O juiz Baltasar Garzon, famoso em todo o mundo por sua defesa dos direitos humanos e pela tentativa de investigar o doloroso passado franquista da Espanha, sentou-se nesta terça-feira no banco dos réus, como parte de dois processos sucessivos que podem acabar com sua carreira.
Vestido com uma toga negra de punhos de renda branca, sobre um terno cinzento e gravata de cor clara, o magistrado, de 56 anos, chegou com a fisionomia séria ao Tribunal Supremo de Madri, onde foi aplaudido por um grupo de cem pessoas que pediam justiça para as vítimas do franquismo, denunciando perseguições “odiosas”.
Nesta semana, ele será julgado por ter ordenado gravações das conversas entre suspeitos presos e seus advogados, sob a alegação de violar os direitos da defesa, numa investigação sobre uma rede de corrupção que enlameou, em 2009, a direita espanhola, conhecida como “Trama Gürtel”, envolvendo dirigentes do Partido Popular, que agora governa a Espanha.
Nesta terça-feira, ele tomou da palavra para tentar convencer os magistrados da legalidade das gravações, afirmando que as comunicações entre os detidos tinham sido interceptadas para pôr fim “às atividades ligadas à lavagem de dinheiro”.
Se for declarado culpado, o juiz, mundialmente conhecido pela detenção do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, em 1998, em Londres, e suspenso das funções desde maio de 2010, poderá ter cassado o direito de exercer a profissão por 17 anos.
A partir de 24 de janeiro, Garzón será julgado pela tentativa de investigar os mais de 100.000 desaparecidos da Guerra Civil espanhola (1936-39) e da ditadura franquista (1939-75), apesar da existência de uma lei de anistia, de 1977.
Garzón, que foi obrigado a se despojar da toga para se sentar no banco dos réus, justificou as escutas da “Trama Gürtel” com as suspeitas de que alguns dos advogados participavam das atividades criminosas dos clientes.
“O princípio da defesa para mim é tão sagrado como para vocês”, afirmou, dirigindo-se ao advogado da acusação.
Nunca antes um magistrado espanhol tinha sido julgado por ordenar a escuta de conversações, prática para a qual as prisões espanholas estão especialmente equipadas.
Além disso, as escutas solicitadas por Garzón foram confirmadas posteriormente por outro juiz do Tribunal Superior de Justiça de Madri, Antonio Pedreira, que se encarregou mais tarde do caso.
A inconsistência da acusação e a existência de outras duas causas contra o magistrado, levaram seus partidários a denunciar uma manobra política.
“Estamos diante de um fato que envergonha a democracia espanhola, a justiça e o próprio Tribunal Supremo que é o fato de condenar um inocente, em primeiro lugar, por ter querido julgar o franquismo e, também, por ter querido lutar contra a corrupção”, considerou o deputado ecologista e comunista Gaspar Llamazares, diante do tribunal.
O grupo “Solidários com Garzón”, do qual participam artistas como o cineasta Pedro Almodóvar, o poeta Marcos Ana – preso durante a ditadura franquista – e a atriz Pilar Bardem – mãe do ator Javier Bardem – prometeu fazer manifestações todos os dias enquanto durarem os processos.
“É o linchamento profissional de um juiz conhecido pela justiça de suas sentenças”, denunciou Llamazares.
Levando em conta que dois dos sete magistrados que integram o tribunal, Luciano Varela e Manuel Marchena, não possuem a imparcialidade exigida, por terem instruído outras duas causas contra Garzón, a defesa solicitou que fossem substituídos, o que foi recusado.
As audiências devem prolongar-se até quinta-feira e a sentença poderá ser conhecida em meados de fevereiro.