Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O plano de resgate e os celulares de Adriano da Nóbrega

Familiares alegam que os segredos do ex-capitão não estão nos aparelhos apreendidos e eram compartilhados apenas com a mulher dele, Julia Lotufo

Por Daniel Pereira 27 jun 2021, 19h19

Dias antes de ser morto, Adriano Magalhães da Nóbrega estava sendo aconselhado a se entregar à polícia por seu advogado, que argumentava que derrubaria em breve a ordem de prisão expedida contra o ex-capitão do Bope, acusado de chefiar um grupo de matadores de aluguel e de integrar uma das mais poderosas milícias do Rio. Detentor de segredos sobre a relação entre crime organizado e autoridades públicas e sobre o notório esquema da rachadinha, Adriano rechaçou a sugestão de rendição, sob a alegação de que a própria polícia poderia matá-lo como queima de arquivo, e resolveu articular um plano de resgate. Ele combinou com seus comparsas na contravenção que um avião de pequeno porte sairia do Rio de Janeiro, na terça-feira 11 de fevereiro de 2020, para resgatá-lo no interior da Bahia. A operação só não foi deflagrada de pronto porque ainda não havia sido encontrado um local de pouso seguro — e distante da vigilância da polícia. O plano não saiu do papel. Em 9 de fevereiro, uma ação de forças de segurança do Rio de Janeiro e da Bahia resultou na morte, no município de Esplanada (BA), daquele que já foi chamado de heroi pela família Bolsonaro.

Quando Adriano foi morto, os policiais apreenderam 13 celulares e sete chips que estavam com ele. Desde então, tornou-se comum, nas redes sociais, perguntar que evidências e provas foram encontradas nos aparelhos. Até agora, não há informação oficial a respeito. Sob a proteção do anonimato, familiares de Adriano disseram a VEJA que provavelmente não há nada de relevante nos celulares e nos chips apreendidos. Motivo: descrito como alguém que não acreditava nem mesmo nos parentes, Adriano era excessivamente precavido ao se comunicar. Durante o ano em que ficou foragido, o ex-capitão tocou à distância seus negócios, que envolviam da exploração de máquinas caça-níquel a grilagem de terras e lhe renderam um patrimônio distribuído em bens como imóveis, fazendas e cavalos de raça. Parte desse espólio virou motivo de disputa e já foi vendida.

Para dar ordens rotineiras a seus empregados, Adriano usava celulares e chips que comprava e descartava periodicamente e recorria preferencialmente ao sinal de Wi-Fi para fazer ligações, como forma de não ter suas conversas grampeadas. Já para trocar informações e fazer negociações estratégicas, ele recorria a sua mulher, Julia Mello Lotufo, uma das poucas pessoas em que realmente acreditava. O casal usava uma tecnologia chamada de celular ponta a ponta, quando dois aparelhos são previamente programados para receber e fazer chamadas somente entre eles. Quem quisesse transmitir algum recado para o foragido Adriano ou tivesse de receber algum recado dele precisava necessariamente passar por Julia. Por causa disso, ela acabou se tornando portadora de informações e segredos valiosos. A própria Julia registra isso numa troca de mensagem a que VEJA teve acesso: “O Adriano só confiava em mim. As pessoas sabiam que quem quisesse falar com ele teria de me procurar e falar comigo. Eu era o único meio para levar e trazer um recado. Ouvi muita coisa e acabei ficando exposta”. A descrição parece verdadeira.

Ao pedir a prisão preventiva, em meados de 2020, de Fabrício Queiroz, o operador do esquema da rachadinha no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, o Ministério Público relatou uma reunião no interior de Minas Gerais, no fim de 2019, da qual participaram Raimunda Veras, mãe de Adriano, Márcia de Aguiar, mulher de Queiroz, e Gustavo Botto Maia, advogado ligado ao Zero Um. Segundo o MP, eles trataram de “um plano de fuga organizado para toda a família do operador financeiro que contaria com a atuação do então foragido Adriano Magalhães da Costa Nóbrega”. Com a ajuda de pessoas próximas a esses personagens, VEJA descobriu como foi organizada essa reunião. Ciente da comunicação ponto a ponto que Julia mantinha com Adriano, Raimunda Veras pediu à nora que fosse a seu encontro, alegando que gostaria de desejar feliz natal ao filho. Ao chegar ao local, Julia foi surpreendida pela presença de Márcia e de Botto Maia, que pediram a ela que ligasse para Adriano. Assim foi feito.

Continua após a publicidade

No telefonema, eles tentaram extrair do ex-capitão informações que pudessem ser usadas para pressionar autoridades públicas a engavetar a investigação da rachadinha. Por exemplo: valores e beneficiários de propinas distribuídas por Adriano e seus comparsas. O ex-capitão se negou a responder, apesar de ser amigo de longa da família Queiroz, a ponto de dar 80 000 reais em espécie para ajudar o operador da rachadinha, seu antigo parceiro de Polícia Militar, a pagar despesas médicas no Hospital Albert Eintein. Raimunda Veras e Márcia de Aguiar foram funcionárias do gabinete de Flávio na Assembleia do Rio e depois denunciadas pelo MP como participantes da rachadinha. Na época da reunião no interior de Minas, a mulher de Queiroz estava abalada emocionalmente e dizia não saber por quanto tempo mais aguentaria segurar a pressão.

Após a passagem por Minas, Julia seguiu para o litoral da Bahia para se encontrar com Adriano. Na bagagem, levou relatórios da contabilidade dos negócios do marido nos meses de setembro, outubro e novembro de 2019. A planilha mostrava queda de arrecadação em alguns dos negócios. Contrariado, Adriano pegou um de seus celulares rotativos, daqueles que usava e logo jogava fora, para cobrar um de seus operadores financeiros. Alguns familiares suspeitam que esse operador possa ter repassado informações à polícia, que realizou duas operações a fim de capturar o ex-capitão. A primeira delas foi na Costa do Sauípe, no litoral baiano. Adriano e Julia estavam numa casa de veraneio num condomínio fechado quando foram surpreendidos por uma batida da polícia. Enquanto conversava com a mulher, Adriano viu homens entrando no terreno e fugiu pelos fundos. Ele foi resgatado a 30 quilômetros do local por um amigo, o fazendeiro Leandro Abreu Guimarães, com quem compartilhava o gosto por vaquejadas. Foi Leandro quem o levou para o município de Esplanada (BA).

Julia também se dirigiu para lá e ficou com o marido até horas antes de sua morte. No dia 8 de fevereiro de 2020, ela e a filha pegaram a estrada de volta para o Rio de Janeiro numa Hillux Branca, tendo como motorista um funcionário de Leandro. A caminhonete chegou a passar por um scanner para que tivessem a certeza de que não haviam acoplado um rastreador nela. Na estrada, foram parados por uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. Pressionado pelos policiais, o motorista disse que era funcionário de Leandro e, assim, entregou o paradeiro de Adriano. Júlia ainda avisou o marido do ocorrido e esperava que ele fugisse. Na manhã do dia seguinte, Adriano foi morto. Um ano depois, em março de 2021, Julia teve a prisão decretada como participante de um esquema de lavagem de dinheiro dos bens ilegais do ex-marido. Ela também ficou foragida até conquistar na Justiça o direito a prisão domiciliar.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.