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‘Me sentia emocionalmente dependente’, diz Shantal Verdelho

A influenciadora relata as várias violências sofridas durante o trabalho de parto conduzido pelo médico Renato Kalil

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 11 jan 2022, 17h59 - Publicado em 11 jan 2022, 17h53

Vi meu sonho de ter um parto natural destruído por um médico. Para muitas mulheres, o momento de dar à luz causa tremores, mas não para mim. Quando tive meu primeiro filho, precisei passar por uma cesariana. No segundo parto, fiz de tudo para que fosse normal. Queria experimentar cada sensação. Planejei os detalhes, busquei o profissional mais renomado. Paguei caro para que tudo corresse da melhor forma possível.

Desde as primeiras consultas, o doutor Renato Kalil já mostrou que tinha uma visão arcaica e machista. Com a maior naturalidade, ele sugeriu o “ponto do marido”, um procedimento que consiste em costurar a vagina a fim de deixá-la mais estreita, para proporcionar mais prazer ao companheiro. Isso não só altera a anatomia feminina, como causa muita dor. Entre suas pacientes, correm comentários sobre ele infringir o sigilo médico e falar abertamente sobre quem tem infecções sexualmente transmissíveis e o método anticoncepcional adotado por cada pessoa.

Aí me questionam: “Por que você não trocou de médico?” Não o fiz porque tinha medo de perder minha filha. Me sentia dependente dele, me apavorava pensar que uma mudança como essa poderia me fazer perder o bebê, já que minha gravidez era de alto risco. Foi como um relacionamento abusivo em que, apesar de enxergar os sinais vermelhos, permaneci nele. 

Na noite de 12 de setembro, fui ao hospital porque as contrações estavam mais e mais intensas. A equipe que me aguardava me acolheu e tentou me acalmar. A maior parte das 48 horas que se passaram até o momento da Domenica nascer foi tranquila. Mas em algum momento, um anestesista que não conhecia entrou no quarto e começou a me tratar com grosseria e deboche. Como sua passagem foi rápida, não me abalei. Hoje penso se esse não é o modus operandi de alguns membros da equipe do Kalil.

Ele chegou apenas duas horas antes do nascimento, como quem tem pressa e está atrasado para algum compromisso. O clima pesou na hora. Uma enfermeira falou para trocar a playlist, que eu tinha preparado com todo carinho para aquele dia, por uma que o médico gostava. Recusei. Após tanto tempo sentindo dores quase insuportáveis, eu estava exausta. E o Renato tentou usar o cansaço contra mim. Mesmo sabendo há meses que não queria que fosse realizada a episiotomia (incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto), ele insistia para que eu permitisse a intervenção. Me chamava, em tom de deboche, de teimosa. O médico ignorava minha existência e mostrava minha vagina para meu marido, apontando ferimentos e dizendo que o corte deveria ser feito.

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Ouvi incontáveis vezes frases agressivas e cheias de palavrão, como “não se mexe, porra”, “você parece que está meditando”, “faz força, porra”. De todos os momentos horrorosos que vivi, o pior foi quando ele aplicou a manobra de kristeller, uma técnica totalmente obsoleta. O braço dele tremia sobre a minha barriga, tamanha a força que fazia para empurrar minha filha para fora. Me culpo muito por não ter feito nada nessa hora. Não consigo deixar de pensar no trauma para minha menina, isso deve ter doído. Ela estava em um lugar quente, acolhedor, escuro. Não queria que ela tivesse chegado ao mundo de forma tão bruta.

Apesar da hostilidade ser nítida, minha ficha só caiu dois meses depois, quando fui ver o vídeo do parto. Nesse dia, percebi que ele enfiava as mãos em mim, me rasgando, sem a menor necessidade. Na hora eu estava sob efeito de uma analgesia e não notei. Quando a cabeça da bebê finalmente saiu, ele a puxou de uma vez, ignorando as contrações naturais que expulsariam ela do corpo.

Resolvi enviar o vídeo para o Kalil, ressaltando como me senti agredida. Ele deu uma resposta irônica e me bloqueou do Whatsapp. Fiquei em choque, esperava uma explicação ou um pedido de desculpas. Quando os vídeos vazaram, outras mulheres apareceram relatando casos de violência e abuso que viveram nas mãos dele. Elas se calaram por anos, com medo de denunciar e sofrer alguma represália. Afinal, trata-se de um homem rico, branco, influente. A palavra dele é tida como soberana na sociedade e sempre existe o medo de que a mesa seja virada contra a vítima. Eu mesma tive de lidar com pessoas nas redes dizendo que eu estava difamando o profissional, fazendo “mimimi”. Imagine viver toda essa pressão em um período tão sensível para a mulher. Cheguei a ficar doente. Só espero que minha história abra os olhos para a violência a que uma mulher pode ser submetida em um dos momentos mais intensos de sua vida.  

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