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A planilha milionária de Adriano da Nóbrega, chefe do Escritório do Crime

Contabilidade de quase R$ 2 milhões em apenas um mês era feita por viúva do miliciano, morto na Bahia em fevereiro de 2020

Por Marina Lang, Ricardo Ferraz, Cássio Bruno Atualizado em 6 Maio 2021, 13h24 - Publicado em 6 Maio 2021, 08h15

Onde está Julia Emilia Mello Lotufo, viúva do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega? A revogação da prisão de preventiva para domiciliar  – cedida pelo Superior Tribunal de Justiça na última semana devido ao fato dela ter uma filha menor de idade – fez com que a mulher do poderoso chefão do Escritório do Crime se entregasse e fosse recolhida em sua casa com uma tornozeleira eletrônica. O grupo que seu marido (bandido de alto escalão das máfias do Rio de Janeiro) comandava é uma espécie de consórcio que reúne paramilitares que dominavam a comunidade de Rio das Pedras, na Zona Oeste, e assassinos que matam sob encomenda. Foragida da Justiça até a semana passada, Julia disse, por intermédio de seus advogados, que teme pela sua vida. Seu ex, com quem ficou por mais de dez anos, foi assassinado na Bahia em fevereiro de 2020 durante uma operação policial, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas pelas autoridades.

Embora alegue inocência, a documentação reunida pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, obtida por VEJA, mostra o contrário: Julia gerenciava a fortuna criminosa, baseada em complexos esquemas de lavagem de dinheiro, agiotagem, cobrança de aluguéis irregulares e outras atividades obscuras, escamoteadas em codinomes. Por meio de uma foto armazenada no celular da parceira no amor e nos negócios escusos de Adriano, os investigadores conseguiram visualizar uma planilha que dimensiona um pedaço da fortuna milionária e ilegal do ex-capitão da Polícia Militar, expulso dos quadros da corporação em 2014 por envolvimento com bicheiros. Apenas no mês de maio de 2019, quando Adriano estava foragido, Julia registrava as entradas de dinheiro nos bolsos cheios do miliciano: 1 845 111,43 de reais, provenientes das mais variadas fontes possíveis, tais como aluguéis irregulares de Rio das Pedras, juros cobrados por atrasos em pagamentos na mesma comunidade, agiotagem, extorsões, arrecadações de dívidas variadas, consórcio de carros, e por aí vai.

Algumas anotações cifradas, no entanto, chamam a atenção. Não se descreve o que seria o “Apoio”, no valor de 80 000 reais, tampouco “Compromisso”, de 14 000 reais, e muito menos “Particular”, que corresponde a uma generosa cifra de 132 500 reais no cofre criminoso do paramilitar. Mas a trinca de somas suspeitas traz indícios de que as contas do miliciano eram fartamente irrigadas por diferentes patrocinadores ocultos de suas atividades ilegítimas no Rio.

Todos os cálculos de Julia Lotufo sobre a fortuna mensal do miliciano Adriano
Todos os cálculos de Julia Lotufo sobre a fortuna mensal do miliciano Adriano (MPRJ/Reprodução)

 

Troca de mensagem entre Julia e comparsa de Adriano, de onde a planilha foi extraída
Troca de mensagem entre Julia e comparsa de Adriano, de onde a planilha foi extraída (MPRJ/Reprodução)

Caçador silencioso de vítimas encomendadas por políticos e contraventores, o ex-sniper do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da PM do Rio era conhecido pela sua extrema discrição. Todos os seus negócios do crime eram gerenciados por laranjas de Rio das Pedras e comparsas da corporação, muitos deles policiais da ativa. Há poucos registros em celulares sobre Adriano porque, conforme as investigações que tornaram Julia foragida mostram, ele usava uma tecnologia chamada de celular ponta a ponta, ou seja, quando dois aparelhos são previamente programados para receber e fazer chamadas somente entre ambos. Era uma das exigências do chefe do Escritório do Crime, em cuja posse foram achados 13 telefones diferentes quando foi morto no ano passado. O inteiro teor da perícia desses equipamentos ainda não foi demonstrado pelo MP do Rio.

Parte do esquema milionário criminoso de Adriano era feito por meio de duas empresas: a Cred Tech Negócios Financeiros, uma factoring criada para fazer empréstimos a juros extorsivos (que chegavam a incidir 22% a mais sobre o valor cedido), e a Lucho Comércio de Bebidas, cuja intenção era lavar dinheiro de seu império da bandidagem. Em conversas interceptadas pelas investigações, pessoas próximas a Julia admitem que a segunda empresa pertencia a ela e ao companheiro.

Conversa interceptada pela polícia mostra que Adriano e Julia eram donos da empresa Lucho Comércio de Bebidas, usada para lavagem de dinheiro
Conversa interceptada pela polícia mostra que Adriano e Julia eram donos da empresa Lucho Comércio de Bebidas, usada para lavagem de dinheiro (MPRJ/Divulgação)

Ambas as empresas tiveram o soldado da PM Rodrigo Bittencourt em seu quadro societário. Ex-marido de Julia e pai da filha dos dois, ele é apontado como um dos laranjas e um dos principais gerentes das movimentações criminosas de Adriano. Preso em março, seus rendimentos mensais da PM giravam em torno de 4 000 reais, e eram incompatíveis com as somas de milhares de reais que movimentava por mês. Relatório do Conselho de Atividades Financeiras (COAF) aponta que, entre agosto de 2018 e maio de 2019, ele operou por volta de 1,4 milhão de reais em sua conta pessoal.

A Cred Tech, também uma empresa de fachada de Adriano, chegou a ter suas contas irrigadas com 1,9 milhão de reais no mesmo período analisado. A movimentação da firma foi considerada incompatível com o valor de 50 000 reais, que foi oficialmente declarado. O negócio chegava a confiscar bens para saldar os empréstimos extorsivos, como carros. Em uma busca e apreensão realizada pelos investigadores em fevereiro de 2020, foram encontrados 124 600 reais em dinheiro vivo com Daniel Haddad, primo de Rodrigo Bittencourt, também preso por envolvimento no laranjal de Adriano. Já a Lucho Comércio de Bebidas seria usada para limpar o dinheiro obtido por intermédio das atividades ilegais da outra empresa.

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Depois da morte do líder do Escritório do Crime, a disputa pela sua herança espúria foi ávida e intensa. Julia não se dava muito bem com a família de Adriano, que administrava parte dos bens, como as cabeças de gado que eram mantidas no Haras Modelo, apreendido pelo MP do Rio no final de março. Alguns dos seus comparsas, inclusive, chegaram a se demonstrar exaustos em participar das brigas de família. Uma negociação envolvendo uma considerável quantia de gado depois do chefe do Escritório do Crime morrer chegou a render 550 000 reais ao grupo criminoso. Outros bens, como carros, foram vendidos. Um dia depois que escutas vieram à tona, no último dia 20 de março, um dos aliados do bandido foi assassinado a tiros de fuzil na porta de casa, conforme VEJA revelou. Mais de um ano após sua morte, o espólio criminoso de Adriano parece seguir sob disputa.

Comparsa de Adriano relata, em conversa, que não
Comparsa de Adriano relata, em conversa, que não “aguenta mais” as brigas da família pelos bens (MPRJ/Reprodução)

 

Em conversa, Tatiana, irmã de Adriano, relata dificuldade de enterrar o corpo e que seu irmão se autodescrevia como
Em conversa, Tatiana, irmã de Adriano, relata dificuldade de enterrar o corpo e que seu irmão se autodescrevia como “bicheiro”, e não miliciano (MPRJ/Reprodução)

 

Nota do Editor: A primeira versão deste texto informava, erroneamente, que Julia Lotufo permanecia foragida. Ela, porém, se entregou às autoridades na semana passada e está em regime de prisão domiciliar. A informação foi corrigida. 

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