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Diárias viram ‘auxílio-moradia’ para cúpulas da USP e da Unesp

Custeio com viagens de servidores chegou a 2,3 milhões de reais em 2017 nas duas universidades, que negam irregularidades

Por Estadão Conteúdo Atualizado em 27 mar 2018, 17h49 - Publicado em 27 mar 2018, 16h13
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  • Servidores de alto escalão da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) utilizam diárias pagas pelas instituições para bancar estadias fixas na capital. O benefício, que serve para custear deslocamentos temporários, é usado na prática como uma espécie de auxílio-moradia para servidores do interior que desempenham cargos em São Paulo. Especialistas em finanças públicas consideram esse tipo de pagamento irregular. Já as universidades dizem seguir a legislação.

    Entre os beneficiados pelo pagamento dessas diárias estão o ex-reitor da USP Marco Antonio Zago, que deixou o cargo em janeiro, e o atual vice-reitor, Antonio Carlos Hernandes. Na Unesp, a lista tem o atual reitor, Sandro Valentini, e seu vice, Sérgio Nobre. Em geral, a verba é paga a funcionários que têm cargos concursados em câmpus do interior, mas exercem no dia a dia trabalhos de gestão ou de assessoria na capital.

    Nas universidades estaduais paulistas não é previsto auxílio-moradia. No caso da diária, o pagamento mais comum é para funcionários que atuam temporariamente fora de sua cidade de origem, participando de palestras ou congressos, por exemplo. Para receber a diária, o profissional não precisa apresentar notas fiscais ou comprovantes, só relatórios de viagem.

    Com base na análise dos dados de pagamento de todas as diárias pagas pela USP e pela Unesp em 2017,  pelo menos 69 servidores (quase todos ligados às reitorias) receberam um total 2,3 milhões de reais para exercer seus cargos em São Paulo. A média é de 36,.500 reais por servidor durante o ano. A maior parte (1,8 milhão de reais) foi paga pela Unesp. Desde 2014, as universidades enfrentam grave crise financeira e têm feito cortes de gastos.

    As legislações internas das instituições não fixam o número máximo de diárias que podem ser pedidas por um mesmo servidor. Resolução da USP, de 1989, diz que os servidores, “quando designados para desempenhar missões ou tarefas oficiais, em local diverso da sede de trabalho, receberão diárias”. O Departamento de Finanças da USP informou que segue o decreto estadual que regulamenta esse tipo de pagamento a servidores públicos. O texto veta diárias a funcionários transferidos e quando o deslocamento “constituir exigência permanente do cargo ou função”.

    Em relatórios de viagens analisados há apenas descrições como “viagem para exercer as funções do cargo” ou “participação em palestra”, sem nenhum tipo de detalhamento. Já a portaria da Unesp 569, de 2013, afirma que a diária é para o “servidor que se deslocar temporariamente da respectiva sede, no desempenho de suas atribuições, em missão ou estudo”, mas sem especificar, na prática, se “temporariamente” se refere a deslocamentos curtos ou o cumprimento de mandato de quatro anos, como o do reitor e outros cargos de direção.

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    Críticas

    A prática é contestada pela procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas (MPC) do Estado, um dos órgãos responsáveis por fiscalizar as universidades paulistas. Ela disse que pretende instaurar procedimento investigatório sobre o caso. “Se o servidor aceitou ocupar cargo em comissão ou função de confiança que lhe reclama mudança de domicílio, não é cabível o manejo de diárias, a pretexto de ressarcimento pelas despesas com o seu deslocamento cotidiano. Se mantém residência em outro lugar, quaisquer custos dessa sua escolha devem ser suportados privadamente por ele”, afirma.

    Para a economista Selena Nunes, pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras do projeto da Lei de Responsabilidade Fiscal, as diárias devem ser usadas só para atividades eventuais, mas não para exercer cargo fixo em determinado local. “Se o servidor vai fazer uma palestra, por exemplo, recebe a diária. Qualquer coisa diferente disso é burla. Como a diária é indenizatória, não se paga imposto de renda sobre isso e tem caráter diferenciado de um salário. E também não entra no cálculo de despesa da Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz.

    A elevação do teto salarial é uma antiga reivindicação de professores das estaduais paulistas. Esse valor hoje é 22.300 reais, remuneração do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Já os docentes das federais têm limite maior, de 30.400 reais.

    Outro lado

    A USP informou, em nota, que todos os dirigentes, assim como quaisquer outros servidores que necessitam se deslocar de sua cidade para a capital, são indenizados pela instituição. Segundo a reitoria, a prática é comum em todas as gestões. “Não é de se esperar, evidentemente, que tais servidores paguem para exercer as suas atividades funcionais (pois incorrem em altos custos em tais deslocamentos, sobretudo aqueles que se dirigem à capital e nela se hospedam) e nem mesmo que as gestões não se valham dos profissionais qualificados dos câmpus do interior em suas equipes”, disse a USP.

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    A reitoria também disse que esse tipo de pagamento “obedece a toda a legislação aplicável” e que, mesmo nos anos em que as contas da USP foram julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), como em 2011 e 2013, o pagamento do benefício “não foi objeto de qualquer ressalva”. O TCE informou que as contas das universidades foram reprovadas nos últimos anos. Disse ainda que, caso haja irregularidades, pode, além de julgar as contas, fazer auditoria especial.

    A reportagem pediu entrevista a Zago e ao vice-reitor, Antônio Carlos Hernandes, por meio da assessoria da universidade, mas não obteve resposta.

    A Unesp, após ser questionada, divulgou comunicado interno aos servidores dizendo que a diária é “direito de todo servidor que presta serviço fora da sede de lotação, por designação ou por convocação, para desempenhar missões ou tarefas oficiais, de forma a permitir que não custeie tais despesas com recursos próprios”. A mensagem foi alvo de críticas por parte dos servidores.

    A instituição disse ainda que a média paga é de 2.600 reais mensais. “Considerando que a diária de um hotel nas redondezas da reitoria está em torno de 160 reais e que a maioria dos servidores permanece três ou quatro dias da semana em São Paulo, a despesa apenas com hospedagem aproxima-se do valor de 2.500 reais ao mês”.

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    A reitoria não esclareceu quantos dos funcionários que recebem diária já moram em São Paulo. Às sextas, parte dos servidores da reitoria trabalha a distância. Disse ainda que “tem trabalhado para reduzir” a convocação de servidores do interior para atividades na capital, com objetivo de economizar.

    O reitor, Sandro Valentini, negou que a Unesp pague auxílio-moradia. Ele tem um imóvel em São Paulo em seu nome, mas, segundo a reitoria da Unesp, é usado por parentes. De acordo com a administração, o fato não impede que ele receba as indenizações.

    Quando disputava o cargo de reitor, em 2016, ele admitiu em debate que deveria haver “mecanismo melhor” para auxiliar os servidores, mencionando o auxílio-moradia. O reitor afirmou que o estudo mencionado em sua campanha para mudar o formato das diárias não foi feito. “O sistema atual leva em conta a forma prevista na legislação vigente sobre o tema.” Segundo a Unesp, o posicionamento do vice, Sérgio Nobre, foi expresso na nota divulgada pela reitoria.

    A prática não se repete na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que disse, em nota, pagar diária só em “viagens a trabalho, estudo de campo, programas ou participação em eventos”. A Unicamp concentra quase todas as atividades em Campinas.

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