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Bom, mas não basta

Estudo revela que pessoas que praticam ações sustentáveis no seu dia a dia têm tendência a rejeitar políticas públicas de preservação de maior magnitude

Por Sabrina Brito Atualizado em 12 jul 2019, 16h08 - Publicado em 17 Maio 2019, 07h00

“Grandes coisas resultam de uma série de pequenas coisas reunidas.” A máxima, do pintor holandês Vincent van Gogh (1853-1890), traduz com perfeição a ideia corrente — quase um lugar-comum — de que pequenas ações positivas podem transformar o mundo para melhor. No tocante à preservação do planeta, entretanto, a frase talvez não faça sentido — diferentemente do que alardeia boa parte dos ambientalistas. É essa a atordoante conclusão de um estudo que acaba de ser publicado na prestigiosa revista científica britânica Nature.

O trabalho, coordenado por pesquisadores das universidades Harvard, Fordham e Carnegie Mellon, baseia-­se em seis levantamentos da opinião pública americana acerca da aprovação de medidas macroeconômicas sustentáveis. Em linhas gerais, o estudo conclui que a adoção de praxes conservacionistas individuais costuma vir acompanhada de uma rejeição a políticas públicas e eficientes que visam à proteção do meio ambiente. Por exemplo: segundo a pesquisa, 70% dos americanos afirmam apoiar a implantação de impostos de carbono — taxas cobradas proporcionalmente à quantidade de CO2 emitida por uma empresa na queima de combustíveis fósseis. No entanto, o índice de aprovação cai, entre as mesmas pessoas, a 55% quando é oferecida a alternativa de juntar àquela medida oficial e de largo alcance escolhas individuais que recompensem os cidadãos que, por vontade própria, resolvam seguir atitudes consideradas “verdes” — tais como substituir o carro a gasolina pelo uso de um veículo elétrico. Ou seja, nesse cenário, 45% optariam apenas pelas ações tomadas individualmente, descartando as políticas públicas.

Para alertar as pessoas de que o melhor seria incentivar ambas as soluções — tanto as individuais como as públicas —, os cientistas concluíram que seria necessário explicar a cada uma delas como as medidas macro têm impacto muito mais significativo do que as mudanças singelas em sua rotina. “Sem esse empurrãozinho, percebemos que a tendência é que se exagere a noção que se tem da eficiência das ações de pequena escala — e, o que é o pior, o convencimento de que as mudanças implementadas de forma sistemática não seriam necessárias”, disse a VEJA o economista e psicólogo americano George Loewenstein, professor da Universidade Carnegie Mellon e um dos autores da pesquisa divulgada na revista Nature.

Isso não significa, é claro, que a conduta pessoal não tenha algum peso. Utilizar energia solar, reciclar o lixo e evitar canudos plásticos são ações que representam avanço em relação ao modo como tratamos a natureza — os canudinhos, por exemplo, são o décimo primeiro tipo de lixo mais encontrado nos oceanos. O problema está em se contentar com essas posturas individuais. “Uma boa ação feita em casa não exclui o bom samaritano de se responsabilizar pelo apoio a transformações em níveis mais amplos, como pressionar o governo por medidas sustentáveis em âmbito nacional”, opina o ecólogo Luiz Antonio Martinelli, professor da USP e pós-doutor em ecologia pela Universidade de Washington (EUA).

Não há dúvida de que o aquecimento global é um fato — a temperatura da Terra elevou-se em 1 grau desde a Revolução Industrial, em meados do século XVIII. No último dia 11, os índices de emissão de carbono medidos por um observatório no Havaí atingiram o nível mais alto em pelo menos 800 000 anos. No Alasca, o gelo formado durante o inverno começou a quebrar em 2019 mais rapidamente do que em qualquer outro período. No Ártico, no extremo norte do território russo, registrou-se temperatura de quase 30 graus ao longo da semana passada, em uma região que não atingia mais do que 12 graus. Problemas ambientais globais, a exemplo das mudanças climáticas, não serão solucionados por meio de escolhas sustentáveis pessoais, como deixar de usar a sacola de plástico do supermercado.

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Para cumprir a meta firmada no Acordo de Paris, em 2015, por 195 países — limitar o aquecimento a no máximo mais 1,5 grau até 2100 —, é necessária a adoção de políticas planetárias de mitigação do problema. A cada 0,5 grau de elevação da temperatura, as consequências são drásticas — como o aumento de 50% das pessoas que passariam a viver em regiões com escassez de água. Caso se queira evitar cenários catastróficos, não adianta usar a lixeira certa do condomínio: seria preciso reciclar quase todo o lixo não orgânico do mundo e interromper a emissão artificial de CO2 em países ricos, entre outras medidas.

Há bons exemplos de como elevar atitudes individuais ao patamar de ações coletivas. A Alemanha tornou a reciclagem de lixo não uma escolha particular, e sim uma exigência. Todo consumidor se tornou responsável direto — com punição por meio de multa — pelo reúso, reciclagem ou descarte ecológico de, entre outros itens, embalagens de plástico. Resultado: 99% das latinhas e 97% das garrafas PET são recicladas naquele país. Quando o assunto é a natureza, são as grandes ações que realmente trazem resultados. Assim costuma ser em relação à maioria dos problemas de enorme magnitude. É como afirmou Abraham Lincoln (1809-1865), ex-presidente dos Estados Unidos empenhado no fim da escravidão: “Seremos bem-sucedidos apenas em conjunto. Não é ‘Será que um de nós consegue?’, e sim ‘Será que todos nós podemos fazer mais?’ ”.

Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635

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