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As vozes caladas de Brumadinho

O que aprender com erros históricos de avaliação de riscos

Por Claudio de Moura Castro
Atualizado em 21 jun 2019, 07h00 - Publicado em 21 jun 2019, 07h00

Vejam só: o desastre da Air France em 2009, a derrota na tentativa da invasão da Baía dos Porcos por exilados cubanos em 1961 e o ex-presidente americano Dwight Eisenhower nos ajudam a entender a tragédia de Brumadinho.

Uma sequência de erros provocou o acidente da Air France, no Atlântico Sul: uma tempestade equatorial, um comandante cansado e ausente da cabine, um medidor de velocidade (pitot) sabidamente falho e sistemas de controle inconsistentes. No caos, os pilotos se atrapalharam. Isoladas, essas causas não seriam capazes de produzir o sinistro. Foi assim também com a barragem que ruiu. O projeto ignorou as condições do local, apesar de encomendado a um bom engenheiro por uma empresa séria. Os sistemas de monitoramento eram imperfeitos, insuficientes e mal mantidos. Pouco se conhecia da capacidade máxima da barragem. Os vários laudos que precederam o desastre eram conflitivos. Como no acidente da Air France, o desfecho resultou do somatório de pequenas e grandes causas.

Mas há uma diferença. Os desastres aéreos geram investigações exaustivas e caríssimas, seguidas de modificações nas aeronaves. Por isso, não se repetem. Mas Mariana não gerou as providências que evitassem Brumadinho.

Quando John Kennedy assumiu a Presidência, encontrou, já muito avançados, os preparativos para uma invasão de Cuba por refugiados de Miami. Não gostou, mas deixou o barco correr. O resultado foi a derrota vergonhosa da Baía dos Porcos.

Inconformado, decidiu reconstruir, passo a passo, a operação militar. Para ajudá-lo, chamou não menos do que Eisenhower, ex-comandante em chefe das Forças Aliadas na II Guerra. O experiente general torceu o nariz: não percam tempo, nada de analisar batalhas. É preciso reconstruir a reunião que deu luz verde à invasão. Ali deveria estar o erro. Dito e feito. Dominaram o encontro os chefes que pouco sabiam das particularidades da situação mas enfatizaram as virtudes do plano. Alguns subordinados conheciam o assunto e discordavam — porém não tinham voz.

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Kennedy aprendeu a lição e redefiniu a mecânica das reuniões subsequentes. Independentemente de nível hierárquico, quem conhecesse o assunto deveria falar. Nesse novo formato, foi conduzida a crise dos mísseis em Cuba. Sucesso.

Algo semelhante aconteceu na burocracia da Vale. Quem conhecia os riscos não tinha pleno acesso às decisões nem voz. Essa barreira entre níveis hierárquicos teria sido um dos fatores decisivos para a tragédia. Uma agravante: no conselho da empresa não havia profissionais da mineração — com ouvidos mais afinados para as questões técnicas. Eram praticamente todos do setor financeiro. A Vale errou, em vários momentos. Não há por que exonerá-­la de culpa. E é humano apontar dedos acusadores, para saciar nosso sentimento de vingança. Não é isso, porém, que ajuda a evitar novos acidentes, onde quer que estejam. Não se trata de perdoar, mas de compreender a gênese dos erros, seja na aviação, seja na guerra, seja em barragens de rejeitos.

Publicado em VEJA de 26 de junho de 2019, edição nº 2640

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