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A vida depois da tragédia

Diante de tantos desabrigados, o diretor da escola resolveu abrir as portas, mesmo com o prédio interditado por risco de desabamento

Por Branca Nunes
12 fev 2011, 01h10

A rotina nos abrigos começa às 8h da manhã, com a primeira refeição. Serão mais quatro até o fim do dia

Enquanto a água permaneceu a um metro do chão, Sara de Oliveira achou que tudo estava bem. “Aquilo acontecia todo verão”, contou. Os quatro netos já estavam no segundo andar do sobrado às margens do córrego que corta o bairro de Conselheiro Paulino, em Nova Friburgo. Quando chegou a um metro e meio, Sara começou a aquietar-se e transportou, sozinha, o fogão e o bujão de gás para onde estavam as crianças

O desespero veio com os dois metros de água barrenta. Quando os cinco decidiram abrigar-se na laje da casa, a enxurrada vinha de todos os lados: escalava as escadas, transbordava do telhado vizinho e despencava do céu.

Como todos os que sobreviveram à madrugada de 12 de janeiro de 2011 na Região Serrana do Rio de Janeiro, Sara recorda o barulho ensurdecedor da chuva, os estrondos das pedras rolando morro abaixo, os gritos e a escuridão – interrompida pelos flashes dos raios que riscavam a noite e permitiam um breve vislumbre da tragédia. A correnteza arrastava árvores, casas, animais e gente clamando por socorro.

A aurora trouxe também o bote da defesa civil, que resgatou a família de Sara. “Eles trabalharam a noite toda”, lembra. Ela via os barcos abarrotados passando de um lado para o outro. “Nossa hora chegou às 6 da manhã”.

Desembarcaram na porta da quadra da escola Alunos do Samba, transformada em abrigo improvisado no meio da noite. Diante de tantos desabrigados, o diretor da agremiação resolveu abrir as portas – mesmo com o prédio interditado por risco de desabamento. “Ele foi muito criticado por causa disso”, conta Sara. “Mas eu agradeço. Foi um alívio sair da chuva”.

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Desde então, Sara já passou por três abrigos. O segundo foi uma escola, de onde teve que sair porque a prefeitura se recusou a adiar por alguns dias o começo das aulas. Hoje está no Sase, um posto de saúde que era referência de qualidade há 40 anos, desativado para transformar-se em teto para desabrigados.

A rotina nos abrigos começa às 8h da manhã, com a primeira refeição. Serão mais quatro até o fim do dia – às 12h, 15h, 18h30 e 21h. Entre uma e outra, alguns conversam, outros saem para resolver pendências burocráticas que incluem a retirada de documentos e o cadastramento no aluguel social, muitos veem televisão ou voltam à antiga moradia para tentar resgatar alguma coisa. Quase ninguém trabalha. Dezenas de crianças inventam brincadeiras com bolas, corridas e muitos gritos.

Em termos ideais, cada família precisa ter um quarto com banheiro (chuveiro quente). Os homens e mulheres solteiros ficam em alojamentos separados, com um banheiro para cada sexo. Isso nem sempre é possível – muito mais pela escassez de espaço do que pela vontade daqueles que cuidam de alojar as vítimas. Nesta semana, Teresópolis, que chegou a ter 34 abrigos, está com 18. Nova Friburgo ainda tem mais de 60.

Cada um é responsável pela limpeza do seu quarto e banheiro, mas são poucos os que se preocupam com corredores, escadas, pátio e refeitório. É de bom tom não fazer barulho depois das 22h. Mas como explicar isso para quem tem menos de 22 anos?

Sara não reclama de nada. Começou a trabalhar como voluntária na organização e distribuição das quentinhas, ajuda na limpeza dos espaços comuns e recusou-se a pedir o aluguel solidário – ou seja, pode ser considerada quase uma extraterrestre. “O patrão do meu marido emprestou uma casinha pra gente”, comemora, preparando-se para abandonar de vez a fase das moradias coletivas. “Não vou pegar um dinheiro que pode faltar para quem realmente precisa”.

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