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Diplomata é acusado de violência contra mulheres

Renato de Ávila Viana, que já foi alvo de outras denúncias desse tipo, é investigado agora pelo Itamaraty por agredir ex-namorada; defesa nega acusações

Por Thais Lazzeri
Atualizado em 20 dez 2017, 12h38 - Publicado em 19 dez 2017, 22h07

O rapaz gentil, sorriso tímido e sedutor chamou a atenção de Joana (nome fictício), então colega na  Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), por imitar tão bem a voz melodiosa do cantor Chico Buarque – mérito conquistado graças às aulas de teatro no Colégio Bandeirantes. O encontro naquele ano de 1995 avançou para um relacionamento com Renato de Ávila Viana, o jovem, também estudante de direito, que se gabava, entre outros feitos, de citar frases de grandes autores. De O Pequeno Príncipe, por exemplo, pegou emprestado “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Desde então, Joana e outras mulheres escutariam essas mesmas citações. Infelizmente, esse não é o único elo que as une. Joana é uma das vítimas de agressão de Ávila, hoje diplomata e primeiro-secretário do Ministério das Relações Exteriores. Se na década de 1990 as vítimas eram estudantes, as mais recentes incluem até uma funcionária do Itamaraty.

“Como me culpo por não ter feito nada, por não ter avisado minhas colegas na época. Mas eu achei que um dia a Justiça seria feita, que ele iria tropeçar. Mas nada deu errado até então”, disse Joana. Por três semanas, ela e Ávila ficaram juntos. Nesse tempo, ela diz que reconheceu no companheiro um agressor. A insistência em seguir e controlar todos os passos dela e de sair do carro e esmurrar a lataria quando contrariado dispararam o sinal de alerta. “Na época, não havia celular. Então, ele ligava e falava com a minha família. Gritava dizendo que sabia que eu estava lá e não queria atender.” Em uma festa da faculdade, o fim trágico. Joana foi abatida com um soco no rosto.

Machucada, acuada e sozinha, conta, calou-se. Não registrou um boletim de ocorrência. Sem queixa-crime, não há investigação. “Convivo até hoje com a minha inércia.” Meses depois, Joana soube de outra aluna espancada por Ávila. E depois outra. As estudantes se uniram e espalharam cartazes pela faculdade, ela diz. Sem citar nomes, alertavam para relações abusivas. Uma estudante registrou um boletim de ocorrência e acionou o então grêmio estudantil, conta Joana. Nada aconteceu. Um advogado contemporâneo de Ávila na USP, recentemente, contatou Joana para se solidarizar. “Foi chocante, mas, na época, o máximo de apoio que a mulher recebia era que tinha de fazer o boletim de ocorrência. Não existia urgência nem consciência social sobre violência contra a mulher”, afirmou. Ex e atuais colegas de Ávila o descrevem da mesma maneira: autodidata, prodígio e habilidoso com as palavras. “Eu revivo o horror a cada nova abuso contra outras mulheres. E o impacto ainda é tão grande que continuo quieta sobre o que aconteceu comigo. O tempo permanece reafirmando que ele ainda tem poder sobre mim”, disse.

Mais de duas décadas depois, a agressão se repetiu. Dessa vez, a vítima não se calou. Se na USP o apelido do diplomata era “Renato, o espancador”, no Itamaraty ele é conhecido como “Renato facada” – uma ex-namorada o atingiu com objeto cortante após ele tê-la agredido. Neste mês, mais uma mulher decidiu falar. Ela tem 22 anos e mora em Brasília. Acusa Ávila, hoje com 41 anos, de ter arrancado dela um dente, com chutes e uma cabeçada, da última vez que apanhou do então namorado. Há, ainda, agressões anteriores, segundo o site Metrópoles, do Distrito Federal. Uma vaquinha on-line tenta amealhar recursos para que ela passe por uma cirurgia reparadora. Dois processos administrativos disciplinares (PAD) foram abertos no Itamaraty para investigar a conduta do servidor. Não foi a primeira vez.

Outros três já haviam sido iniciados e encerrados dentro do corpo diplomático. No primeiro, segunda fonte ouvida por VEJA, a violência foi contra uma funcionária e ocorreu em um corredor da instituição. Depois, Ávila agrediu duas mulheres enquanto estava a serviço do Brasil – uma venezuelana e depois uma canadense. Em um dos casos, precisou retornar antes de terminar o trabalho por decisão do Itamaraty.

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Punições para servidores públicos não funcionam da mesma maneira que no setor privado. Para a conselheira Christiane Aquino, da Comissão de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, Sexual e da Discriminação criada pelo Itamaraty, há problemas estruturais na lei 8.112/90 que dificultam a punição em geral. “Muitos diplomatas objetos de PAD vão ao Judiciário, revertem punições e ainda ganham indenização.” No caso de Ávila, ela diz, as punições, por ser reincidente, ficaram aquém do necessário.

O fato de ele ser um ótimo profissional, disseram colegas de trabalho sob a condição de anonimato, o salvou de sanções severas. Mas não é só isso. Sem provas e sem vítimas dispostas a encarar o calvário processual contra o agressor, não há punição.

Ávila, até então, estava na Subsecretaria-Geral de África e Oriente Médio – subsecretarias são consideradas lugares de destaque. Um dia depois da publicação desta reportagem (que foi atualizada), ele foi exonerado do cargo de confiança – que adicionava 3 mil reais mensais ao salário de mais de 20 mil reais. A exoneração foi publicada no “Diário Oficial” da União desta quarta-feira. A assessoria de imprensa do Itamaraty informou que a instituição é contra qualquer tipo de violência e que a denúncia está sendo investigada.

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Defesa

Por telefone, a advogada de Ávila, Dênia Erica Gomes Magalhães, negou as acusações contra seu cliente. Informou que ele está em férias, com retorno previsto para janeiro. Sobre a acusação recente, afirmou que não comentaria porque está em segredo de Justiça. Ávila move um processo contra a última suposta vítima, por furto, no valor de R$ 2.000. Também abriu um processo contra o último PAD alegando ser vítima de perseguição de colegas do Itamaraty.

(*) nome fictício

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