Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

MST pressiona Lula com invasões e vê forte reação de grupos do agro

A ofensiva do movimento, apoiador histórico do presidente, vem gerando ofensiva de agricultores e políticos ligados à chamada bancada ruralista

Por Valmar Hupsel Filho Atualizado em 3 jun 2024, 16h54 - Publicado em 12 Maio 2024, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • O Brasil dava sinais de retorno à democracia em 1984, quando diversas organizações sociais surgiram para reivindicar questões sufocadas pela ditadura. Foi nesse contexto que surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com o propósito de lutar por reforma agrária e promover um modelo de produção baseado na agricultura familiar, em contraposição ao agronegócio. Em 2024, o MST chega aos 40 anos, no entanto, em meio a críticas pelo recrudescimento da estratégia de invadir propriedades públicas e privadas. A postura ficou evidente no Abril Vermelho, protesto anual destinado a relembrar o Massacre de Eldorado do Carajás (PA), em 1996: foram 36 invasões em quinze estados, um salto em relação às quatorze em apenas três estados na mesma data de 2023. A ofensiva do grupo, apoiador histórico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vem gerando uma forte reação de agricultores e políticos ligados à chamada bancada ruralista, que colocaram em marcha talvez a maior ofensiva já feita contra o movimento em sua história.

    Um dos principais fronts de ação está no Congresso. A autodeclarada Frente Parlamentar Invasão Zero, criada após o fiasco da CPI do MST na Câmara — que encerrou os trabalhos sem votar um relatório final —, organizou em um pacote dezessete projetos de lei que buscam tornar mais rigoroso o combate ao grupo. São proposições que vão desde o aumento da pena para o crime de esbulho possessório (tomar posse de um bem de forma ilegal para uso pessoal) à tipificação das invasões como terrorismo. A ideia do formato “pacote” é mostrar que há um conjunto de medidas com o mesmo propósito e assim pressionar os demais parlamentares a acelerar a tramitação. Há ainda um projeto de decreto legislativo tramitando no Senado para derrubar o programa Terra da Gente, a principal iniciativa de Lula para a reforma agrária, lançado em abril, com previsão de assentar 295 000 famílias até 2026.

    TENSÃO - Interior de Goiás: policiais monitoram terreno reivindicado
    TENSÃO - Interior de Goiás: policiais monitoram terreno reivindicado (SSP-GO//)

    Alguns projetos já começam a andar, movidos pela ascensão de parlamentares de direita a cargos estratégicos do Congresso. No final de abril, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida pela bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC), aprovou o substitutivo ao PL 709/2023, que veda invasores de propriedades de receber auxílios ou benefícios de programas do governo federal, como o Bolsa Família, assim como de tomar posse em cargos e funções públicas. “Eles têm o Abril Vermelho, e esse é o nosso ‘Abril Verde e Amarelo’”, comemorou o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). A esquerda minimiza o poder da turma, batizada de Invasão Zero, a que chamam de “fake” por não ter estrutura formal no Congresso. “O papel do Parlamento não deve ser o de atacar grupos vulnerabilizados, pelo contrário”, diz o deputado Valmir Assunção (PT-BA), ligado ao MST. Segundo ele, todo projeto que seja inconstitucional, que afronte os direitos de trabalhadores ou questione a reforma agrária enfrentará resistência da base do governo, e não só dos parlamentares oriundos do MST. Ele lembra que também há projetos que visam punir grandes proprietários que ocupam irregularmente áreas públicas rurais e urbanas.

    arte MST

    Continua após a publicidade

    A iniciativa de apertar o cerco ao MST, no entanto, já saiu de Brasília e ganhou ramificações nos estados. A nova frente parlamentar nomeou coordenadores regionais — a maioria deputados estaduais — para replicar as iniciativas do grupo nacional e monitorar as invasões de terra. “Quando há uma, o deputado vai na tribuna da Assembleia denunciar, chama as forças de segurança e contribui para a criação e o acompanhamento de leis estaduais de interesse da frente”, afirma o deputado Luciano Zucco (PL-­RS), coordenador do grupo. Já há projetos de lei de conteúdo semelhante ao PL 709/2023 tramitando nas assembleias de ao menos oito estados (SP, PR, MT, MS, MG, RS, BA e RN). A pauta tem apoio de governadores do campo da direita, como Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás. Cotados como potenciais nomes à disputa à Presidência em 2026, os três fizeram sinalizações recentes ao segmento ruralista com declarações de que, em seus respectivos estados, a tolerância para invasões de terra é zero.

    arte MST

    A formação da Frente Parlamentar Invasão Zero foi inspirada na atuação de um grupo de produtores rurais que tem o mesmo nome e vem se articulando desde o ano passado para barrar, por conta própria ou com ajuda de autoridades locais, as ocupações de terra. O grupo Invasão Zero foi formalizado em julho de 2023, durante jantar em Brasília no qual estiveram presentes o ex-presidente Jair Bolsonaro, parlamentares ligados à pauta ruralista e proprietários de terra. Está subdividido em dezessete núcleos regionais e tem cerca de 20 000 integrantes. “Cresceu muito rapidamente por causa da necessidade”, diz o coordenador, o produtor rural baiano Luiz Uaquim. Para alguns setores do Ministério Público Federal mais ligados à esquerda, o grupo representa perigo. Em nota técnica enviada a diversos órgãos em 15 de abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão apontou que o Invasão Zero nasceu de grupos remanescentes dos atos antidemocráticos e “pode estar abrigando verdadeiras ‘milícias rurais’ sob o manto de aparente legalidade”, e sugere a participação de integrantes no assassinato de uma liderança indígena, em janeiro deste ano, durante conflito de terra no sul da Bahia — dois homens foram presos. “Seguimos uma cartilha e não agimos fora da legalidade”, rebate Luiz Uaquim.

    Continua após a publicidade
    AMIGOS... - Lula com o MST: presidente lança programa para a reforma agrária
    AMIGOS… - Lula com o MST: presidente lança programa para a reforma agrária (Ricardo Stuckert/PR)

    O grupo surge em contexto bem específico: na ressaca do governo Bolsonaro, período em que houve um forte incentivo do poder público à liberação de armas de fogo para donos de propriedades rurais, e no momento em que o MST retomava as ocupações de terra após dois anos (2020 e 2021) sem esse tipo de ação. Em 2022 foram 37 ocupações, e em 2023, 45. Neste ano foram 36 até agora, que envolveram a mobilização de 32 000 famílias. Uma das invasões teve o objetivo de pressionar contra a nomeação de um indicado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para comandar o Incra em Alagoas. A turma ficou cinco dias no prédio, mas saiu após negociação com o novo superintendente.

    ...MAS NEM TANTO - Ato de sem-terra em abril: críticas à demora do governo
    …MAS NEM TANTO - Ato de sem-terra em abril: críticas à demora do governo (MST/Divulgação)
    Continua após a publicidade

    O próprio MST, aliás, reconhece que seus atos são eminentemente políticos, sendo que o fluxo varia de acordo com o governo de plantão. Por isso, houve um recuo a partir de Michel Temer, chegando a zero com Bolsonaro e retomados sob Lula. “O fato de termos eleito um governo sensível à reforma agrária não é suficiente para resolver naturalmente nossas demandas”, justifica Ceres Hadich, integrante da coordenação nacional. O movimento critica a “morosidade” da gestão petista em relação ao andamento dessas pautas.

    A movimentação do MST espreme o governo Lula entre a necessidade de atender sua base mais fiel, de um lado, e de dialogar com forças políticas antagônicas, de outro, para fazer andar pautas de interesse do país no momento em que o governo não tem maioria no Congresso. “As ocupações ou invasões por parte do MST colocam novas barreiras ao diálogo de Lula com o agronegócio e dá mais possibilidades de críticas da bancada ruralista num momento em que os índices de avaliação do governo não estão bons em vários setores”, diz o cientista político Rodrigo Prando, do Mackenzie. Lula hesita entre ser fiel à esquerda e sua crença obsoleta no poder de uma reforma agrária e defender abertamente o necessário respeito à propriedade privada. É nesse campo de indecisão que vem crescendo o cerco político da direita ao MST.

    Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.