Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

STF condena Collor e acrescenta mais um capítulo a biografia controversa

Ex-presidente foi acusado de receber entre 2010 e 2014 o equivalente a R$ 20 mi em propina de um esquema descoberto pela Operação Lava-Jato

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 27 Maio 2023, 08h00

Vinte e cinco anos atrás, Fernando Collor começou a escrever os primeiros capítulos de um livro que tinha como linha mestra da narrativa os momentos que antecederam o seu impeachment — que ele definia como as “páginas mais doídas” da vida dele. Na época, o ex-presidente estava com os direitos políticos cassados e cumpria uma espécie de autoexílio em Miami, nos Estados Unidos. Um político que leu os originais aconselhou o ex-mandatário a rever alguns trechos, especialmente os em que relatava supostos interesses contrariados que estariam, segundo ele, na raiz de sua deposição. Collor reconheceu que havia carregado demais nas tintas, amenizou o tom de algumas acusações e cortou adjetivos destinados a certos figurões. Depois da revisão, o trabalho foi mais uma vez submetido ao conselheiro, que o alertou sobre dois detalhes importantes: muitos dos personagens citados em situações complicadas ainda estavam vivos e parecia cedo demais para a publicação de algo que se assemelhava a uma autobiografia. De fato, a história de um dos mais controvertidos presidentes da República teria capítulos ainda mais doídos.

ASCENSÃO... - Eleição: o primeiro presidente escolhido pelo voto direto depois da ditadura
ASCENSÃO… - Eleição: o primeiro presidente escolhido pelo voto direto depois da ditadura (Luis Eduardo Tostes/Agencia Lumen/.)

Na quinta-feira 25, o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Collor a prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de receber entre 2010 e 2014 o equivalente a 20 milhões de reais em propina de um esquema de desvio de dinheiro público descoberto pela Operação Lava-Jato na BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Nesse período, o ex-presidente era senador e dirigente do PTB. Em troca de apoio político aos governos de Lula e de Dilma Rousseff, ele ganhou o direito de indicar um ocupante para a diretoria da estatal. Como “dono” do cargo, o ex-presidente recebia vultosas comissões de empresas que tinham contratos com a BR Distribuidora. O relator do processo, ministro Edson Fachin, fixou em 33 anos a pena de prisão do ex-presidente. Como houve divergência entre os ministros, o STF ainda não havia definido o tamanho exato da punição até o fechamento desta edição. Além de perder os direitos políticos pela segunda vez, Collor ainda terá de pagar uma multa milionária.

...E QUEDA - Impeachment: o primeiro presidente brasileiro deposto por corrupção
…E QUEDA - Impeachment: o primeiro presidente brasileiro deposto por corrupção (Roberto Stuckert Filho/Ag. O GLOBO/.)

A condenação do ex-presidente, em tese, é o último marco da cronologia de uma vida repleta de surpresas e ineditismos. Collor foi o primeiro presidente eleito democraticamente após o regime militar, o primeiro a sofrer um impeachment, o primeiro a ter os direitos políticos cassado e o primeiro a responder a processo no Supremo Tribunal Federal por crime de corrupção. A sucessão de escândalos durante o seu governo parecia tão devastadora que, na época, muitos vaticinaram que dificilmente algo parecido se repetiria no Brasil e que ele jamais voltaria à política. Devido a falhas processuais, o STF arquivou as acusações contra o ex-presidente, ele cumpriu o período de oito anos de inelegibilidade e, em 2007, voltou a Brasília como senador por Alagoas. O poder e a influência, no entanto, jamais foram reconquistados. No Congresso, Collor permaneceu à margem dos grandes debates e, para ter algum espaço político, selou alianças com antigos desafetos — como Lula, por exemplo, a quem no passado já havia chamado de “cambalacheiro”.

GÊNESE - VEJA: a reportagem da revista, em 1991, deu início à deposição do mandatário
GÊNESE – VEJA: a reportagem da revista, em 1991, deu início à deposição do mandatário (./.)

O ex-presidente foi um dos primeiros peixes grandes fisgados pela Lava-­Jato. Herdeiro de uma família tradicional de Alagoas, ele sempre ostentou um alto padrão de vida. A investigação mostrou que esse padrão havia crescido consideravelmente a partir de 2010, não por coincidência o ano em que ele passou a comandar politicamente a BR Distribuidora. Em quatro anos, a fortuna pessoal declarada por Collor cresceu quase três vezes, passando de 7 milhões para 20 milhões de reais. No decorrer das investigações, a Polícia Federal apreendeu na casa dele obras de arte e carros importados de altíssimo luxo adquiridos com dinheiro desviado do esquema de corrupção. A nova debacle começou a partir daí. O ex-presidente foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República em 2019. No ano passado, foi derrotado na disputa pelo governo de Alagoas, suas empresas entraram em processo de recuperação judicial, seu patrimônio encolheu e ele acumula uma montanha de dívidas, incluindo o IPVA dos carros de luxo que ele dividiu em parcelas, mas só quitou a primeira.

SALTO DO PATRIMÔNIO - O senador por Alagoas, com Dilma: propina no esquema da Petrobras
SALTO DO PATRIMÔNIO – O senador por Alagoas, com Dilma: propina no esquema da Petrobras (Roberto Stuckert Filho/PR)

Sempre muito confiante, o ex-presidente nunca demonstrou muita preocupação com esse processo. Diante da conhecida morosidade da Justiça, ele acreditava que o caso poderia prescrever, o que por muito pouco não aconteceu. Dos dez ministros do STF, oito votaram pela condenação de Collor pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O relator do processo, ministro Edson Fachin, considerou o ex-presidente culpado também pelo crime de organização criminosa, mas houve dois votos em sentido contrário. Os ministros Gilmar Mendes e Kassio Nunes Marques foram os únicos a votar pela absolvição, argumentando, entre outras coisas, que as investigações se basearam em delações premiadas. O rigor do tribunal chamou a atenção. Collor, que tem 73 anos, ao que tudo indica cumprirá um tempo em regime fechado e terá de pagar uma multa que pode chegar a 20 milhões de reais.

DEBACLE - Com Bolsonaro: tentativa de sobrevivência política
DEBACLE - Com Bolsonaro: tentativa de sobrevivência política (Alan Santos/PR)
INÍCIO DO FIM - Com Lula, em 2006: apoio ao ex-desafeto em troca de cargo
INÍCIO DO FIM - Com Lula, em 2006: apoio ao ex-desafeto em troca de cargo (Hélvio Romero/Estadão Conteúdo/.)

Dos 125 investigados pela Lava-­Jato, o STF condenou até hoje apenas quatro de mais de 100 réus — entre eles um ex-deputado que já morreu e outro que está recorrendo em liberdade. A defesa de Collor já anunciou que pretende apresentar recursos contra a decisão, o que pode gerar algum ajuste na sentença, mas não livrará o ex-­presidente da condenação. Recentemente, o STF decidiu acabar com a prisão especial para quem possuía diploma de curso superior. Em tese, portanto, depois de analisados os recursos e se confirmada a condenação nos termos propostos pelo relator, o ex-presidente pode ficar preso numa cela comum, provavelmente na penitenciária da Papuda, em Brasília.

EM APUROS - Carros de luxo: apreensão e IPVAs atrasados
EM APUROS - Carros de luxo: apreensão e IPVAs atrasados (Cristiano Mariz/.)

Na história republicana há registros de sete ex-presidentes que foram presos, cinco deles em meio a golpes e quarteladas. Em 2019, Michel Temer foi detido preventivamente por seis dias, suspeito de envolvimento em irregularidades que nunca foram comprovadas. Lula chegou a ser condenado a 26 anos de prisão por corrupção, ficou 580 dias cumprindo pena, até que o STF anulou as sentenças, apontando irregularidades processuais no âmbito da Operação Lava-­Jato, que, aliás, produziu mais um episódio controverso. Se nenhuma reviravolta ocorrer, Collor será o primeiro ex-­presidente da República efetivamente condenado e preso por corrupção — capítulo que pode não ser ainda o último, mas certamente é o mais constrangedor da biografia de alguém que um dia já ocupou o posto de homem mais poderoso do país.

Publicado em VEJA de 31 de maio de 2023, edição nº 2843

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.