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Com megaoperações, a PF mira a sustentação financeira do tráfico de drogas

Ações recentes mostram o acerto de priorizar o corte das fontes de financiamento como a forma mais efetiva de combater o crime organizado

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 set 2020, 10h13 - Publicado em 4 set 2020, 06h00

A sucessão de notícias sobre o recorde de apreensões de drogas nos últimos anos deu uma falsa sensação de avanço na luta contra o crime organizado no país. Nada mais enganoso, como deixam claras as evidências robustas do fortalecimento das quadrilhas, que se mostram cada vez mais poderosas, articuladas e sofisticadas. Felizmente, antes tarde do que nunca, a tática de combate começou a mudar. Em vez de apenas confiscar mercadorias em portos e colocar atrás das grades pequenos traficantes, a Polícia Federal passou a mirar no ponto mais sensível do corpo dos bandidos: o bolso. Nunca se priorizou tanto o asfixiamento das fontes de financiamento como tática para combater grupos como o PCC e o Comando Vermelho. “Nosso objetivo hoje é a descapitalização patrimonial, repressão à lavagem de dinheiro e identificação de lideranças”, disse a VEJA Elvis Secco, coordenador-geral de repressão a drogas, armas e facções criminosas da PF.

CERCO - Agentes em Rondônia: prioridade na identificação de lideranças – (Divulgação/Polícia Federal)

O histórico recente de ações mostra que a disposição é mesmo para valer, com um saldo positivo. Deflagrada na última segunda, 31, a Operação Caixa Forte 2 envolveu cerca de 1 100 policiais no cumprimento de 422 mandados de prisão preventiva (em 87 cidades) e 201 de busca e apreensão (em 75 municípios), além do bloqueio de mais de 200 milhões de reais. As medidas, determinadas pela 2ª Vara de Tóxicos de Belo Horizonte, foram cumpridas em dezenove estados, no Distrito Federal e no Chile. Investigações com base nos dados obtidos na Caixa Forte 1, em agosto de 2019, revelaram que parte do dinheiro do PCC era destinada ao “setor da ajuda”, que fazia pagamentos a membros da facção dentro das cadeias. A PF identificou 210 integrantes do alto escalão do PCC, detidos em presídios federais, que recebiam valores mensais proporcionais a seus “cargos” na hierarquia e do cumprimento de “missões”. O dinheiro da “ajuda” era destinado a contas de pessoas indicadas por esses presos.

COLEÇÃO - Caixa com relógios de luxo: cerco à ocultação de bens valiosos – (Divulgação/Polícia Federal)

A estratégia de cortar os canais de sustento dos bandidos está longe de ser nova. Popularizada nos Estados Unidos, a expressão follow the money (siga o dinheiro) comprova que, num esquema fora da lei, o movimento financeiro deixa rastros que muitas vezes levam até os altos escalões do poder. Esconder os lucros estupendos do negócio das drogas sempre foi uma das principais dificuldades dos narcotraficantes. O mais célebre deles, o colombiano Pablo Escobar, o El Patrón do Cartel de Medellin, chegava a enterrar montanhas de notas debaixo dos seus imóveis e perdeu somas milionárias de cédulas corroídas por ratos e pela chuva. Era tanto dinheiro que recentemente o canal Discovery lançou uma série-documentário com dois ex-policiais americanos que saem atrás do tesouro enterrado na Colômbia. No Brasil, facções como o PCC e o Comando Vermelho nunca chegaram a ser chamadas de cartéis justamente por se valerem de esquemas rudimentares de ocultação financeira — constituídos por postos de gasolina, concessionárias de carro, fazendas de gado e comércios de fachada. Nos últimos anos, no entanto, isso mudou. Com os lucros altíssimos e a expansão internacional, as organizações criminosas aprimoraram os seus sistemas de lavagem de dinheiro.

Três operações deflagradas nos últimos meses (duas da Polícia Federal e uma da Polícia Civil de São Paulo) jogaram luz sobre esses novos esquemas. Em uma dessas ações, a PF descobriu a existência de um “banco paralelo” com dezenas de contas de lojas da Rua 25 de Março e do Brás, centros do comércio popular na maior metrópole do país, que eram controladas por um chinês chamado Hanran Guo. No inquérito obtido por VEJA, o esquema é descrito como um “verdadeiro banco informal” que fornece um sistema de “crédito e débito” aos seus clientes. Um colaborador revelou que o chinês “retirava dinheiro em qualquer lugar da Europa e entregava o equivalente em São Paulo”. Alvo da Operação Planum, que apurava a lavagem de dinheiro de 1,4 bilhão de reais, familiares de Guo foram flagrados escondendo celulares em uma churrasqueira e jogando documentos no lixo. Na casa de uma vizinha, a PF ainda encontrou 330 000 dólares em maços de dinheiro escondidos em uma máquina de lavar (sim, isso mesmo, lavagem de dinheiro no sentido mais literal possível). A mais recente operação, a Além Mar, apreendeu mais de 55 milhões de reais em quatro aviões, quatro helicópteros, quatro embarcações, duas motos aquáticas e mais de 130 veículos, entre caminhões e carros, além do bloqueio de 100 milhões de reais da conta dos investigados. “Os integrantes desse grupo se valem de uma densa rede de contas bancárias abertas em instituições oficiais, cujos titulares são comerciantes do centro de São Paulo ou empresas de fachada”, afirma a delegada da PF Adriana Vasconcelos.

TÁTICA - O delegado Secco (de azul, no centro): “Nosso objetivo é a descapitalização patrimonial” – (Gledston Tavares/FramePhoto/.)

Criatividade no mundo do crime é o que não falta no momento para esquentar recursos obtidos de forma ilícita. Um dos bandidos mais procurados do PCC, Anderson Pereira, o Gordão, quase foi pego pela Polícia Civil de São Paulo em julho de 2019, mas conseguiu escapar por uma parede falsa. Condenado a sete anos de prisão por tráfico internacional, ele é apontado como responsável pelas primeiras tratativas comerciais entre o PCC e a máfia italiana Ndrangheta. Enquanto a polícia segue em seu encalço, o 4º DP de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, avança em inquérito contra ele por lavagem de dinheiro. Segundo as apurações, o Gordão montou um esquema que envolve 38 clínicas médicas e odontológicas. Além disso, colocou a mão em contratos públicos no valor de 77 milhões de reais nas áreas da saúde e da coleta de lixo da prefeitura de Arujá, na Grande São Paulo.

CHEFÃO - Pavão, preso em 2009: ordens por meio de bilhetes a familiares – (Polícia Nacional do Paraguai/Divulgação)

Fora os novos canais de lavagem de dinheiro, alguns criminosos continuam usando esquemas clássicos de ocultação de patrimônio, como o registro dos bens em nome de laranjas. No último dia 27, os policiais deram mais um passo importante nas investigações relacionados ao narcotraficante Jarvis Pavão, considerado o Rei da Fronteira e um dos maiores fornecedores de cocaína do PCC. Preso desde 2009 no Paraguai, ele controlava o tráfico da sua cela, que transformou em quarto de luxo, com cozinha planejada, móveis caros, academia e sala de reunião. Condenado a mais de dezessete anos de prisão, Pavão acabou sendo extraditado para o Brasil em 2017. Mesmo trancafiado em regime de segurança máxima, continuou dando ordens a familiares e comparsas, até que agentes penitenciários interceptaram um bilhete com mais de 300 siglas e codinomes. “Era a lista de imóveis do seu patrimônio”, relata o delegado-­chefe da PF de Rondônia, Leonardo Marino Gomes, que encarregou uma equipe de ir atrás dos endereços. Resultado: 22 empresas com as atividades suspensas, sequestro de cinquenta imóveis avaliados em 50 milhões de reais e dezessete automóveis de luxo estimados em 2,3 milhões, além do bloqueio de 302 milhões de reais das contas de 96 alvos. É mais um exemplo de que a máxima “siga o dinheiro” representa a melhor e a mais eficaz forma de golpear o império erguido por essas quadrilhas.

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Publicado em VEJA de 9 de setembro de 2020, edição nº 2703

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