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Óleo do Nordeste afeta até pescadores de locais que não foram atingidos

Enquanto a origem do vazamento permanece um mistério, comunidades sofrem com o encalhe de produtos e a drástica queda de preços

Por Edoardo Ghirotto Atualizado em 20 dez 2019, 10h06 - Publicado em 20 dez 2019, 06h00

Passados quatro meses de um dos maiores desastres ambientais da história do país, a origem da mancha de óleo surgida no litoral permanece um mistério. A investigação acaba de voltar à estaca zero. A principal hipótese da Marinha era que o navio Bouboulina, de bandeira grega, havia derramado a substância quando transitava perto da costa brasileira. Mas o Ibama informou nesta semana que o relatório usado como base na investigação confundiu manchas de clorofila com petróleo. É mais uma trapalhada na crise que já envolveu até a disseminação de uma fake news pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que acusou a ONG Greenpeace de ser a culpada pelo crime. Enquanto a situação não se resolve, a contabilização do impacto econômico do desastre vai aumentando. Além de haver prejuízos para o setor do turismo, que vem sofrendo com o cancelamento de reservas desde a divulgação do vazamento, cresce a percepção sobre outro tipo de prejuízo, bem mais cruel.

Ele se materializa na forma de perdas grandes entre a comunidade de milhares de pessoas simples que sobrevivem da pesca artesanal. Os produtos tirados do mar estão ficando encalhados, pois os consumidores têm receio de contaminação pelo óleo (ainda que o governo garanta que não há riscos). Para minimizar o problema, a Caixa Econômica Federal começou a liberar nesta semana um auxílio emergencial aos trabalhadores de 128 municípios que o Ibama registrou como atingidos pelo óleo. Serão contemplados, aproximadamente, 66 000 pescadores. A quantia reservada a cada um será de 1 996 reais.

O dinheiro não resolve toda a questão. Muitos pescadores que não vivem nas áreas marcadas pelo Ibama tiveram a sorte de não ver o óleo chegar às suas praias, mas sofrem com os mesmos prejuízos. Maragojipe, na região da Baía de Todos-os-Santos, é um exemplo. Ela fica a 32 quilômetros da Ilha de Itaparica, onde há localidades que receberão o benefício da Caixa. A família de Bartolomeu Gonçalves Dias, de 49 anos, arrecadava por volta de 600 reais por mês com a venda de camarão-branco e outros pescados na cidade. Isso permitia a ela ter a geladeira abastecida e manter as contas em dia. Mas, desde a chegada do óleo à costa nordestina, a renda caiu para cerca de 100 reais mensais.

Antes do desastre, Bartolomeu vendia o quilo do camarão-branco a 30 reais. Hoje, comercializa a mesma mercadoria por 11 reais. Sem a esperança de ter acesso ao dinheiro disponibilizado pelo governo, ele diz que precisou vender um notebook para conseguir religar a água de casa, cortada após sucessivos atrasos no pagamento das contas. Também voltou a cozinhar com carvão, para evitar a compra de botijões de gás. Colegas têm gravado vídeos com os congeladores abarrotadas de frutos do mar que ficaram encalhados. Quando os alimentos apodrecem, resta enterrar os peixes e mariscos em descampados.

O caso de Bartolomeu não é uma situação isolada. VEJA ouviu vários outros relatos de pescadores residentes em locais não afetados pelo óleo, mas que lutam para manter as contas em dia por causa da desconfiança dos compradores ou da drástica queda dos preços de pescados e mariscos. Em Pernambuco, estima-se que 10 000 trabalhadores tenham sido afetados pelo vazamento. No Rio Grande do Norte, a Federação dos Pescadores declara que os preços para revendedores caíram 60%. Em Macau, uma cidade potiguar de quase 32 000 habitantes, a crise impactou não só a vida de pescadores, mas também a de comerciantes locais. A marisqueira Rita de Cássia, 37, afirma que sua renda familiar caiu 50%. Se antes ela vendia mariscos por até 10 reais o quilo, hoje o produto não passa de 2,50 reais. Falta dinheiro para comprar itens básicos para o sustento familiar, como óleo, pão e leite.

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TIRO N’ÁGUA - O navio ‘Bouboulina’: a suspeita da Marinha não foi comprovada (//Divulgação)

Na Ilha de Maré, região turística na Baía de Todos-os-Santos, já não existem moquecas nos parapeitos das casas dos pescadores. “Nenhum turista quer comer nosso peixe mais”, diz Marizelha Carlos Lopes, 49. Ela conta que amigos se organizam todo mês no município para montar cestas básicas para as famílias que mais precisam. Depois de percorrer 140 quilômetros até Salvador e ter seus camarões rejeitados pelos restaurantes da capital, Bartolomeu, o pescador de Maragojipe, resolveu se reunir com companheiros para solicitar ao governo estadual o fornecimento de cestas básicas enquanto a situação não se normalizar. Ainda não obteve resposta. “Você não sabe como é humilhante ter de pedir uma coisa dessas”, afirma. Em nota conjunta, os ministérios da Cidadania e da Agricultura dizem estudar formas de garantir a renda dos trabalhadores que foram indiretamente afetados pelo óleo. Em paralelo, os radares da investigação sobre o vazamento se voltaram para a África, após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirmar que o combustível partiu da costa daquele continente. O Brasil foi vítima do desastre, pois o óleo derramado é de origem venezuelana. Mas a lentidão do governo em reagir só agravou o problema. Além do desastre ambiental, há agora um passivo social considerável a ser enfrentado.

Publicado em VEJA de 25 de dezembro de 2019, edição nº 2666

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