‘Cheque especial’ da Odebrecht poderia ter sido evitado
Obra de presídio tinha um seguro de 35 milhões de reais que as autoridades deixaram vencer. Deputados pernambucanos falam em abertura de CPI para investigar possíveis irregularidades
Paralisada desde 2012, a obra do Centro Integrado de Ressocialização (CIR), planejado para receber 3.500 detentos, poderia ter sido concluída se o Banco do Nordeste (BNB) tivesse acionado um seguro que havia sido contratado para obra. Principal financiador do presídio de Itaquitinga, no Pernambuco, o banco era beneficiário de uma apólice de 35,8 milhões de reais, contratada como parte das obrigações do financiamento. A cobertura, que correspondia a 10% do orçamento, era uma das exigências do contato firmado entre o governo de Pernambuco e a SPE – Reintegra Brasil S/A, criada pela empresa Advance para a construção e a administração do presídio.
Segundo documentos obtidos por VEJA.com, em dezembro de 2012 – dez meses antes de uma reunião em que os participantes sugerem que o governo de Pernambuco recorreu a uma linha de crédito extraoficial junto à Construtora Norberto Odebrecht – a corretora responsável pela cobertura informou aos interessados a necessidade de renovação da apólice, que deveria ser realizada pela Advance.
Pelas normas do contrato de financiamento, o BNB poderia ter assumido os custos da renovação, que eram de cerca de 343.000 reais, para garantir o prêmio de 35,8 milhões de reais. Mas as autoridades deixaram o seguro vencer e perderam a garantia. Procurado, o banco manifestou por meio de sua assessoria que não poderia prestar informações por se tratar de uma operação protegida por sigilo bancário.
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Conforme o site de VEJA revelou na última quarta-feira, o áudio de uma reunião realizada em outubro de 2013 sugere que o governo de Pernambuco recorreu à Odebrecht para patrocinar de forma secreta a conclusão das obras do presídio. Segundo o diretor da empreiteira João Pacífico Ferreira, a operação era realizada para atender a um pedido pessoal do então governador Eduardo Campos ao presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht. Os deputados estaduais da bancada de oposição falam em criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o caso.
Em nota, o governo de Pernambuco disse desconhecer que a Odebrecht tenha realizado qualquer tipo de desembolso em relação à obra. A empreiteira também negou o desembolso. Por meio de sua assessoria de imprensa, considerou “natural o convite à Construtora Norberto Odebrecht para participar das referidas reuniões”, pois “além de possuir as condições técnicas para tocar os empreendimentos, a empresa havia estudado formalmente o assunto desde 2008”. A Odebrecht afirma ter concluído que a obra era inviável e por isso não assumiu nenhuma obrigação em relação a ela.
O áudio gravado pelo dono da Advance, Eduardo Fialho – cujos trechos estão disponíveis abaixo – aponta em outra direção. Participaram da conversa, segundo Fialho, Aldo Guedes, ex-sócio de Eduardo Campos e então presidente da Companhia Pernambucana de Gás, Thiago Norões, então procurador-geral do Estado, João Pacífico Ferreira, diretor da Odebrecht, e Demerval Gusmão, dono da DAG Engenharia. Nela, o diretor da Odebrecht diz: “O Grupo Odebrecht tá dando ao Es… (inaudível) é como que diria é… liberando para ele, com o aval do Estado. Porque nós não podemos participar né. Não temos condições. Um valor X que no nosso entendimento dá para terminar. Terminar a obra, estes três pavilhões, de alguma forma fazer” (…) “Ou seja, em síntese, o que é que nós temos. Só que nós tamos limitando a um cheque especial que é este que tem o aval do Estado”.
Em outro trecho, o então presidente da Copergas, Aldo Guedes afirma: “O que a gente tá querendo dizer é o seguinte. Nosso amigo aqui (referindo-se a Ferreira) já botou cinquenta pau, por favor, trinta, quarenta ou vinte, já botou lá pra tentar rodar isso, não rodou. Tá vindo um outro cheque especial. Isso tem que ter um prazo. Ninguém bota um negócio desse de favor não”, explica Guedes, sugerindo que os 50 milhões aportados pela Odebrecht não era o primeiro dos repasses.
Seguro garantia – A apólice que venceu sem ser acionada pelas autoridades para cobrir parte dos custos da paralisação das obras do presídio de Itaquitinga é um mecanismo que pode ser muito útil no Brasil, onde há tantos problemas de construções inconclusas.
O seguro garantia passou a ser exigido originalmente nos Estados Unidos como uma condicionante para o financiamento de obras pelo Estado. Os americanos exigem cauções para as obras públicas desde o final do século XIX.
No Brasil, essa modalidade de seguro começou a ser empregada apenas nos anos 60. Mas apenas depois de 1994 esse tipo de garantia ganhou regulamentação, que o incluiu entre as possibilidades que o prestador de serviço pode contratar para proteger o investimento do estado.