Não são apenas as informações sigilosas, a lista de investigados e a legalidade de certos procedimentos que explicam a queda de braço entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba. O pano de fundo desse embate é a especulada candidatura presidencial do ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro, que desponta hoje como o principal adversário de Jair Bolsonaro em 2022. Sob a condição de não terem seus nomes revelados, integrantes da força-tarefa dizem que a PGR trabalha para manchar a imagem da operação e de seu símbolo maior, com o objetivo de facilitar a reeleição do presidente. O órgão — comandado por Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro — estaria planejando até mesmo uma busca e apreensão no escritório da advogada Rosangela Moro, esposa do ex-ministro, a fim de desgastar o casal diante da opinião pública. Foi por isso, acrescentam os procuradores de Curitiba, que a PGR teria retomado as negociações para um acordo de delação premiada com o operador financeiro Rodrigo Tacla Duran.
Atualmente morando na Espanha, Tacla Duran, que operou quase 2 bilhões de reais de investigados no petrolão, já teve uma proposta de colaboração rejeitada pela equipe coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol, sob a alegação de que burlou provas e fraudou e-mails com autoridades para tentar o desbloqueio de seus bens. Há tempos o caso parecia encerrado, mas a PGR reabriu a conversa com o operador financeiro, recorrendo a uma estratégia antes condenada pelo próprio Aras: a de ofertar ao candidato a delator que entregue uma autoridade. Qual autoridade? O nome não está posto oficialmente, mas nos bastidores todos sabem que se trata de Moro. A esperança de enredar o ex-ministro decorre do fato de Tacla Duran já ter dito que pagou ao advogado Carlos Zucolotto, amigo do ex-juiz, para obter vantagens em seu acordo com a Lava-Jato, rejeitado em Curitiba. Zucolotto foi sócio de Rosangela Moro. Essa sociedade entre os dois seria usada pela PGR para pedir à Justiça o tal mandado de busca e apreensão no escritório de Rosangela.
Numa tentativa de dar veracidade à motivação política da PGR, integrantes da força-tarefa dizem que a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, braço direito de Aras, fez a seguinte pergunta ao visitar a equipe de Dallagnol em Curitiba: “Você acha que o Moro é viável em 2022?”. Naquele dia, Lindôra pediu acesso às informações, inclusive sigilosas, mantidas pelo grupo, que se recusou a atendê-la. Uma liminar do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou recentemente o compartilhamento dos dados. Moro pediu demissão do cargo de ministro da Justiça acusando Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal. No mesmo dia, a PGR solicitou a abertura de inquérito para apurar a veracidade da acusação, mas também para analisar uma suposta denunciação caluniosa por parte do ex-ministro. A apuração está em curso. Até agora, Moro não admite publicamente o desejo de disputar a Presidência. Mesmo assim, é cortejado por diferentes partidos.
Segundo levantamento realizado pela Quaest Consultoria em junho, o ex-juiz está em segundo lugar na corrida presidencial, com 19%, bem próximo do líder, Bolsonaro, que marcou 22%. Na terceira e quarta colocações aparecem Fernando Haddad (PT), com 13%, e Ciro Gomes (PDT), com 12%. A competitividade de Moro convenceu auxiliares do presidente a tentar neutralizá-lo desde já. A PGR, de acordo com o relato de integrantes da força-tarefa em Curitiba, estaria na linha de frente dessa cruzada. Aras nega que a Procuradoria aja por motivação política. Ele, isso é fato, sempre teve ressalvas à atuação dos procuradores na operação. “O que aconteceu com a República de Curitiba foi que os homens acharam que podiam superar as leis e as regras do jogo”, disse durante a sua bem-sucedida campanha para o cargo de procurador-geral. As queixas contra Moro não eram muito diferentes. Aras acreditava que o então ministro trabalhava contra sua indicação e, por isso, recusou-se a recebê-lo para uma reunião, mesmo quando a sua escolha para a chefia da PGR já estava consolidada.
ASSINE VEJA
Clique e AssineUm processo sigiloso apresentado ao STF para apurar a possibilidade de a força-tarefa em Curitiba ter investigado ilegalmente autoridades com prerrogativa de foro deu a motivação jurídica que faltava para revisitar o trabalho da Lava-Jato. Recentemente, ela foi acusada de conduzir (sem autorização) investigações sobre os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, omitindo os sobrenomes pelos quais são mais conhecidos. “Quando esse processo chegou ao STF, colocou o problema na rua e todos em Curitiba ficaram sob suspeita”, relatou a VEJA um integrante da equipe do PGR. Uma das forças mais potentes da República, o Ministério Público nunca esteve tão dividido. Trata-se de uma guerra aberta, com um olho nos poderes de hoje (informações, privilégios e cargos) e o outro em 2022.
Publicado em VEJA de 22 de julho de 2020, edição nº 2696