Por Maria Carolina Maia
A internet ganhou espaço na campanha dos candidatos – e nas atas dos tribunais. Na última sexta-feira, atendendo à determinação da 161ª Zona Eleitoral de Porto Alegre de suspender certa publicidade institucional da gestão José Fogaça (PMDB), candidato à reeleição na cidade, a prefeitura da capital gaúcha tirou todo o seu site do ar. De acordo com a instituição, que no lugar da página pôs um texto alegando “medida de precaução” com vistas a uma “conclusão tranqüila do processo eleitoral”, a arquitetura do portal não permitiria que se sacasse do site, com rapidez, apenas o conteúdo questionado na Justiça pela petista Maria do Rosário, concorrente de Fogaça no 2º turno. O caso é emblemático da rajada de ações disparadas sobre a internet neste ano, num movimento inédito que pode indicar a visibilidade adquirida pela mídia junto a candidatos e eleitores. Ou um excesso de limites legais.
Não é possível fornecer um número exato de processos, já que ainda não existem levantamentos na área. Mas nestas eleições, pela primeira vez, a web foi alvo constante de ações. “Diariamente, são dezenas de solicitações para tirar do ar conteúdos produzidos por nossos usuários”, diz o diretor de comunicação do Google Brasil, Felix Ximenes. O executivo não fornece uma cifra, mas garante que a empresa recebeu “milhares” de pedidos do tipo nestas eleições. As solicitações endereçadas ao Google partiram de diversas fontes, de acordo com Ximenes: da justiça comum, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Entre os TREs procurados pela reportagem – o de São Paulo, o de Minas Gerais e o do Rio de Janeiro -, somente o paulista dispõe de números. Foram 16 as ações ligadas à internet nas eleições deste ano: nove delas enviadas ao Google, duas à Folha Online, duas ao iBuscas, uma ao iG, uma ao site Markey e uma ao UOL.
A assessoria do Universo OnLine diz que o portal tirou pelo menos 30 blogs do ar: 20 atendendo a pedidos do TSE e dez por denúncias informais. O iG não tem um número consolidado, mas o presidente do portal, Caio Túlio Costa, afirma que foram “vários” processos. “A internet hoje é a segunda mídia de massa do país, atingindo de 45 a 60 milhões de pessoas, de acordo com as pesquisas de aferição de audiência”, diz Costa. “Perde apenas para a TV.” Ximenes faz análise semelhante. “A internet realmente entrou na vida das pessoas, em todas as esferas. Ela era muito menos presente nas eleições passadas.”
Fundamentos jurídicos – De acordo com o diretor de comunicação do Google, boa parte das ações recebidas pela empresa é baseada na Resolução 22.718, editada em fevereiro pelo TSE. O texto dedica um capítulo só para a internet, onde limita a propaganda política aos sites dos candidatos – mais tarde, as páginas dos partidos também seriam liberadas para fazê-la – até a sexta-feira antes das eleições. Como a resolução não contempla todos os aspectos ligados à rede, em outros casos, os juízes se amparam em leis mais antigas e dão à internet o mesmo tratamento que é concedido a outras mídias. O caso de Porto Alegre, mesmo, foi motivado por acusação de uso indevido da máquina pública com fins eleitorais, denúncia que abrangeu também o Diário Oficial da cidade e que poderia ter envolvido outro meio de comunicação que não a web.
Um dia antes da prefeitura da cidade tirar seu site do ar, a Comissão Fiscalizadora da Propaganda Eleitoral de Belo Horizonte determinou que o Google eliminasse um blog contra Márcio Lacerda (PMDB), que teria sido inserido por hackers no site do candidato. As razões foram encontradas em artigos do Código Eleitoral, como o 324, que afirma ser crime caluniar alguém na propaganda eleitoral, e o 331, segundo o qual é criminoso o ato de inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empregado.
iG x TSE – Em julho, o iG entrou com mandado de segurança junto ao tribunal contestando a resolução 22.718 e também a lei 9.504, que iguala a web aos veículos de rádio e TV, proibindo a qualquer site a difusão de opinião e propaganda sobre candidatos, partidos e temas eleitorais no período de eleição. Há cerca de dez dias, uma decisão favorável do TSE a uma ação movida pelo Grupo Estado liberou os sites de jornais e revistas dessa restrição. No processo, o Estadão afirmava que a limitação só fazia sentido para meios como a TV e o rádio, que são concessões públicas. O iG faz uso do mesmo argumento.
“O que a gente quer é liberdade de expressão, queremos que os sites não sejam vistos como as rádios e as TVs, que são concessionárias públicas”, diz Caio Túlio. “Queremos que se possa emitir opinião, que seja possível a propaganda eleitoral na internet, que não haja censura nem para os portais nem para os usuários. O TSE tem sido taxativo, tem pedido para apagar até comentários de blogs.” Em setembro, o ministro Joaquim Barbosa negou o pedido de liminar do portal, solicitando que o processo fosse remetido à Procuradoria Geral Eleitoral. Depois do parecer da procuradoria, Barbosa deve concluir o relatório e levá-lo a julgamento de mérito em plenário, o julgamento definitivo. Ainda não há data prevista.
Uma das questões que movem o iG é a receita com publicidade. De todo o faturamento publicitário do país, de 26 bilhões de reais no primeiro semestre de 2008, segundo o Ibope, a internet tem apenas 3,5%, contra 59% da TV, nas contas do presidente do portal, que ficaria com algo entre 11% e 12% da receita da web.
Já em 2004 o portal havia procurado a Justiça com uma ação declaratória (espécie de processo antecipado) requerendo o direito de opinar sobre candidatos, coligação ou partidos, e de veicular propaganda eleitoral. À época, ganhou sentença favorável, mas perdeu em 2ª instância, quando a procuradoria eleitoral recorreu e a Justiça derrubou a decisão anterior por entender que a “ação declaratória” não era o instrumento jurídico adequado para o caso. Neste ano, o portal foi direto ao TSE.
EUA como meta – Na opinião do analista de mídia do Ibope NetRatings, José Calazans, a utilização da web na mobilização política ainda não aconteceu. “As pessoas navegam principalmente à procura de resultados eleitorais, e as páginas que oferecem este tipo de conteúdo têm aumento de audiência.
“Queremos que a internet possa ser usada pelos candidatos para arrecadar fundos, como fez Barack Obama nas eleições americanas”, diz Caio Túlio Costa. O ideal do executivo é o mesmo de Calazans, que vê movimentação política em blogs, com bastante discussão, mas acredita que a internet brasileira ainda tem muito a explorar neste campo. “Estamos como estavam os Estados Unidos há dez anos.”