O comportamento perigoso, segundo especialistas, é fruto da falta de noção de responsabilidade e de limites – valores que faltam para grande parte dos jovens.
A morte do filho da atriz Cissa Guimarães é mais um crime que choca o país. Rafael Mascarenhas, de apenas 18 anos, foi atropelado por um carro que trafegava em um túnel interditado na madrugada de terça-feira, no Rio: a suspeita da polícia é que o motorista participava de um racha.
É durante a madrugada, quando as ruas estão vazias, que os motores se aquecem para saciar o desejo dos jovens por velocidade. “Não existe um dia específico: por volta da 1h, eles passam a cortar as vias de grande fluxo, que ficam vazias”, diz o capitão Paulo Sérgio de Oliveira, da divisão operacional do policiamento de trânsito da Polícia Militar de São Paulo. Com carros turbinados e reflexos alterados pelo consumo de álcool, os jovens aceleram até o velocímetro marcar entre 200 e 230 quilômetros por hora. “Eles buscam vias largas, retas prolongadas, já sabem onde fica o radar e cobrem a placa do veículo para que não sejam flagrados”, acrescenta Oliveira.
As informações são confirmadas pelo mecânico João*, de 30 anos, que participa de “pegas”, um sinônimo de rachas, desde os 19. “Marcamos tudo por telefone, rádio, internet e só chamamos as pessoas conhecidas. O racha só acontece em dias e horários diferentes: seja num domingo às 6h ou numa terça, à 1h”, diz.
João tem três carros, todos modificados para ficarem mais potentes. Outro aditivo também faz parte da competição de alto risco: a bebida alcoólica. “Se tiver uma loja de conveniência por perto, a gente bebe alguma coisa, para ter mais emoção”, conta.
Comportamento de risco – O comportamento de alto risco, segundo especialistas, é fruto de uma composição de carências que atinge especialmente os jovens: falta de noções de responsabilidade e de limites. “O fato de obter sua habilitação aos 18 anos não significa que um jovem tem maturidade suficiente para guiar sem colocar em risco a vida dos demais”, explica a psicóloga Elizabele Maria Sobrinho. “Eles até conhecem o risco, mas a sensação de onipotência, de que o pior nunca vai lhes acontecer, supera o temor”, completa. O comportamento gregário típico dos jovens é outro fator a alimentar a irresponsabilidade. “Eles não costumam fazer isso sozinhos. Com o grupo de amigos, se fortalecem”, diz.
Para José Roberto Leite, chefe do setor de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os pais precisam incutir responsabilidade em seus filhos. “Não basta dar um carro, se o jovem não sabe qual a responsabilidade ligada a esse objeto e principalmente se os pais assumem eventuais deslizes cometidos pelos filhos à direção”, afirma Leite. “Essa falta de estratégia para transmitir responsabilidade ao jovem é um aspecto educacional muito sério. Leva aos comportamentos que observamos em nossa sociedade”, completa.
Repressão – A polícia em geral é capaz de identificar os locais onde a prática de racha se torna comum. Denúncias anônimas cooperam no processo. Policiais à paisana são, então, descolocados ao local para identificar se o racha de fato está acontecendo. A partir da visita, os militares realizam um levantamento das placas dos automóveis que participam da corrida. A autuação propriamente exige uma etapa adicional: é realizado um estudo para bloquear todas as vias de acesso, para evitar fugas.
Pego em flagrante, o motorista que participa do racha é enquadrado no artigo 173 do Código Nacional de Trânsito: disputar corrida por espírito de emulação – considerada infração gravíssima, com aplicação de multa, suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo. Mais: segundo o artigo 308, “participar, na direção de veículo automotor, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística não autorizada, desde que resulte dano potencia à incolumidade pública ou privada” é crime. Nesse caso, a pena pode ser a detenção, que varia de seis meses a dois anos.
Racha legal – Quem acredita que poderia ser um Ayrton Senna das ruas, mas guarda consciência dos riscos dos rachas ilegais, tem opções. De acordo com Cleyton Pinteiro, presidente da Confederação de Brasileira de Automobilsmo (CBA), as federações de cada estado organizam corridas para amadores em locais seguros, apropriados e autorizados. “A primeira competição no mundo aconteceu quando construíram o segundo carro. Esse domínio do homem sobre a máquina é um fascínio natural, mas as pessoas precisam ter responsabilidade”, diz.
*O nome do mecânico foi alterado a seu pedido