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‘Me senti indigna’, diz delegada sobre racismo na Zara

Nesse relato em primeira pessoa, Ana Paula Barroso conta como foi o episódio de discriminação que sofreu na Zara

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 22 out 2021, 12h31 - Publicado em 22 out 2021, 12h30

“Nunca imaginei viver uma situação como esta. No dia 14 de setembro, fui a um shopping em Fortaleza, onde moro. Depois de entrar em algumas lojas, resolvi comprar um sorvete em um quiosque. Logicamente, tive de baixar a máscara de proteção para comê-lo. Passei na porta da Zara e resolvi entrar. Estava vestida de forma simples, com uma roupa casual. Mal dei cinco passos e um rapaz veio em minha direção, logo pensei que era um vendedor que viria me abordar para oferecer peças de roupa, mas estava enganada. Ele começou a fazer gestos com a mão sugerindo que eu saísse do estabelecimento. Não entendi e o questionei. O homem repetia, enfático, que era um procedimento de segurança do centro comercial. Perguntei se tinha a ver com o sorvete ou a máscara no queixo, mas ele disse que não e insistiu para que eu fosse embora. Fiquei atordoada, a ficha demorou a cair, mas percebi que tudo apontava para um caso de racismo e eu era a vítima.

Mesmo abalada, resolvi abrir uma reclamação formal no espaço do cliente do shopping. No caminho, perguntei para três guardas sobre a existência do tal “procedimento de precaução” e todos negaram que houvesse qualquer justificativa para me expulsar. O chefe de segurança foi chamado e me reconheceu de outras ocorrências que participei como delegada. Ele, então, resolveu ir comigo até a Zara  para entender o que havia acontecido. Chegando lá, descobri que o rapaz que me abordou era o gerente da loja. O segurança explicou que eu era delegada, até o momento eu não havia me identificado como policial. Estava falando como cidadã, isso deveria bastar, mas nesse país, só quem dá “carteirada” merece respeito. O gerente se justificou dizendo que “todo mundo erra”. Certos erros, porém não podem mais ser relevados. Quando citei a palavra preconceito, ele começou uma defesa dizendo que tinha amigos gays e negros. Depois me pediu desculpas, e eu aceitei, mas não deixei de correr atrás dos meus direitos. Abri um boletim de ocorrência na delegacia da mulher de Fortaleza e as imagens das câmeras foram solicitadas. A Zara negou insistentemente, alegando uma série de burocracias.  Alguns dias depois, o juiz deferiu o mandado de busca e apreensão. Uma operação com vinte e um policiais foi enviada para confiscar os equipamentos.

Digo que fui vítima três vezes: do racismo, da exposição e das críticas nas redes sociais.  Para falar a verdade, sou uma pessoa discreta, não queria ver meu rosto e meu nome em manchetes de jornal. Curioso é que o gerente não foi exposto. Sinto que foi necessário passar por isso e hoje sinto que sou a voz de muitas pessoas que sofrem racismo. Não podemos mais ignorar suas dores, nem silenciar suas vozes. Ao denunciar, tive que provar inúmeras vezes que estava falando a verdade, minha palavra foi muito questionada. É cansativo, desgastante, você chega a duvidar de si mesma. Fiquei com medo de inverterem a situação, como é comum acontecer. O comportamento racista não precisa ser verbalizado, outros sinais mais sutis também entregam uma conduta preconceituosa. Nas redes, recebi muitas críticas, gente dizendo que eu queria aparecer e ganhar dinheiro. O tribunal da internet é extremamente cruel. Fiquei insegura até de sair de casa, porque sabia que poderiam me reconhecer e me atacar. 

Me senti indigna. Será que não tenho capacidade de frequentar aquele espaço? Veio também o sentimento de impotência, mesmo sendo policial. Pensava que não poderia ter permitido isso. Meu desejo era somente ser respeitada, sem precisar comprovar minha classe social, minha profissão. Será que só tenho valor se estiver arrumada, vestindo roupas de marca? Que liberdade é essa? A Zara fez de tudo para proteger sua imagem e a do gerente. Não houve uma nota de repúdio ou pedido de desculpas. Uns dias depois, quando o caso estourou na mídia, fizeram posts no Instagram com modelos negras. Poderia ser cômico, mas é uma tragédia. Nas imagens internas da loja, a perícia apontou diversas pessoas sem máscara circulando. Pessoas brancas, óbvio. Ou seja, tudo isso aconteceu simplesmente porque sou negra. Imagine como foi devastador saber que a investigação, que indiciou o gerente, descobriu que existia um código usado (“Zara Zerou”) para alertar a chegada de gente fora do padrão de interesse deles. Não fui a primeira, mas espero ter sido a última. Não quero apedrejar o gerente, a questão é mais profunda e estrutural. As empresas precisam urgentemente rever suas culturas. Como posso estar dando esse depoimento em pleno século XXI?”

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