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Quem são os ‘encoxadores’ do metrô

A lógica covarde que move esses assediadores pode ser comparada, segundo especialista, ao modus operandi dos pedófilos. Na internet, eles encontram seus pares, combinam os delitos e sentem-se legitimados a praticá-los

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 31 out 2017, 11h46 - Publicado em 30 mar 2014, 11h13

(Atualizada às 17 horas no dia 4 de abril)

No dia 19 de março, por volta das 8h30 da manhã, a vendedora Adriana Barbosa, de 33 anos, enfrentava a dura rotina de ser arrastada pela multidão que disputa diariamente um lugar nos vagões da superlotada Estação Sé, em São Paulo. A Sé centraliza as linhas do sistema metroviário paulistano, com fluxo médio de 627.000 usuários por dia. Não bastasse a dificuldade para conseguir usar o trem, Adriana foi vítima de um estúpido assédio que virou rotina no cotidiano das mulheres paulistanas no metrô: um homem apalpou suas coxas e se insinuou sem rodeios. Desesperada, a vendedora gritou na plataforma: “Covarde, tarado!”. O suspeito, o engenheiro elétrico Eduardo Nascimento, de 26 anos, acelerou o passo para fugir, mas foi detido por agentes de segurança do metrô.

“Se ele saísse ileso, eu ficaria louca”, lembra a vendedora. Nascimento foi levado para a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), da Polícia Civil, assinou um termo circunstanciado negando as acusações e foi liberado em seguida. Este é um dos 27 casos de abusos cometidos no sistema de transporte da capital paulista, que foram registrados pela polícia neste ano. Nas últimas semanas, episódios como esse ganharam espaço no noticiário quando Adilton Aquino dos Santos, de 24 anos, foi preso por tentar algo ainda mais asqueroso: fingindo estar armado com uma faca, obrigou a vítima a baixar as calças e ejaculou em suas pernas numa composição da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Ao perceberem o crime, passageiros do trem espancaram Santos até a chegada da polícia. Interrogado, ele contou ser frequentador de páginas na internet que estimulam o assédio contra mulheres nos vagões: são os autointitulados “Encoxadores”, que praticam e às vezes até filmam com celulares os abusos para depois divulgá-los nas redes sociais.

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Um levantamento feito pela ONG Safernet, especializada no combate à violação dos direitos humanos na web, identificou 21 páginas de compartilhamento desse tipo de conteúdo. As investigações da Polícia Civil já rastrearam mais de cinquenta. “O número pode parecer pouco expressivo, mas em algumas páginas foram encontradas mais de quartenta vídeos de ‘encoxadas’, sendo que a maioria tinha mais de 35.000 visualizações”, disse o diretor da ONG, Thiago Tavares.

Denúncias recebidas pela ONG de abusos a mulheres na internet

2007 264 denúncias envolvendo duas páginas 2008 3 denúncias envolvendo duas páginas 2009 e 2010 nenhuma denúncia registrada 2011 2 denúncias envolvendo duas páginas 2012 34 denúncias envolvendo uma página 2013 1.725 denúncias envolvendo onze páginas 2014* 325 denúncias envolvendo três páginas FONTE:SaferNet Brasil – até 28/02*

Pedofilia e psicopatia – Acostumado a receber denúncias de pedofilia na internet – que são encaminhadas à polícia -, o diretor da ONG compara o modus operandi dos abusadores ao dos pedófilos. “Eles se comunicam com codinomes, escondem o rosto, trocam experiências em fóruns, como, por exemplo, o lugar e a hora mais propícia para cometer abusos, ou como filmar as partes íntimas de uma mulher sem ser pego, e até qual o equipamento mais apropriado”, diz Tavares.

Segundo ele, uma lógica torpe move os “encoxadores”, que encaram os abusos como “esporte”: vence quem fizer o vídeo mais ousado. “Na internet, eles encontram seus pares e sentem-se legitimados a praticar o delito”. Na última semana, um auxiliar de informática, de 24 anos, foi preso por agentes de segurança na Estação Sé filmando partes íntimas das passageiras por baixo de vestidos e saias. Em depoimento à polícia, ele disse que tinha “uma tara” em assistir os vídeos e exibi-los na internet. No seu celular, a polícia encontrou diversas gravações deploráveis.

Provedores

Das 21 páginas notificadas, dez pertencem ao Google (seis no Blogspot e quatro no Orkut), e outras quatro pertecem ao Facebook. O restante opera com provedores de outros serviços.

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Apenas sete páginas foram tiradas do ar até agora (seis pelo Google e uma pelo Facebook)

FONTE:SaferNet Brasil

Segundo psicólogos ouvidos pelo site de VEJA, os “encoxadores” possuem um distúrbio comportamental que beira a perversidade sexual, conhecida como frotteurismo – quando a pessoa sente prazer em esfregar os genitais em outra que esteja vestida. “Ao fazê-lo, o indivíduo geralmente fantasia um relacionamento exclusivo e carinhos com a vítima. Entretanto, ele reconhece que, para evitar um possível processo legal, deve escapar à detecção após tocar sua vítima. A maior parte dos atos deste transtorno ocorre quando a pessoa está entre os 15 e os 25 anos de idade”, diz o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Segundo os dados registrados pela polícia, a idade dos detidos varia de 25 a 45 anos.

A professora de psicologia forense Maria de Fátima Franco dos Santos, da PUC Campinas, especializada em agressões contra mulheres, vai além: “O prazer deles reside em constranger e causar sofrimento às vítimas. São frios e calculistas, pois planejam os crimes com antecedência [na internet]. São sádicos, manipuladores, narcisistas e não sentem culpa”.

O ato, no entanto, é crime. Dos 27 detidos neste ano, dois estão presos – Aquino dos Santos, indiciado por estupro, e o pedreiro Silva Firmino da Silva, de 50 anos, acusado de violação sexual mediante fraude (que se difere do estupro por não haver consumação do ato sexual). Silva tocou a genitália de uma adolescente de 17 anos enquanto ela dormia num vagão da CPTM. Usando um vestido, ela acordou e chamou a segurança do metrô, que deteve Silva. Os outros abusadores foram fichados por “importunação ofensiva ao pudor”, cuja punição prevista é o pagamento de uma multa definida por um juiz, de acordo com a renda do acusado.

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O delegado da Divisão Especial de Atendimento ao Turista (Deatur), Osvaldo Nico Gonçalves, disse que se sente incapaz de punir os abusadores com mais rigor, porque “a lei é fraca, e, por isso, eles voltam para rua”.

Trauma – Para as mulheres, os abusos podem ter efeitos traumáticos. Desde que foi abusada por um homem no metrô de São Paulo, há duas semanas, a estudante Amanda Sampaio de Barros, de 19 anos, afirma que embarca no coletivo pelo menos vinte minutos depois do horário que costumava porque tem medo de cruzar com seu agressor. “A sensação de passar por isso é uma das piores possíveis e das mais nojentas. Me senti suja, com o orgulho ferido, vontade de chorar e de matar o cara (sic). Ele não tinha esse direito!”, diz. Outra vítima dos abusadores, a estudante Camila Gregori, de 19 anos, faz de tudo para ficar próxima a mulheres quando o trem está muito lotado. “Eu comecei a ficar mais alerta, a fugir de homem no metrô. Se não der para ficar perto de alguma mulher, tento ficar encostada na parede, por mais desconfortável que seja”, afirma.

Desde que os casos vieram à tona, as autoridades passaram a tomar algumas medidas, como infiltrar agentes de segurança e policiais civis à paisana nas composições e redobrar a atenção no vídeomonitoramento das operações.

O chefe de segurança do Metrô de São Paulo, Rubens Menezes, afirmou que adotou procedimento especial para identificar os abusadores e tentar detê-los em flagrante. “Os seguranças descaracterizados tem um padrão de ação. Treinados em artes marciais, como os outros seguranças, eles são preparados para imobilizar o suspeito sem uso de munição letal. Muitas vezes, um agente do vídeomonitoramento informa a um infiltrado pelo rádio sobre algum suspeito. Este, então, passa a observá-lo e, se identificar desvio de conduta, executa a detenção”, diz Menezes.

A Secretaria Nacional de Política para as Mulheres do governo federal informou que lançará uma campanha para alertar sobre esse tipo de crime. Nesta semana, a presidente Dilma Rousseff usou sua conta no Twitter para se manifestar: “Venho pedir às vítimas que não se intimidem em denunciar. E às polícias que não se omitam em combater a prática”.

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Desde que a Polícia Civil e o Metrô ampliaram a fiscalização e os flagrantes, sete páginas foram tiradas do ar pelo Google e pelo Facebook. Vinte e sete pessoas foram detidas. Tanto a polícia quanto o Metrô afirmam que número de denúncias aumentou consideravelmente nas últimas semanas. Chega a ser um alento num país onde 65% das pessoas afirmam concordar que mulheres merecem ser atacadas por usar roupas curtas, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No dia 4 de abril, o Ipea retificou a pesquisa, apontando que 26% dos brasileiros concordam que as mulheres com roupas curtas merecem ser atacadas, em vez de 65% divulgado no dia 27 de março

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