A Fundação Oswaldo Cruz inicia no próximo ano testes clínicos com dois novos modelos de vacina contra febre amarela. A ideia é ampliar o arsenal de prevenção contra a doença, provocada por um vírus cuja circulação está em constante expansão.
Um dos projetos está sob o comando da Fiocruz de Pernambuco. O centro estuda a eficácia de um imunizante preparado com base no material genético do vírus. No segundo projeto, desenvolvido na Fiocruz do Rio, pesquisadores trabalham em um modelo feito com base no vírus de febre amarela inativado. A vacina atual, de 1937, utiliza o vírus atenuado — em que o vírus está vivo, mas sem possibilidade de produzir a doença.
O vice-presidente da Fiocruz, Marco Krieger, afirmou que os projetos em andamento não têm como objetivo, necessariamente, substituir a vacina atual. “Ela tem um efeito protetor muito alto. Novas vacinas produzidas com outras tecnologias geralmente não têm uma eficácia tão elevada”, disse. A vacina atual somente seria totalmente substituída por modelos mais recentes caso a proteção alcance o mesmo nível, conta.
Embora tenha um alto efeito protetor, a vacina atual apresenta algumas limitações. Ela exige uma fábrica de grandes proporções para ser formulada, o processo de fabricação é relativamente demorado e, principalmente, não é indicada para toda a população. Por ser feito com vírus atenuado, o imunizante não deve ser aplicado em pessoas idosas ou com doenças que comprometem o sistema imunológico, por exemplo. “Os efeitos graves são registrados a cada 400.000 doses. Mortes são raras, mas podem ocorrer”, explica Krieger. Em São Paulo, quatro óbitos já foram relatados em pessoas que tiveram reação à vacina.
Os modelos em estudo, se considerados eficazes e seguros, poderão ser usados justamente em pessoas que hoje não podem ser imunizadas contra febre amarela, por causa das contraindicações. A expectativa é de que, ao contrário do que ocorre com a vacina atual, novos imunizantes tenham de ser aplicados com dose de reforço. “Vacinas com formulação mais recente, como a de HPV, por exemplo, precisam de mais de uma dose para trazer a proteção considerada ideal. Isso pode ocorrer com os modelos que estamos avaliando”, ressalta o vice-presidente.
As novas vacinas seriam aplicadas em pessoas que apresentam contraindicação ou ainda como uma primeira dose, que antecederia uma aplicação anos depois da vacina feita com vírus atenuado. Nessa estratégia, há também uma tentativa de reduzir os efeitos colaterais.
Se não houver surpresas no cronograma, uma nova vacina poderá estar disponível em dez anos. Krieger afirma que novos protocolos de prevenção poderão ser adotados. Nesse cardápio de possibilidades estaria o uso das vacinas com doses combinadas, indicações de imunizantes diferentes, de acordo com o perfil da população e, em casos de necessidade, como ocorre agora no país, o fracionamento das doses.
Krieger afirma também não haver no momento estudos que avaliem o uso da dose fracionada da vacina de vírus atenuado como praxe. Pesquisas recentes mostram que o uso de até um décimo da vacina traz um efeito protetor contra a doença por, pelo menos, oito anos. Embora os estudos tenham indicado que um décimo já seria suficiente para tornar a pessoa protegida contra a febre amarela, o Ministério da Saúde optou por fazer fracionamento com um quinto da dose integral por precaução e por questões logísticas.
Demanda alta
Com o avanço da circulação do vírus, cresce também a necessidade de imunizar um grupo cada vez maior de pessoas, sobretudo residentes em áreas que tradicionalmente eram consideradas livres de risco da doença. “A estimativa é de que, para atender à demanda mundial da próxima década, a produção brasileira precisaria ser dez vezes maior”, afirmou Krieger.
Pelos cálculos, o ideal é que em dez anos 1,5 bilhão de pessoas sejam vacinadas. O Brasil é o maior produtor de imunizante. Tradicionalmente, o país exportava até 20 milhões de doses anuais de vacina contra febre amarela. Com a epidemia registrada no ano passado, a pior da história, com 777 casos confirmados, a exportação foi interrompida.
Neste ano, ela foi retomada, mas, diante do avanço da circulação do vírus e da necessidade de vacinar áreas populosas, e com fracionamento, a exportação será de apenas 1 milhão de doses. Krieger afirma que nos últimos anos a Fiocruz conseguiu dobrar a capacidade de produção de matéria-prima. Com a expectativa de funcionamento de uma nova fábrica, alugada da Libbs, a estimativa é de que a produção seja duplicada.