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Chuvas deixam rastro de dor e destruição no RS — e um alerta para o futuro

Mesmo que o estado receba a ajuda financeira necessária, vai demorar algo entre três e cinco anos para a economia voltar a se recuperar

Por Isabella Alonso Panho Atualizado em 10 Maio 2024, 11h20 - Publicado em 10 Maio 2024, 06h00

Na bacia hidrográfica do Atlântico Sul, quatro rios que atravessam o leste do território gaúcho — Caí, Gravataí, Jacuí e Sinos — desaguam no Lago Guaíba. Em 1941, ele protagonizou uma enchente histórica, com o nível das águas chegando a 4,76 metros. Os moradores mais antigos de Porto Alegre ainda lembram daqueles 22 dias em que a água deixou o primeiro metro do Mercado Público submerso. A cidade virou rio, como descreveu o gaúcho Mario Quintana no poema Reminiscências. Oito décadas depois, a história se repete, infelizmente de forma ainda mais dramática. No dia 5 de maio, o Guaíba atingiu a marca recorde de 5,35 metros e agravou o caos que se desenhava desde os últimos dias de abril, quando tempestades passaram a castigar não só a região metropolitana, mas a maior parte do Rio Grande do Sul. As imagens de água e lama tomando casas, comércios, prédios, espaços públicos, plantações, ruas, estradas e até um aeroporto se espalharam e deram contornos à maior catástrofe ambiental da história gaúcha.

arte tragedia

Os números da tragédia são todos superlativos. Só nos primeiros dias de maio, Porto Alegre recebeu quase o triplo da média histórica de chuva prevista para o mês, de 111 milímetros. Em Bento Gonçalves e Caxias do Sul, a precipitação passou dos 600 milímetros. O rastro de destruição deixou 107 mortos, 374 feridos e fez 232 125 pessoas deixarem suas casas (veja o quadro). Mais de 120 trechos de 68 rodovias foram bloqueados por conta de pistas completamente destruídas e pontes que sucumbiram à força das águas ou da lama. Dezenas de cidades ficaram totalmente isoladas — 85% dos municípios foram afetados de alguma forma. O município de Eldorado do Sul está sendo completamente evacuado. Meio milhão de pessoas ficaram sem energia elétrica. As rodoviárias de algumas cidades foram interditadas, e o aeroporto Salgado Filho, na capital, um dos mais movimentados do país, tomado de água e barro, fechou sem previsão de reabrir. A população precisou racionar água — das seis estações que abastecem a região metropolitana, cinco chegaram a ficar fora de operação. A de Ilhas, perto do ponto nevrálgico das enchentes, teve a sua estrutura arrastada pelas chuvas.

 

ILHADO - Cavalo no telhado em Canoas: animal acabou resgatado de bote na quinta 9
ILHADO - Cavalo no telhado em Canoas: animal acabou resgatado de bote na quinta 9 (./Reprodução)

As imagens do sofrimento das pessoas no Rio Grande do Sul rodaram o mundo. Um contingente de milhares de homens se mobilizou para resgatar ou apoiar as vítimas, parte deles deslocados pelo estado — como as Forças Armadas e as Defesas Civis — e parte pela ampla rede de solidariedade que se formou, até com a participação de gente de fora do estado, reunindo jipeiros e donos de barcos, jet-skis e caminhões. Doações de alimentos e remédios passaram a chegar de toda parte. Houve cenas dramáticas de pessoas resgatadas do meio do “mar” que se formou nas cidades. Também houve pacientes, muitos em situação grave, sendo removidos de helicópteros a locais em melhores condições. Hospitais de campanha, como em uma guerra, foram montados em pontos estratégicos — um deles, com capacidade para quarenta leitos, em um navio deslocado pela Marinha. Com as cidades isoladas e o abastecimento em risco, pessoas correram aos supermercados e postos de combustíveis, em cenas dignas de filmes de apocalipse. Aproveitadores de todo tipo agravaram o drama, com saques, roubos e furtos se espalhando em áreas alagadas, a ponto de o estado pedir reforço da Força Nacional de Segurança. Moradores extenuados pela luta contra as águas se recusavam a deixar as casas por medo de que seus pertences fossem levados, em uma vigília angustiante em meio ao caos.

DESESPERO - Resgate na região metropolitana: milhares deixaram suas casas
DESESPERO – Resgate na região metropolitana: milhares deixaram suas casas (Evandro Leal/Agência Enquadrar/Agência O Globo/.)

Além do drama humano, as águas deixaram para trás um vasto prejuízo financeiro. A Confederação Nacional dos Municípios estima perdas de 6 bilhões de reais, sendo 3,4 bilhões em moradias e 1,4 bilhão em Infraestrutura. “Quase 90% do PIB do comércio e da prestação de serviços foi afetado de alguma forma”, estima Luiz Carlos Bohn, presidente da Fecomércio-RS. As produções de hortifrúti, leite e suínos são as que mais preocupam o setor agrícola. O presidente da Federação da Agricultura do estado, Gedeão Silveira Pereira, classifica como “severo” o comprometimento da logística. “Compromete o escoamento dos carros-chefes da produção: arroz e soja”, diz. Mesmo que o estado receba a ajuda financeira necessária, vai demorar algo entre três e cinco anos para a economia voltar a se recuperar.

O GRAMADO SUMIU - Arena do Grêmio: um dos maiores estádios de futebol do país foi tomado de lama
O GRAMADO SUMIU – Arena do Grêmio: um dos maiores estádios de futebol do país foi tomado de lama (Carlos Fabal/AFP)

O drama está longe do fim. A água baixa em ritmo lento, mas a meteorologia anuncia mais chuvas nos próximos dias. O desastre do Rio Grande do Sul já se insere no rol das maiores catástrofes climáticas do país, como as de Caraguatatuba (1967), Região Serrana do Rio (2011), Petrópolis (2022) e Litoral Norte paulista (2023). As tragédias ensinam, da pior forma possível, que não é possível mais subestimar as mudanças climáticas nem adiar a preparação da sociedade e das cidades para mitigar os seus impactos. Que as autoridades do país aprendam de uma vez por todas essa lição.

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Publicado em VEJA de 10 de maio de 2024, edição nº 2892

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