Com um megaesquema de segurança montado nos arredores do Fórum da capital, no Centro do Rio – até um helicóptero blindado foi utilizado – o novo julgamento de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, começou com duas horas de atraso. Treze anos depois da rebelião de 11 de setembro de 2002, que resultou na morte de quatro traficantes dentro de Bangu 1, o maior traficante do Brasil voltou a sentar no banco dos réus. Trazido de Porto Velho, em Rondônia, onde já cumpre pena, ele é apontado como um dos articuladores da trama que resultou na chacina. Entre as vítimas estava o rival Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê, outra liderança do tráfico carioca.
Beira-Mar apareceu de camisa branca para dentro da calça jeans, sapato e óculos. “Eu cometi vários crimes na vida, mas nesse eu sou inocente”, afirmou o traficante, que disse ser “pecuarista de coisa ilícita”.
A linha de defesa para tentar convencer os sete jurados está baseada em dois fatores. O primeiro é que Beira-Mar ocupava uma cela na Galeria A quando outros comparsas da Galeria C (também do Comando Vermelho) invadiram a vizinha Galeria D e mataram os quatro inimigos da facção Amigos dos Amigos (ADA). A outra é que, na época, ele estava com o braço praticamente imobilizado em virtude de um tiro de fuzil que levou um ano antes. Para o Ministério Público, apesar de não ter feito as execuções, o criminoso articulou tudo.
Dez testemunhas foram arroladas, mas apenas uma delas compareceu. Surpreendentemente, outro traficante que, na época, era aliado de Uê e virou refém dentro de Bangu 1, Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém. Uma das lideranças da facção ADA, ele disse acreditar ter sido poupado porque não participava da guerra psicológica, com xingamentos e ameaças, que havia entre criminosos presos nas Galerias C e D. Visivelmente alterado, Celsinho começou seu depoimento mandando um recado para comparsas que estão fora da cadeia: “Durante anos fiquei com essa fama de ter traído meus companheiros porque não morri naquele dia. Não traí ninguém não”, disse, sendo interpelado pelo juiz Fábio Uchoa.
Em seguida, Celsinho – testemunha arrolada pela defesa de Beira-Mar, tentou livrar o réu: “Fernando entrou na minha cela com um rádio ou um celular na mão, não estava armado. E eu estou aqui, vivo, fiquei com essa dívida”, afirmou, concluindo: “Se ele tivesse matado um companheiro meu, nunca ia depor a favor dele”.
Enquanto ouvia o rival falar, Beira-Mar fazia anotações num papel: “Nunca vi, em 30 anos, um réu fazer isso”, disse o juiz para o traficante, que foi ouvido em seguida e pediu para ler suas considerações sobre o depoimento de Celsinho: “Não somos amigos, mas temos respeito um pelo outro”, afirmou.
O julgamento tem previsão de terminar ainda hoje. Se condenado, o criminoso pode ser condenado a mais 120 anos de prisão (30 anos por cada um dos quatro homicídios).