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Quem é o delegado à frente das investigações do caso Henry

Tido como sério, compenetrado e técnico por colegas, Henrique Damasceno comanda a 16ª DP, que apura o brutal assassinato do menino de quatro anos

Por Marina Lang, Sofia Cerqueira Atualizado em 17 abr 2021, 00h21 - Publicado em 16 abr 2021, 01h48
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  • O burburinho dos jornalistas foi se acalmando, lentamente, enquanto o delegado Henrique Damasceno, de 40 anos, entrava no salão da coletiva de imprensa concedida a jornalistas no último dia 8 de abril, quando o vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, de 43, e sua namorada Monique Medeiros, de 33, foram presos e apontados como responsáveis pelo homicídio duplamente qualificado e pela tortura ao pequeno Henry Borel, de apenas 4 anos, na madrugada do dia 8 de março no apartamento em que a criança morava com eles na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Todos os olhos do país estavam voltados ao agente de polícia, conhecido por ser econômico nas palavras e avesso a entrevistas. Mas, naquele dia, o Brasil inteiro queria, ansiosamente, ouvir o que ele tinha a dizer.

    Não havia sido um mês fácil. Naquela manhã de 8 de março, caía na mesa da 16ª DP (Barra da Tijuca) um boletim de ocorrência de Henry – um inocente em tenra idade, que estava saindo da fase de bebê e aprendendo a elaborar seu vocabulário – descrito como uma suposta vítima de acidente doméstico. A surpresa veio com o laudo do Instituto Médico Legal (IML), por volta das 19h, apontando morte da criança por hemorragia interna e laceração hepática causada por ação contundente, além de lesões na cabeça, rins, tórax e hematomas pelo corpo. A verdade era excruciante: não se restavam dúvidas de que aquilo não tinha sido apenas uma mera surra, mas uma dolorosa sessão de tortura. Por um bom tempo, Dr. Jairinho e Monique sustentaram a versão de que o menino havia caído da cama.

    Damasceno, no entanto, desmantelou as fantasiosas falas teatrais dadas pelo padrasto e pela mãe de Henry – e documentou, com provas técnicas e sem convicções teóricas, a culpa dos dois na morte brutal do garotinho. O caso viria a público somente dias depois: descobriu-se que Dr. Jairinho usou sua farta agenda de telefones de gente importante da alta sociedade carioca e de políticos influentes (apelando, inclusive e sem sucesso, ao governador interino do Rio, Cláudio Castro) na tentativa de abafar o homicídio de Henry.

    A pressão no delegado titular de uma unidade policial de um bairro das classes abastadas do Rio, com 12 anos de experiência na polícia, cresceu por meio de ataques difamatórios ao seu trabalho. Era a hora e a vez de falar – exatamente um mês depois, quando o casal foi preso, naquele evento para a imprensa. Afinal, tal como o feminicídio político da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do homicídio de seu motorista Anderson Gomes, trata-se de um dos casos mais emblemáticos da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, cujo alcance, hoje, chega a 38 países além do Brasil.

    Naquele dia, quem tomou as rédeas para defender Damasceno da metralhadora verbal à qual fora exposto foi se chefe, o delegado Antenor Lopes Martins Junior, diretor do Departamento-Geral de Polícia da Capital (DGPC). “Doutor Henrique Damasceno e sua equipe tiveram total liberdade para trabalhar e para esclarecer o que, de fato, tinha acontecido com o menino Henry. Tanto isso é verdade que vocês verificaram, a todo o momento, que os advogados [de Monique e Jairinho] peticionaram para tirar o doutor Henrique Damasceno do caso, inclusive para mandá-lo para a Delegacia de Homicídios, o que foi negado pelo Poder Judiciário”, disse Martins. Em seguida, emendou um elogio: “Além de críticas absolutamente infundadas à conduta do doutor Henrique Damasceno – que é perfeitamente profissional e técnico”.

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    Os adjetivos não vieram à toa. Tido como um delegado altamente respeitado nos quadros da polícia, Damasceno nutre uma verdadeira obsessão pelo trabalho estritamente técnico, milimetricamente documental e profundamente investigativo – a ponto de se dispor por horas a fio, sem cessar, até varar a madrugada e deixar a unidade policial na sua moto (uma real paixão) em um forte temporal. A pouca verbalização, portanto, traz outro tipo de resultado: provas contundentes e irrefutáveis que levam à condenação de quem ele tem certeza, após obtê-las, de que são culpados. Mas não bastam convicções –  teorias e teoremas são prisões mentais sem grades. É preciso provar. A polícia, afinal, não acha; a polícia precisa coletar provas. O resto são quimeras e a imaginação fértil precisa ser ignorada.

    Flávio Britto, ex-chefe de polícia que deixou o cargo em setembro do ano passado, não poupa elogios ao colega. “Delegado de geração mais nova, mas que obteve grande experiência em investigação com delegados e agentes no período que esteve na Divisão de Homicídios, logo no início da sua carreira. Demonstrou grande consistência na investigação de homicídios, em roubos de cargas e contra o crime organizado, efetuando várias prisões muito relevantes, que lhe renderam uma precoce e merecida promoção na carreira. Pelo seu histórico na investigação de homicídios, não há dúvida que os fatos do caso Henry serão integralmente elucidados”, disse, com exclusividade, a VEJA.

    Com olho clínico para investigações, Damasceno formulou uma equipe tanto técnica quanto absolutamente confiável. São bons em “escutas”, segundo um outro delegado que prefere não se identificar, ou seja, a arte de não apenas transcrever grampos, mas, de fato, interpretá-los e colocá-los dentro de um contexto específico das apurações. Sua principal auxiliar no caso Henry é a jovem delegada Ana Carolina Medeiros, um dos meteoros da Polícia Civil cujo trabalho aprofundado e investigativo ainda vai dar o que falar nos próximos anos. A ela coube o trabalho de monitoramento de Dr. Jairinho e Monique, presos em um terceiro endereço não relacionado pela dupla nos autos do inquérito que investiga a morte da pequena criança.

    Apesar de apurar um crime ligado às classes mais abastadas do Rio de Janeiro, a interlocutores, Damasceno se demonstra profundamente indignado quando o recorte da opinião pública diz que a celeridade das investigações se deve ao fato de Henry ser um menino “rico e branco”. Isto porque sua paz interior lhe foi tirada quando houve um assassinato de criança que elucidou em 2013: Rebeca Miranda Carvalho dos Santos, de 9 anos, foi encontrada assassinada na Favela da Rocinha, em São Conrado, na Zona Sul, estuprada, com as roupas íntimas abaixadas, com marcas de mordidas pelo seu pequeno corpo e brutalmente esganada. Antes disso, Damasceno descobriu que uma outra criança de sete anos havia sido estuprada e morta pelo mesmo autor, Elder Deywid Marinho. VEJA apurou que ele está para sair da prisão em breve, o que preocupa o delegado. A pessoas próximas, ele diz que esse padrão do criminoso serial que identificou tende a se repetir – a exemplo de Dr. Jairinho, cujas agressões a crianças e mulheres se desdobram na esteira da impunidade há, pelo menos, dez anos, conforme VEJA revelou.

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    Embora tenha trabalhado em casos rumorosos – a etapa das investigações no Rio sobre o goleiro Bruno, acusado pelo homicídio de Eliza Samudio (naquela época, ainda não existia a tipificação penal de feminicídio, que veio apenas em 2013), e da execução da juíza Patrícia Acioly, brutalmente assassinada por policiais milicianos -, foi o estupro com mordidas seguido de morte da menina Rebeca que lhe abalou as estruturas. Foi um caso que, segundo fontes ouvidas pela reportagem, perturbou Damasceno profundamente. Além das investigações mais escandalosas, há uma longa lista de prisões importantes que fez ao longo da última década, conforme ressaltou Britto, o ex-secretário da Polícia Civil do Rio.

    Egresso de São Paulo, Damasceno se formou em direito no ano de 2002. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 2008, quando ingressou nos quadros da Polícia Civil fluminense após passar no concurso de 2006. Fez MBA em Segurança Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Gosta do Rio de Janeiro, uma cidade linda no cartão postal, mas que esconde bárbaros crimes em suas profundezas. É idealista, dedicado e persistente: acha que seu trabalho muda o mundo, a sociedade e traz resultados para um panorama mais ético e justo. Prefere ser discreto e invisível, afinal, há uma série de vantagens nestas duas características. O sotaque paulista se realça quando fica nitidamente revoltado ao comentar os casos estarrecedores nos quais trabalha.

    “Ele é sério, meticuloso, detalhista e técnico”, resumiu a VEJA o professor e advogado criminalista Leonardo Barreto, que representa o pai de Henry, Leniel Borel de Almeida, no inquérito que apura a morte do pequeno.

    Questionado por VEJA durante a coletiva de imprensa de 8 de abril sobre uma eventual participação de Monique Medeiros, mãe da criança, na dinâmica do crime e na sessão de tortura que culminou na morte do próprio filho, Damasceno não hesitou. “É importante que se diga que alguns detalhes como estes nunca são esclarecidos a não ser se um dos investigados opte por confessar. Não podemos esquecer que ali estavam três pessoas. Uma delas foi morta. As outras duas foram presas hoje, e não necessariamente elas estão interessadas no esclarecimento da verdade. O que nós temos que fazer, de fato, é reunir provas de autoria dessas pessoas. Que permitam, com justiça, que essas pessoas sejam responsabilizadas”, pontuou.

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    O delegado do caso Henry soube, pelos bastidores da polícia, que VEJA estava tentando retratá-lo. Procurado pela reportagem, limitou-se a dizer: “meu trabalho é estritamente profissional. Só estou tentando cumpri-lo. Da maneira como posso”.

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