Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Ninguém falou de Heloisa

Aumento da mortalidade infantil é uma evidência de que o Estado falhou redondamente em sua missão mais básica, a de proteger os mais vulneráveis

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 dez 2018, 07h00 - Publicado em 21 dez 2018, 07h00

Em 2018, o presidente Michel Temer anunciou o fim da recessão econômica, uma das mais profundas da história brasileira. Pesquisas mostravam projeções de crescimento no PIB da ordem de 1%, a inflação controlada (4% ao ano) e a taxa de desemprego em queda, depois de explodir e atingir patamares inéditos no ano anterior. O otimismo estatístico, no entanto, não revelava os efeitos mais perniciosos da crise econômica dos últimos quatro anos: o aumento da miséria e da mortalidade infantil, uma evidência de que o Estado falhou redondamente em sua missão mais básica, a de proteger os mais vulneráveis do fundo do poço.

Entre 2016 e 2017, segundo dados captados pelo IBGE, 2 milhões de brasileiros caíram para baixo da linha extrema da pobreza, ou seja, passaram a viver com cerca de 4 reais por dia, ou menos. A taxa de mortalidade infantil, que computa o número de crianças mortas antes de completar 1 ano, que só diminuía desde que começou a ser medida, em 1990, voltou a aumentar pela primeira vez em 2016: alta de 5%. Subiu de 13,3 para catorze mortes para cada 1 000 nascidos vivos. Parece pouco, mas entre as vírgulas estão bebês como Heloisa de Jesus, morta antes de completar 1 mês de vida, em julho, em Ilhéus, na Bahia.

Os estados mais atingidos tanto pela miséria quanto pelo aumento da mortalidade são os da Região Nordeste, onde a crise fulminou o emprego com mais força e minou a capacidade financeira dos governos. Nos dois estados mais pobres, Maranhão e Alagoas, metade da população está abaixo da linha da pobreza. Mas o município com a mais alta taxa de mortalidade infantil — 24,9 para cada 1 000 nascidos, número semelhante ao do Suriname — fica no interior do Ceará: Aquiraz. Em junho, VEJA visitou a cidade e encontrou um retrato do descaso: só 36% dos 80 000 moradores tinham esgoto adequado (a média nacional é 52%) e apenas 32% bebiam água potável (ante 97% da população brasileira). Esgoto tratado e água limpa são serviços essenciais para evitar doenças que costumavam assombrar um Brasil de trinta anos atrás.

Enquanto se agitavam na campanha presidencial os fantasmas do “fascismo” e do “comunismo”, esses ectoplasmas do século passado, não houve um único debate sério sobre a miséria, o esgoto, a água ou bebês como Heloisa de Jesus. Mergulhados nas paixões ideológicas, os candidatos e os eleitores como que suspenderam — provisoriamente, espera-se — uma verdade elementar: nenhum país deixou a desgraça econômica sem se preocupar em eliminar a pobreza extrema.

Publicado em VEJA de 26 de dezembro de 2018, edição nº 2614

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.