Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Santa Maria tenta voltar à vida

Período de maior risco para os sobreviventes terminou na madrugada desta quarta-feira. Comércio ainda não conseguiu voltar ao normal, com o luto e a ausência de funcionários

Por Marcela Donini e Luís Bulcão, de Santa Maria
Atualizado em 10 dez 2018, 10h31 - Publicado em 30 jan 2013, 17h20
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Não há, em Santa Maria, uma só pessoa capaz de afirmar que não tenha sofrido o impacto do incêndio na boate Kiss. Nas ruas, todos sabem apontar alguém próximo, às vezes da família, em alguns casos vários amigos de longa data, que tenha entrado para a mórbida contagem de corpos da madrugada do dia 27. Todos buscam, agora, forças para fazer a vida continuar. Mas as dimensões e os detalhes da tragédia – que levou 235 jovens em alguns minutos – tornam mais difícil o recomeço. “Para cada loja que a gente olha, sabe que tá faltando alguém”, lamenta Patrícia Parente, de 33 anos, dona do quiosque de doces Ora Pois, que fica no corredor do segundo piso do shopping, em frente a outros três estabelecimentos que perderam empregados. “Abrimos a loja na segunda, mas não teve clima, acabamos fechando antes do horário”, conta a empresária.

    Publicidade

    Vendedora do quiosque, Priscylla Portela consolava as colegas que iam chegando por ali e não falavam em outra coisa que não fosse o incêndio. Com movimento ainda fraco, os funcionários se permitiam ir de loja em loja desabafar com os amigos. Muitos deles eram frequentadores da Kiss, mas como teriam de trabalhar no domingo, evitaram a festa de sábado.

    Publicidade

    As Lojas Americanas mantiveram as portas fechadas no domingo e na segunda-feira, em respeito aos seus quatro funcionários mortos e outro que ainda está internado, em Porto Alegre. O gerente, Sabino Antunes, que estava de férias na capital gaúcha no momento do incêndio, voltou a Santa Maria para apoiar os familiares das vítimas e reassumir o estabelecimento. Na sua ausência, era o supervisor comercial Odomar Gonzaga Noronha que coordenava a equipe. Ele, Neiva Carina de Oliveira Marin, Paola Porto Rodrigues Costa e Sandra Victorino Goulart – falecidos – estavam na festa com Jean Carlo Rosa de Oliveira, que agora está internado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ainda em estado grave.

    No cinema Arcoplex, os funcionários ainda se reorganizam nas suas funções para dar conta da falta de Marilene Iensen Castro e Fernando Parcianello. Além de ter de lidar com as duas mortes, lamentavam a internação de uma colega que, ao saber do ocorrido, passou mal. A Renner também só reabriu na terça à tarde, perdeu duas funcionárias: Viviane Tólio Soares e Kelen Aline Karsten Favarin. “As duas estavam sempre juntas, eram muito amigas. Tanto que quando acharam o corpo da primeira, sabíamos que não demoraria pra achar a outra, infelizmente”, disse a supervisora Eloina Montagner.

    Publicidade

    https://www.youtube.com/watch?v=fARbRyOvrhU Na madrugada desta terça-feira, por volta das 3h da manhã, o incêndio na boate Kiss completou 72 horas. O período representa o fim de um prazo em que a maior parte dos sobreviventes correu risco ainda alto de morte. A partir de agora, é menos provável que alguma vítima venha a apresentar algum sintoma da intoxicação respiratória decorrente da inalação da fumaça. Não é necessariamente um alívio. Mais de 70 continuam em estado grave.

    Leia também:

    Publicidade

    Autoridades aumentam fiscalização de boates após tragédia

    Improviso põe em risco o público nos shows com fogos

    Publicidade

    “Não consigo me sentir feliz por ter sobrevivido”, diz vítima

    ‘Que bom que tu tá vivo! Já contei 15 amigos que perdi hoje’

    Publicidade

    ‘Ouvi uma menina gritar fogo e corri’, conta sobrevivente de incêndio

    Fotógrafa da boate Kiss relata o pânico no momento das chamas

    Continua após a publicidade

    Solidariedade – Ainda em meio a tanto sofrimento, Santa Maria parece ter algo a dizer. A marcha branca e silenciosa que percorreu as ruas da cidade na noite de segunda-feira, os atos de bravura de jovens e civis que não pararam de ajudar, os gestos de carinho e conforto entre amigos, parentes e desconhecidos comovem e inspiram. Em Santa Maria, não se entra em local de auxílio às vítimas sem que alguém ofereça água, sanduíche ou café de graça. Grupos de voluntários se espalham pela cidade. Os médicos e enfermeiros que atenderam as vítimas se compadecem, sentem, choram, compartilham a dor. As pessoas nas ruas são respeitosas. Durante a marcha, não houve uma reclamação ou incidente por causa de trânsito. Não havia cordões de isolamento entre as ruas. Os carros pararam em silêncio e esperaram a multidão passar. Nas ruas, atos solidários se repetem naturalmente. O comércio exibe cartazes de luto, os moradores usam pulseiras pretas, os carros têm fitas pretas amarradas.

    Santa Maria, uma cidade de 263.000 habitantes, será marcada ainda por muito tempo como “a cidade da tragédia da boate”, da mesma forma que a região serrana do Rio passou a carregar o peso de seus mil mortos na chuva de 2011. Tragédias muito diferentes, mas marcadas por erros que combinam omissão, negligência e corrupção no poder público, irresponsabilidade e despreparo de empresários e a certeza de que, de alguma forma o sofrimento poderia ser evitado – ou, no mínimo, muito atenuado. Santa Maria ainda faz a contagem desses erros. Na terça-feira, prefeitura e Corpo de Bombeiros passaram a integrar a lista de investigados pelo Ministério Público. Afinal, para a boate Kiss funcionar, havia autorização legal e alvará atestando as condições de segurança do local.

    Nesta quarta-feira, deu-se também outro capítulo razoavelmente previsível desse tipo de tragédia. Advogados dos donos da boate encontraram um caminho para desviar a investigação e a opinião pública do ponto central. Culparam, então, um “resgate desastroso” dos bombeiros e apontaram heroísmo de seus clientes. Como trata-se de crime culposo, pelo que indicam as investigações até o momento, é pouco provável que os quatro presos permaneçam um longo período na cadeia antes da conclusão do inquérito.

    Publicidade
    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Domine o fato. Confie na fonte.

    10 grandes marcas em uma única assinatura digital

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo
    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 2,00/semana*

    ou
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de R$ 39,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.