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Paz na Vila Cruzeiro, pesadelo no Complexo do Alemão

Pela primeira vez em dez anos, moradores da Penha se veem livres do tráfico. No Alemão, parte da população vai embora sob o fogo cruzado

Por Aline Erthal
27 nov 2010, 22h00

Hoje, muito mais do que três quilômetros separam a Vila Cruzeiro do Complexo do Alemão. As duas comunidades, que até a semana passada tinham um cotidiano comum – marcado pelo medo, pelo tráfico e pela violência -, agora parecem duas cidades diferentes. Depois dos ataques que aterrorizam o Rio desde o domingo, a Penha foi ocupada pela polícia. O sábado foi de uma tranqüilidade incomum no local. Enquanto isso, no Alemão, reinou o horror.

Muitos dos policiais que estavam na Penha pisavam pela primeira vez aquele chão. Não que aquela operação fosse a primeira de suas vidas: a diferença é que, antes, descer do carro blindado poderia ser uma sentença de morte. “Eu estou de costas para a rua. Isso era impensável até dias atrás”, ria um tenente do 16º BPM, incrédulo. “Participei de várias ações aqui, saindo com as rodas do blindado em chamas. Este lugar está irreconhecível”.

Os moradores também estranhavam. Zuenir Souza, que vive na Vila Cruzeiro há 10 anos, respondeu com pasmo à pergunta “o que o senhor acha de a comunidade voltar ao normal?”: “Normal? O nosso normal é outra coisa. É traficante com armamento pesado em todas as esquinas dia e noite, drogas vendidas na banca de frutas, muito lixo. Isso aqui, hoje, é algo que não reconheço”.

Crianças olhavam com curiosidade para as armas dos policiais: “Mãe, por que eles não estão atirando?”, perguntava João Marcelo Cruz, de seis anos. Alguns moradores compravam alimentos para estocar em casa, até terem a certeza de que o terror não se repetiria.

Foram retiradas pela Comlurb 45 toneladas de lixo desde ontem. Nove mil pessoas haviam ficado sem energia elétrica desde o início dos confrontos, mas hoje o serviço já foi restabelecido para 8400 delas. Segundo André Santos, subprefeito da Zona Norte que passou o dia no local, foram recuperados 10 veículos roubados que estavam escondidos na favela. “Queremos é virar a página de desordem e violência no Cruzeiro”, disse.

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Pela primeira vez em décadas, podia-se circular livremente pelos morros do complexo da Penha. “Pode ir sem susto, você acredita?”, perguntava Maria das Graças Marques, apontando para a Igreja da Penha, onde funcionava um bunker do tráfico. “Só temos medo é de a polícia nos abandonar de novo, como sempre fez depois de cada operação”, temia a moradora.

O coronel Mário Sérgio Duarte, comandante geral da Polícia Militar, garantiu que a ocupação é definitiva. “O Rio vive há 25 anos sob o domínio do fuzil. Grupos de traficantes instituem espécies de subestados. Isso é fruto de uma série de equívocos. O que havia em termos de segurança era simulacros, que não resolviam o problema. Durante muito tempo se defendeu a convivência amistosa entre polícia e trafiantes. Mas duas forças de guerra que defendem interesses opostos não podem conviver. Essa era a diferença entre o GPAE e as UPPs”, avaliou.

Complexo do Alemão – Paz na Penha, pesadelo no Alemão. A tensão cresceu ao longo do dia, com a sensação permanente de que estava prestes a estourar um confronto sangrento. A Estrada do Itararé, principal via da área, virou rota de tanques de guerra e comboios militares. Nas vielas com acesso ao morro, dezenas de homens do exército não desgrudavam os olhos das miras. Jornalistas com coletes à prova de balas espremiam-se contra as paredes a cada tiro disparado. Quem descia ou subia o morro era revistado. “Aqueles ali são traficantes disfarçados de moradores. Eles tomam banho, descem com cara de anjo e conseguem se safar. Muitos estão fazendo isso, a gente que é daqui sabe. Mas tem medo de contar”, segredava Ernani Gomes, 42 anos.

A estimativa do coronel Mário Sérgio era que houvesse até 600 traficantes escondidos no Alemão, neste sábado. “Lá no alto, para onde você olha tem 20, 30 bandidos reunidos. Eles estão nas casas das pessoas, cavam buracos para se esconder, juntam as armas e contam as munições. Vem guerra pesada por aí”, previa um morador que preferiu não se identificar.

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No fim da tarde, dezenas de pessoas desciam a Estrada do Itararé com malas, caixas, gaiolas, animais de estimação, ventiladores. O destino, para algumas, era incerto. Mas qualquer lugar seria melhor do que o Alemão na noite de 27 de novembro. O trajeto era feito a pé, atravessando cerca de um quilômetro na linha de tiro – pois, com a chegada da noite, o tráfego de veículos foi interrompido, exceto para policiais. Josival Nunes, 50 anos, arrastava um saco e um ventilador: “Sei que vou me lembrar disto para sempre. Sei que quando eu voltar para casa, deus sabe quando, vou encontrar conhecidos mortos, pessoas traumatizadas, casas destruídas. Eu desço o morro e um filme passa na minha cabeça, só que é um filme de terror e que mostra o futuro”.

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