistas por causa da possibilidade de que humanos e chimpanzés tenham adquirido instinto para a territorialidade agressiva à partir de um ancestral mútuo que viveu cerca de cinco milhões de anos atrás. Apenas dois casos de guerras entre chimpanzés já foram registrados, nenhum tão evidente como o caso de Ngogo.

Continua após a publicidade

Em um deles, uma comunidade de chimpanzés observada pela primeira vez por Jane Goodall no parque nacional Gombe, na Tanzânia, dividiu-se em duas e um grupo eliminou o outro. Mas os chimpanzés foram alimentados com bananas, para facilitar a observação, e alguns primatologistas atribuíram a guerra à intervenção humana. No segundo caso, no parque nacional Mahale, também na Tanzânia, Toshida Nishida da Universidade de Kyoto, Japão, percebeu que um grupo de chimpanzés tinha desaparecido, supostamente morto pelos vizinhos, mas ele não conseguiu testemunhar as mortes nem encontrar os corpos.

A equipe de Mitani conseguiu reunir dados que descrevem toda a situação, seguindo os chimpanzés durante as investidas, testemunhando 18 ataques fatais durante os 10 anos e estabelecendo que a prática da guerra levou à anexação do território vizinho.

Os benefícios do comportamento bélico dos chimpanzés são claros, pelo menos sob a perspectiva de observadores humanos. Através de décadas de trabalho minucioso, primatologistas documentaram as ligações em uma longa corrente causal, provando, por exemplo, que fêmeas com maior acesso a frutas irão parir filhotes mais rápido.

Continua após a publicidade

Mas será que os chimpanzés conseguem prever o desfecho do comportamento que têm? Será que eles calculam que se derrotarem seus vizinhos, um a um, no fim das contas irão conseguir anexar o território deles, e conseqüentemente aumentar a fertilidade e o poder do grupo? “Considero este um argumento difícil de sustentar porque a seqüência lógica parece muito profunda”, disse Richard Wranham, um especialista em chimpanzés de Harvard.

O comportamento bélico entre grupos de humanos que ainda sobrevivem por meio da caça e coleta se parece com o dos chimpanzés em muitos aspectos. Os selvagens concentram em ataques e emboscadas nas quais poucas pessoas são mortas, mas o número de vítimas chega ser grande depois de conflitos pequenos incessantes. Wrangham argumenta que chimpanzés e humanos herdaram uma propensão a territorialidade agressiva à partir de um ancestral comum parecido com o chimpanzé. Outros argumentam que o primo pacífico do chimpanzé, o bonobo, é um modelo tão plausível quanto, para um ancestral comum.

O ponto de vista de Wrangham é que, uma vez que os gorilas e chimpanzés são tão parecidos, seu ancestral comum, que viveu cerca de sete milhões de anos atrás, teria características parecidas com a de um chimpanzé e portanto, esse também seria o caso do ancestral comum dos humanos e chimpanzés que viveu cerca de dois milhões de anos atrás. “Acho que é muito razoável pensar que esse comportamento vem de milhares de anos atrás,” dele disse, referindo-se a propensão à guerra contra a própria espécie.

Continua após a publicidade

Mitani, no entanto, é relutante em inferir qualquer ligação genética entre o comportamento bélico humano e dos chimpanzés, apesar das semelhanças entre o propósito, custo e táticas de ambos. “Não me parece claro de forma alguma que essas investidas letais são fenômenos similares,” disse. Mais interessante do que guerrear, no ponto de vista dele, é o comportamento cooperativo que possibilita a guerra.

Por que os chimpanzés arcam com os riscos e o tempo gasto em investidas ao território inimigo, quando é evidente a vantagem que o grupo possui? Mitani invoca a idéia de seleção por grupo – a idéia de que a seleção natural pode trabalhar em grupos e favorecer comportamentos, como altruísmo e cooperação, que beneficia o grupo em detrimento do indivíduo. A seleção normalmente depende apenas se um indivíduo, não um grupo, contribui para a sobrevivência de um maior número de filhotes.

Muitos biólogos são céticos com relação a seleção por grupo, dizendo que ela seria eficiente apenas em casos onde há guerras intensas entre grupos, uma taxa menor de seleção de indivíduos e pouca troca de genes entre os grupos. As guerras entre os chimpanzés podem ser constantes e ferozes, satisfazendo a primeira condição, mas as fêmeas mais jovens emigram para grupos vizinhos para evitar a consangüinidade. Esse fluxo constante de genes enfraqueceria severamente qualquer processo de seleção por grupo, disse Wrangham.

Continua após a publicidade

Samuel Bowles, um economista do Santa Fe Institute, que desenvolveu modelos teóricos de seleção por grupo, disse que o caso é “muito provável para humanos” mas permanece uma incógnita para chimpanzés.

A observação de chimpanzés é uma tarefa árdua pois os pesquisadores precisam fazer com que os chimpanzés se acostumem com a presença deles, mas sem incentivos como bananas, o que poderia interferir no comportamento natural dos animais. Os chimpanzés são imensamente poderosos e já que conseguem acabar uns com os outros, o mesmo poderia acontecer com qualquer pesquisador que estimule a animosidade deles.

“Felizmente para nós, eles não perceberam que são mais fortes do que a gente,” disse Mitani, explicando que seguir um grupo de chimpanzés rumo à guerra não é perigoso. “O curioso é que depois que ganhamos a confiança deles, nós nos misturamos com o todo e eles nos ignoram”.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.