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Grupo de governadores do Sul e do Sudeste alinha agenda e ganha força

Políticos articulam pauta comum em áreas como segurança e finanças, ampliam atuação política e lançam embrião de alternativa a Lula em 2026

Por Adriana Ferraz 31 mar 2024, 08h00

A maratona começou às 8h. Alinhados no discurso e na pauta, seis governadores e uma vice-governadora desembarcaram em Brasília na terça, 26, levando na bagagem demandas tributárias e projetos para combater a criminalidade. A primeira reunião foi no Ministério da Fazenda, onde foram recebidos para discutir o espinhoso tema da renegociação das dívidas dos estados com a União. De lá, a caravana partiu para as residências dos presidentes da Câmara e do Senado e terminou no Ministério da Justiça e Segurança Pública, com só uma parada extra: parte deles seguiu para um encontro fora da agenda para conhecer, em primeira mão, os resultados de uma nova pesquisa a respeito de cenários para a corrida de 2026 ao Palácio do Planalto e da popularidade do atual governo. O interesse por essa reunião é plenamente justificável. Com quatro potenciais presidenciáveis, o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) ganhou coesão e musculatura política, e tornou-se embrião de uma alternativa de centro para enfrentar Lula em 2026.

A turma de governadores compõe uma estratégia que começou a ser traçada no começo de 2019. Recém-eleito em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) comentou com colegas do Sul e Sudeste que gostaria de formar um grupo para trocar experiências sobre gestão pública. Naquele início de mandato, antes do surgimento do coronavírus, a preocupação conjunta dizia respeito à reforma da Previdência e à defesa de ações anticorrupção. De lá para cá, a vitória de Lula, a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, a reeleição de Zema, Cláudio Castro (PL), no Rio, e Ratinho Junior (PSD), no Paraná, e a chegada dos bolsonaristas Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Jorginho Mello (PL) ao poder em São Paulo e Santa Catarina marcaram a virada do Cosud, que já promoveu cinco encontros desde fevereiro de 2023 e agora tem estatuto, cargos e orçamento definidos, além de uma agenda conjunta.

arte governadores
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A guinada política foi, claro, mais à direita. Com apenas um representante na base de Lula — o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB) —, o consórcio tem assumido a defesa de pautas consideradas mais conservadoras, especialmente na área da segurança pública, onde o governo federal pouco ou nada conseguiu evoluir até aqui. No pacote apresentado pelo grupo ao ministro Ricardo Lewandows­ki e aos líderes do Congresso estão propostas que buscam respaldar a atuação policial diante de eventual “atitude suspeita” e que visam dificultar a concessão de liberdade provisória, durante audiências de custódia, a presos em flagrante — medidas que receberam a aprovação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e a promessa de tramitação célere. Neste ano, os governadores já tiveram a primeira vitória nessa seara, com a aprovação pelo Congresso do fim da chamada “saidinha” de presos em datas festivas, como Natal e Ano Novo.

Atual presidente do bloco, Ratinho Junior alega que os estados do Sul e Sudeste já avançaram bastante na redução dos índices de criminalidade, mas que suas atuações têm alguns limites importantes. “Precisamos endurecer as leis para seguirmos avançando, e isso em todo o país. A nossa união colabora com o Brasil, e espero que sirva de inspiração para outros estados”, disse a VEJA. Além de demandas ao Executivo e ao Legislativo, os governadores querem integrar as polícias do Sul e Sudeste, regiões que concentram quase 60% da população brasileira, comprando viaturas e tecnologias de segurança em comum e unificando os seus bancos de dados, na contramão do que faz o governo federal.

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PROJEÇÃO - Ciro Nogueira: chefe do PP levou aos governadores pesquisas com cenários para a corrida ao Planalto
PROJEÇÃO - Ciro Nogueira: chefe do PP levou aos governadores pesquisas com cenários para a corrida ao Planalto (Marcos Oliveira/Agência Senado)

A próxima pressão forte sobre o governo federal, no entanto, tem pouco a ver com ideologia. A batalha que se desenha é por dinheiro, para equilibrar as finanças dos estados. A pedido dos governadores — e com aval de Lula —, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, recebeu o consórcio na terça, 26, para apresentar uma proposta que reduz os juros pagos nas dívidas que eles têm com a União mediante a ampliação dos investimentos dos estados em educação. A negociação foi bem aceita e até elogiada por Zema, Tarcísio e Castro, mas criticada pelo presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que tem interesse direto na matéria. Provável candidato ao governo mineiro em 2026, o senador quer incluir na negociação a venda de ativos do estado como forma de reduzir mais rapidamente as parcelas pagas mensalmente à União — proposta que atende a Minas, que quer se livrar de empresas como a Cemig (empresa estatal de energia). O tamanho da fatura na mesa do governo é grande. São Paulo tem um saldo devedor de 278 bilhões de reais e lidera o ranking, seguido por Rio (188 bilhões de reais) e Minas (160 bilhões de reais).

Outra prioridade do Cosud será no sentido de elevar receitas. Dono de cerca de 70% do PIB nacional, o bloco pretende atuar para ver seus interesses atendidos na regulamentação da reforma tributária, que o governo pretende promover ainda este ano. Apesar de muitos deles terem atuado nas fileiras contra Lula em 2022, os governadores dessas regiões apoiaram a primeira fase da reforma proposta pelo petista à espera de serem atendidos na segunda etapa.

A atuação em conjunto de governadores não é exatamente uma novidade. Os estados que formam o Cosud, aliás, foram os últimos da federação a compartilhar experiências e apresentar demandas ao governo federal. Durante a pandemia, o Consórcio Nordeste ganhou os holofotes ao integrar suas políticas e até fazer compras conjuntas para otimizar recursos em um cenário de queda drástica de arrecadação e relação conturbada com o governo Jair Bolsonaro. O fortalecimento do Cosud era esperado, dentro de um processo de amadurecimento natural, segundo o governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB). “Há uma aproximação crescente entre nós. Temos hoje uma sinergia que nos ajuda a construir cooperações efetivas em diversas áreas e também a desenvolver uma espécie de advocacy em favor de pautas de nosso interesse no Congresso”, diz o tucano.

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COMPROMISSO - Lira: presidente da Câmara prometeu dar celeridade às propostas levadas pelos sete estados
COMPROMISSO – Lira: presidente da Câmara prometeu dar celeridade às propostas levadas pelos sete estados (Cristiano Mariz/Agência O Globo/.)

A história brasileira, no entanto, já comprovou a força das chamadas “política dos governadores” ou “política dos estados” na tomada do poder central. Na República Velha, entre o final do século XIX e começo do XX, as oligarquias paulista e mineira se alternavam na Presidência, no que ficou conhecido como “política do café com leite”. Mais recentemente, durante o movimento das Diretas Já, foram os governadores do Rio (Leonel Brizola), de São Paulo (Franco Montoro) e de Minas (Tancredo Neves) que pressionaram pela abertura política que levou à eleição indireta para presidente em 1985. Eles agiram conjuntamente na oposição e depois definiram entre si o nome que viria a disputar o cargo, elegendo Tancredo. “Hoje, a situação, claro, é outra, mas com o governo Lula sem uma base no Congresso, esse tipo de movimento ganha musculatura mesmo e força o presidente a se equilibrar entre atender e negar os pedidos do bloco”, entende o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

No caso do Cosud, os membros combinam um discurso público de que o grupo age sem qualquer futura pretensão política, O gaúcho Eduardo Leite e o paranaense Ratinho Junior procuram sempre enfatizar isso, mas o fato é que todos estão de olho em 2026. O encontro fora da agenda na última terça representou um exemplo claro disso. O anfitrião foi o senador Ciro Nogueira (PP-PI), que encomendou a nova sondagem presidencial ao Instituto Paraná Pesquisas. Entre os governadores, Tarcísio de Freitas é o que aparece mais bem colocado num possível confronto com Lula, mas com doze pontos abaixo do petista. Nos bastidores, a turma não poupa de críticas a gestão do atual ocupante do Palácio do Planalto e tem a convicção de que a segurança pública será um dos temas principais da próxima campanha presidencial. Há ainda a certeza entre eles de que, caso Tarcísio decida mesmo embarcar na campanha, são maiores as chances de o grupo marchar junto até 2026. Até agora, essa frente ampla parece cada vez mais unida, tentando não repetir a disputa de vaidades que sepultou a terceira via nas eleições passadas.

Publicado em VEJA de 29 de março de 2024, edição nº 2886

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