Presidente recua após críticas e pressão contra decisão de retirar status de reserva mineral de área de 46.450 km² entre Amapá e Pará
Por João Pedroso de Campos
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Atualizado em 25 set 2017, 20h11 - Publicado em 25 set 2017, 17h24
Após críticas e protestos, o governo do presidente Michel Temer (PMDB) recuou e decidiu revogar o decreto que extinguia a Reserva Nacional de Cobre e seus Associados, a Renca, uma área de 46.450 quilômetros quadrados entre os estados do Amapá e Pará, e que permitia às mineradoras a exploração de 21% do território. A medida será publicada na edição de amanhã do Diário Oficial da União.
No início da noite, o Ministério das Minas e Energia (MME), comandado pelo ministro Fernando Bezerra Filho, divulgou uma nota em que confirma a revogação. “Com essa decisão, o governo restabelece as condições da área, conforme o documento que instituiu a reserva em 1984. O MME esclarece que as razões que levaram a propor a adoção do Decreto com a extinção da reserva permanecem presentes. O país necessita crescer e gerar empregos, atrair investimentos para o setor mineral, inclusive para explorar o potencial econômico da região”, diz o comunicado da pasta. “O debate em torno do assunto deve ser retomado em outra oportunidade mais à frente e deve ser ampliado para um número maior de pessoas, da forma mais democrática possível”, completa.
A área foi criada em 1984, durante o regime militar, e havia perdido o status de reserva mineral no dia 22 de agosto, por meio do decreto assinado por Temer. Até então, apenas o governo, por intermédio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), podia pesquisar e explorar minerais na região, que possui, além de cobre, reservas de ouro e ferro.
O território da Renca compreende três unidades de conservação de proteção integral, quatro reservas de desenvolvimento sustentável e dois territórios indígenas demarcados. Além de índios, extrativistas e ambientalistas, artistas como a modelo Gisele Bündchen e o ator Leonardo Di Caprio protestaram contra a extinção da reserva mineral, que ganhou repercussão na imprensa internacional.
O decreto, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia, não envolveu prévia consulta pública. Em 20 de junho, um parecer técnico do Ministério do Meio Ambiente, preparado para balizar a decisão da Presidência, manifestou-se contrário à extinção da Renca. “Concordo que poderia haver maior discussão. Mas o pessoal do ministério (de Minas e Energia) não acreditava que a interpretação da sociedade poderia ser tão polêmica. A partir desse momento, fiquei preocupado, porque a sinalização poderia ser de que estava tudo liberado”, disse a VEJA o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, à época da edição do decreto.
Diante da reação negativa ao documento original, Temer o revogou uma semana depois e redigiu outro, desta vez em parceria com a pasta comandada por Sarney Filho. No novo texto, estava explícita a conservação de terras indígenas e da maior parte das unidades de conservação. Entretanto, persistiam a extinção da Renca e a porta aberta para a possibilidade de exploração dos mesmos 21% da área.
No dia seguinte, o juiz federal Rolando Valcir Spanholo, do Distrito Federal, suspendeu o decreto, por inconstitucionalidade. A AGU informou que recorreria da decisão. No mesmo dia, o ministro do STF Gilmar Mendes, no papel de relator de uma ação movida pelo PSOL contra a medida, concedeu dez dias para que Temer explicasse sua escolha.
No início de setembro, o governo suspendeu os efeitos do decreto por 120 dias “em respeito às legítimas manifestações da sociedade e à necessidade de esclarecer e discutir as condições que levaram à decisão de extinção da Renca”. Por meio de nota, o ministro Fernando Bezerra Filho afirmou que a pasta “determinou a paralisação de todos os procedimentos relativos a eventuais direitos minerários na área” e que daria início a um “amplo debate com a sociedade” por alternativas.
No fim de agosto, VEJA visitou áreas de preservação dentro da Renca e constatou a aflição real de indígenas e de uma comunidade extrativista voltada à exploração sustentável de castanhas.
Embora o decreto presidencial tenha mantido a proibição ao desmatamento e à mineração nos territórios indígenas e nas reservas ambientais e extrativistas englobadas pela Renca, os índios Waiãpi relataram temer possíveis invasões do território da tribo por uma nova onda de garimpeiros clandestinos, trazidos no vácuo dos grandes empreendimentos, o desmatamento e a contaminação de rios e sua fauna com substâncias tóxicas e metais pesados, como o mercúrio. Espalhados por 6.000 quilômetros quadrados em áreas de densa floresta amazônica no Amapá, os Waiãpi tinham uma população de cerca de 230 índios até a década de 70, quando tiveram o primeiro contato com o homem branco, e perderam cerca de um terço da população, grande parte devido à mineração clandestina no centro-oeste do estado. Conflitos decorrentes de invasões de garimpeiros e, sobretudo, o sarampo, contraído deles e também de operários de obras viárias, reduziram a população a 151 pessoas.
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A tribo, cujas terras foram demarcadas em 1996, tem hoje cerca de 1.300 membros, um crescimento de 49% em relação à população de 874 pessoas registrada em 2010 pelo Censo Demográfico do IBGE.
Os cerca de trezentos moradores da vila São Francisco do Rio Iratapuru também se assustaram com a notícia de que o governo abrirá caminho para mineração em 21% da área da Renca. Mesmo localizada em uma área que sempre foi e segue protegida, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, a comunidade teve suas casas derrubadas depois da conclusão da hidrelétrica de Santo Antônio do Jari, em 2014. A empresa responsável pela obra construiu as novas moradias no mesmo padrão, em madeira, a cerca de 500 metros do local original, mas ficou a desconfiança de projetos grandiosos.
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No caso da abertura para a mineração, o temor é de que a corrida do ouro nas áreas onde a exploração será permitida se torne tão competitiva que garimpeiros clandestinos abram frentes de exploração ilegal, promovam o desmatamento de áreas em que os membros da vila tiram o sustento, os castanhais, e contaminem cursos d’água. A comunidade fica às margens do Rio Jari, no município de Laranjal do Jari (AP), fronteira do Amapá com o Pará, região onde seus membros já convivem com a ameaça da pesca predatória.
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