“A ciência no Brasil depende de quem está com a caneta na mão”
Nova presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, fala a VEJA sobre o desafio de trabalhar com ciência em um país que investe pouco na área
Pela primeira vez, uma mulher acaba de ser eleita para a presidência da Academia Brasileira de Ciências, chefiada por homens pelos últimos 105. A nova presidente, a biomédica da Unifesp Helena Nader, tomará posse no começo de maio, e deverá mantê-lo até 2025.
VEJA conversou com Helena sobre o estado da ciência no Brasil, a pandemia e o negacionismo.
Qual é a sua meta como nova presidente da Academia Brasileira de Ciências?
O meu maior desejo é continuar na luta pela educação, ciência, tecnologia e inovação do Brasil. Quero fazer com que esses ramos sejam parte de um projeto do Estado brasileiro, e não de um governo, que depende de quem está no poder. Também gostaria de servir de modelo para meninas e mulheres para mostrar que fazer ciência e ser pesquisadora é muito importante e interessante, é uma profissão que traz muitas realizações. Mulheres podem chegar onde quiserem, basta dizer “eu vou” e enfrentar os obstáculos. Elas devem arrombar portas ou construir portas laterais, se preciso, mas jamais aceitar um “não”.
Qual foi o impacto da pandemia na ciência mundial e brasileira?
O principal impacto foi unir pesquisadores ao redor do mundo e dentro do país. No Brasil, ficou evidente o valor da ciência. A população, por meio do papel da mídia, teve acesso à opinião, ao esclarecimento e à informação vindas de cientistas, o que foi essencial nesse momento. Vemos que hoje a grande maioria dos brasileiros acredita nos cientistas. Apesar de toda a propaganda nociva, muitas vezes maléfica, o povo aceitou a vacina, quis vacinar, mostrou que a ciência no Brasil e a cultura à importância da vacina estão bem estabelecidas. Sempre pode melhorar, mas, em comparação a outros lugares do mundo, a diferença é grande e favorável a nós.
Como a ciência mudou nos últimos anos?
A pandemia também mostrou que, sem a pesquisa básica fundamental, não chegamos à alta tecnologia. A própria vacina veio de adaptações de conhecimentos e tecnologias básicos que já existiam. Esse processo nunca foi tão rápido porque nunca houve tanta informação já acumulada e pronta para uso. Os conhecimentos e a metodologia já estavam lá. Os últimos anos evidenciaram a necessidade de investir de forma contínua em ciência e tecnologia.
O Brasil investe o suficiente em ciência?
Aqui, os investimentos em ciência são cíclicos, começam e param. Fica muito difícil evoluir, e mesmo assim produzimos ciência de qualidade que, se não fosse por instituições centenárias como a Fiocruz, não teríamos.
A tendência é que a ciência seja cada vez mais valorizada?
Tenho absoluta certeza de que sim. Com a pandemia, o antigo primeiro mundo passou a investir ainda mais em ciência. Com o BRICS, ocorreu a mesma coisa; mas no Brasil, não. Aqui, a ciência ainda depende de quem está com a caneta na mão. Não é uma política de Estado, e deveria ser. Há relatórios que mostram que investir em ciência básica é o único caminho para solucionar a crise econômica gerada pela pandemia, mas, ainda assim, o Brasil escolhe não aplicar seus recursos em ciência e tecnologia. É inexplicável.
Como combater a desinformação acerca da ciência e dar ao público a correta noção de sua importância e confiabilidade?
Temos que mostrar evidências. Debate com negacionistas não resolve. Frequentemente, a desinformação se liga a uma crença ou postura religiosa ou política, o que pode ser difícil de resolver. Em casos como pais que se recusam a vacinar os filhos, o responsável deveria ser olhado como irresponsável e ser autuado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. É preciso ter uma postura firme. A criança não pode ser sujeita à crença de outros, mesmo que sejam seus pais. Com o comportamento antivacina de algumas pessoas mais velhas, trata-se de ideologia política ou desinformação. Parte da culpa é de um estudo antigo e já totalmente refutado que associava vacinas ao desenvolvimento de autismo em crianças. A pesquisa era infundada, mas ficou no subconsciente de algumas pessoas. Para combater isso, devemos trazer dados e mostrar evidências. Se o problema for ideológico, acho quase missão impossível de convencer, mas devemos tentar. Precisamos lembrar que a varíola foi erradicada por uma vacina. A pólio era terrível antes do imunizante. Basta olhar. Mas, para que haja esse diálogo, é preciso ter alguém que quer ouvir e alguém que queira explicar.
O Brasil é um país bom para ser cientista?
Fico triste de dizer que não, mas acredito que isso possa ser revertido. Por exemplo: nós, pesquisadores, dependemos muito do estudante que trabalha conosco, e ele recebe uma bolsa em troca. Essas bolsas, na maior parte das áreas, exige dedicação exclusiva, mas o valor não é suficiente para sobreviver, está sem reajuste algum há oito anos. Há tantos recursos para atividades de parlamentares, mas não temos recursos para financiar quem está construindo o futuro da ciência e consequentemente da economia brasileira? Não podemos aceitar mais esse tipo de coisa. Precisamos lembrar disso no momento das eleições, escolher bem quem irá agir em nosso nome. Além de trabalhar, o cientista brasileiro tem que constantemente provar por que a ciência é importante, se revoltar com restrições… nesse sentido, o pesquisador no Brasil é multitarefas.
Qual dica você daria para quem quer ser cientista no Brasil de hoje?
Eu diria ao jovem que reverteremos esse cenário negativo. Não desisti do Brasil. A ciência é uma profissão genial. A cada nova pergunta ou experimento, a resposta pode corroborar o que o cientista estava pensando ou levá-lo a outro caminho. Como cientistas, estamos sempre buscando entender algo, o que é incrível. Passamos a carreira inteira procurando soluções. Além disso, somos nossos próprios patrões. Peço aos jovens que venham conosco fazer parte dessa construção de um Brasil melhor e reverter o quadro atual até que o Brasil entenda que a ciência é investimento, e não gasto.