“Só me arrependo de ceder à prisão”, diz Daniel Silveira
Em entrevista exclusiva a VEJA, deputado do PSL, preso por veicular vídeo com ataques ao STF, se defende das acusações e fala sobre sua detenção
Em prisão domiciliar por determinação do ministro Alexandre de Moraes, utilizando tornozeleira eletrônica, o deputado Daniel Silveira (PSL) divide o dia entre a atividade parlamentar – que está autorizado a exercer à distância – e o estudo dos dois inquéritos que enfrenta no Supremo Tribunal Federal. O primeiro trata de atos antidemocráticos que pregavam intervenção militar e o fechamento da suprema corte; o segundo, da produção e divulgação de notícias falsas. Silveira classifica ambos como “lixo jurídico”. O deputado chegou a passar quase um mês em uma cela reservada a ex-policiais que cometem crime, depois de gravar um vídeo em que desfere ataques pessoais aos integrantes do STF e afirma que vai “perseguir” os ministros. Silveira sustenta que goza de imunidade parlamentar e que a prisão fere o direito à liberdade de expressão. A decisão, porém, foi referendada por seus colegas da Câmara dos Deputados, deixando-o isolado. O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos, de quem diz ser amigo, não expressaram solidariedade até o momento. Silveira concedeu a seguinte entrevista a VEJA por videoconferência, autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Durante sua prisão, dois episódios chamaram atenção: a discussão que o senhor teve com uma policial do IML sobre o uso de máscaras e a tentativa de levar celular para dentro da cela. Não perdeu a mão ali? Não discuti pelo uso da máscara, mas pela maneira ríspida pela qual fui tratado. Disse à policial que não estava falando com nenhum vagabundo. Ela estava tomada por uma questão ideológica e eu, obedecendo a uma ordem ilegal. Coloquei a máscara, embora seja contrário ao seu uso. Quanto aos celulares, a Polícia Federal mentiu em seu relatório.
Como sustenta isso? Tenho como provar. Levei os celulares de casa para a sede da PF. À noite, quando fui dormir, entreguei o aparelho para meu assessor, que ficou na sala ao lado da que eu estava e onde passei a primeira noite. Pela manhã, pedi os aparelhos para saber como a questão da prisão estava sendo tratada nos grupos de deputados. Em nenhum momento ali entendi que estava preso, porque tal ordem é um atentado contra o Estado Democrático de Direito.
Arrepende-se de algum ato que motivou a prisão? A única coisa da qual me arrependo foi ter aceitado ser conduzido pela PF. Deveria ter recusado a prisão. Estou me formando em direito e não posso aceitar que o direito público seja jogado na latrina. Mas acreditei que a prisão seria revogada por ser claramente inconstitucional.
Como assim, inconstitucional? Queria que o delegado que tem a mesma faculdade que eu entendesse que não havia flagrante. Perguntei para ele: “O senhor está flagrando algum crime aqui, nesse momento?”. Ele disse que não, mas era uma ordem do ministro. Ainda questionei se o ministro estava acima do Código Penal. Eram 23 horas e 16 minutos. A casa de uma pessoa é considerada asilo inviolável até as 18h, de acordo com algumas doutrinas.
O ministro Alexandre de Moraes justificou a questão do flagrante afirmando que o vídeo considerado ofensivo continuava no ar e, portanto, havia continuidade do crime. O senhor faz ataques pessoais a ele e ao ministro Fachin e diz que dedicaria a vida para persegui-los. Isso não soa como ameaça? Não. Segundo o Código Penal, a ameaça seria se eu tivesse dito que iria fazer algum mal a eles. Se eu tivesse, por exemplo, dito “vou lhe matar”, “vou lhe surrar até morrer”. Como parlamentar, jurista ou apenas como pessoa viva, vou persegui-los apontando suas mentiras. Quando a mais alta corte do país é ocupada por pessoas que passam a militar no Judiciário, elas devem ser aposentadas e novos ministros nomeados. Em momento algum falei que o STF deveria ser fechado.
Como foi a passagem pela prisão? Já fui preso algumas vezes quando estava na PM do Rio de Janeiro. Não me incomodou nem um pouco. O meu incômodo é que era uma prisão arbitrária, inconstitucional, à margem da lei. Li sete livros nesse período, entre eles o Código Penal. Também conversei com muitos detentos, policiais militares, e posso dizer que 25% deles são inocentes.
O senhor se desestabilizou emocionalmente, como chegou a ser noticiado? Eu até ri quando vi uma reportagem na imprensa afirmando isso. Disseram que me deram uma cama menor. Mas o colchão é padrão. Encontrei grandes amigos, alguns presos somente por conta de ilações. Fiquei aflito e preocupado porque minha mãe sofre de depressão e já tentou suicídio. Chegou a mim que ela estava muito abalada.
No vídeo, o senhor defende o AI-5 (Ato Institucional que cassou liberdades individuais durante a ditadura militar). Por que é favorável a ele? Em nenhum momento defendi que o AI-5 fosse reeditado. Se o tivesse feito, ainda assim não seria crime, mesmo sob a ótica da Lei de Segurança Nacional, cuja aplicação seletiva não vale para quem se opõe ao governo, mas é defendida no meu caso. Como um único homem teria capacidade de subverter a ordem democrática? No vídeo deixei muito claro (ao ministro Fachin): “Você que tá criticando o General Villas Bôas, que deu a vida pelo país e hoje está quase vegetando, respirando por aparelhos. Vai lá e prende ele. Você não o faz porque tem medo do que aconteceu com o AI-5”. O Ato foi uma reação do regime militar a um pronunciamento do então deputado Márcio Moreira Alves. Hoje, quem pratica a ditadura é o Poder Judiciário.
Não é uma contradição o senhor fazer menção a um ato que fechou o parlamento e cassou um deputado que expressou a sua opinião e, em seguida, defender a liberdade de expressão como um direito inerente à condição de parlamentar? Não sou favorável à perseguição que Márcio Moreira Alves sofreu. Hipoteticamente, se um poder está reiteradamente vilipendiando o Estado brasileiro, o outro tem que interferir. Não estou falando de estado de sítio ou de guerra. Há uma diferença histórica clara entre um período e outro.
Na sessão em que o Congresso decidiu pela manutenção da sua prisão, o senhor pediu desculpas aos colegas. Se não houve arrependimento, o senhor pediu perdão por quê? Acabei colocando o Congresso em uma votação que não deveria ter acontecido. Havia outras pautas e votações importantes para acontecer. Eu não acreditava que essa história tomaria todo esse tempo e ganharia tanto apelo midiático. Pedi desculpas também ao povo brasileiro, que pode ter ficado chocado com as palavras de baixo calão utilizadas na live, em um momento de emoção. Mas continuo defendendo que os ministros do STF devam ter um mandato de, no máximo, oito anos, para que possa haver alternância de poder. Também acho relevante que sejam pessoas com carreira no judiciário e não um professor universitário que milita no MST e vira ministro por ordem de um presidente da República.
O senhor utilizou as seguintes palavras para se referir ao ministro Fachin: “moleque”, “menininho mimado”, “mau caráter”, “nata da bosta”. Arrepende-se do uso dessas expressões? Em relação às palavras, sim. Mas é difícil você se conter na hora da emoção. Tem gente que dá um soco na cara de outra pessoa, outros jogam o carro na parede ou pulam de uma ponte para se matar. Eu resolvi xingar. Estava com raiva. Deveria ter utilizado eufemismos.
E a alcunha “Xandão do PCC” para se referir ao ministro Alexandre de Moraes? Isso é o que a própria mídia também diz (a respeito do ministro). Alexandre de Moraes não merece usar uma toga nem ocupar uma cadeira na Suprema Corte. Ele não está capacitado para tanto. O STF exige pessoas que, além de caráter e moral ilibados, tenham imparcialidade. Um ministro não pode ficar na sanha de uma prisão inconstitucional nem atropelar as leis monocraticamente. A decisão de Alexandre de Moraes afundou o Brasil na insegurança jurídica porque agrediu 210 milhões de brasileiros.
O senhor se sentiu abandonado por aliados que votaram a favor da manutenção de sua prisão? O presidente Jair Bolsonaro e seus filhos sequer se manifestaram quanto ao caso. Não. Quando você entra em uma defesa de ideias, você entra sozinho. Cento e trinta deputados votaram a favor da Constituição e outros 364 deram seu voto pressionados. Forças ocultas habitavam o plenário para convencê-los. Quanto ao presidente, eu mesmo enviei mensagens para o celular pessoal dele e pedi que não se manifestasse, porque isso iria gerar uma animosidade muito maior. Bolsonaro é meu amigo, falo com ele com frequência e não tem nenhum problema de abandono.
O senhor se refere a forças ocultas. Poderia ser mais específico? Não poderia dizer. Não é interessante agora.
De acordo com alguns aliados, o senhor teria gravado o vídeo porque queria agradar o presidente Bolsonaro e com isso cavar uma candidatura ao Senado. Procede? Queria saber de onde as pessoas tiram isso. Primeiro, não precisaria agradar o presidente, nem meu vídeo o faria. Posso ligar para ele a qualquer momento. E como um vídeo desses me levaria ao Senado? Não faz sentido.
Seu colega de bancada, deputado Felício Laterça (PSL), disse que o senhor fazia gravações de diálogos que mantinha com políticos, inclusive com o presidente e membros da família dele. É verdade? Laterça é um mentiroso, um moleque. Ele desconhece o protocolo. Todas as vezes em que estou com o presidente, todas, deixamos os celulares longe. Sempre. Nunca gravei o presidente nem nunca o faria. Laterça é covarde e quis fazer sensacionalismo num momento em que eu estava em um presídio e não tinha como me defender. Aliás, ainda estou sob censura da Justiça porque não posso nem escrever nas redes sociais.
O deputado Laterça também conta que o senhor o procurou para convidá-lo a participar de atos antidemocráticos que pregavam intervenção militar e fechamento do STF. Segundo ele, o senhor disse que “dava para ganhar dinheiro na boa” com esses atos. O que tem a dizer sobre isso? O deputado Laterça é digno de pena. Nunca troquei uma palavra com ele. Esse vocabulário para mim é coisa de vagabundo. Não se ganha dinheiro “na boa”, mas com suor. Não tenho rabo preso com ninguém. Vivo enfrentando poderosos. Quanto aos inquéritos que respondo no STF, digo que são um lixo jurídico. Eles nascem de ofício por ordem do ministro Dias Toffoli, que era o presidente da corte na época. O Marco Aurélio Mello, único legalista do Tribunal, classificou como um inquérito natimorto. O judiciário não é detentor da denúncia. Isso cabe ao Ministério Público. Tive acesso ao inquérito, que é sigiloso. É de rachar de rir.
Por quê? Não tem nada ali, a não ser recortes de jornal de atos antidemocráticos que aconteceram em alguns estados brasileiros com fotos das pessoas segurando a bandeira do Brasil. O inquérito das fake news são prints de tuítes de pessoas que dizem “eu não gosto do STF”, “não gosto de fulano”. Isso é inquérito onde? Não é nem linha de investigação.
Mas esses defendem uma intervenção militar no país, inclusive com cartazes que afirmam isso de maneira inequívoca. Quando você tem mil pessoas se manifestando e, no meio delas, dez levantem um cartaz pedindo intervenção militar e ditadura, elas respondem pelas outras 990? Claro que não. Não defendo nenhuma intervenção militar, mas a harmonia entre poderes. Se um poder exagera em suas funções, o outro tem que intervir dentro da lei e do sistema de pesos e contrapesos.
O senhor aprovaria um golpe de Estado, algo que chegou a ser levantado quando o presidente demitiu o ministro da Defesa e trocou o comando das Forças Armadas? Isso não vai acontecer. O presidente defende a total autonomia dos poderes. Posso garantir que ele jamais promoveria um golpe de Estado. Eu não o apoiaria mesmo sendo amigo ou inimigo dele. A história ensina que ditaduras nunca deram certo em nenhum lugar do mundo. A troca de comando das Forças Armadas é coisa corriqueira, já que houve mudança no ministério. Gostei da nomeação do general Braga Netto para a pasta.
Na época em que era PM, o senhor ficou 26 dias preso e seu comportamento foi classificado como “mau”. Como justifica isso? O comportamento “mau” não é exceção na polícia. A maioria recebe essa avaliação porque bastam duas repreensões para tanto, como uma barba por fazer ou um coturno sujo. O que me levou à prisão não foi qualquer tipo de desvio de conduta, mas a depressão da minha mãe. Levava ela para fazer tratamento. Na mesma época, meu padrasto e meu pai tiveram câncer e passei a ajudá-los nas sessões de quimioterapia. Aí, em vez de me apresentar em minha unidade, precisei comparecer em outros batalhões e alguns comandantes não aceitaram, mesmo com a apresentação de documentos. As ocorrências das quais participei e as amizades que fiz no batalhão falam por si só.
Por que o senhor quebrou a placa simbólica que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018? Não quebrei. Alguns militantes de esquerda colaram por conta própria, sem autorização, a placa com o nome da Marielle Franco no centro do Rio. Em tempos de campanha ideológica, disse: “Aqui não”. Arranquei a placa porque entendi que era preciso autorização da Câmara municipal para que a praça mudasse de nome. Não se obtém reconhecimento por meio de vandalismo. Em momento nenhum maculei a imagem dela. Lamento a morte de Marielle, assim como lamento a morte de mais de 59 mil pessoas assassinadas naquele ano.
O senhor parece bem mais tranquilo agora do que durante todo o episódio que o levou à prisão. Eu danço conforme a música. Se você elevar o seu tom, eu elevo o meu. É simples assim. Posso utilizar a maior educação, dentro da norma culta, ou palavras de baixo calão. Depende do momento.
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