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A queda de uma pirâmide financeira que deixou um rombo de R$ 170 milhões

Depois de seis meses preso, Jonas Jaimovick conta como aplicou um golpe que enganou 3 000 pessoas

Por Marina Lang, Sofia Cerqueira Atualizado em 4 jun 2021, 09h46 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00
MAQUIAGEM - Jaimovick: ele enviava diariamente balanços inflados à clientela -
MAQUIAGEM - Jaimovick: ele enviava diariamente balanços inflados à clientela – (Sofia Cerqueira/VEJA)

Era uma tarde de outubro de 2018 quando o engenheiro da computação Jonas Jaimovick, fundador da JJ Invest, reuniu seu quadro de doze funcionários — a maioria jovens recém-ingressos no mercado de capitais — em uma sala comercial de Copacabana, na Zona Sul carioca, para brindar com champanhe e bolo o sucesso retumbante de seu negócio. No último ano, mesmo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tendo emitido um comunicado informando que a empresa não estava credenciada junto ao órgão e não possuía licença para operar na bolsa de valores, ele não freara a lábia sedutora com a qual foi atraindo cada vez mais gente disposta a depositar dinheiro em suas mãos. Contabilizava àquela altura uma carteira de 3 000 clientes, que de sólida tinha apenas a aparência e logo viria a ruir.

Personagem da foto ao lado, Jaimovick é o cabeça do maior esquema de pirâmide financeira já erguido no país: segundo a polícia, causou um rombo de cerca de 170 milhões de reais, que sugou as economias de brasileiros em cinco estados. Foi condenado pela Justiça Federal a três anos de reclusão, agora convertidos em medidas alternativas. Solto há duas semanas, após seis meses no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, ele falou com exclusividade a VEJA sobre os bastidores do golpe que, no ápice, chegou a movimentar 400 milhões de reais.

Aos 40 anos e 10 quilos mais magro (pesava 95 quilos em tempos pré-prisão), Jaimovick admite que fisgou investidores leigos ventilando dados de lucro robusto. “O esquema era baseado em informes fictícios que eu enviava diariamente a meus clientes via WhatsApp”, conta ele, que alardeava porcentuais tão admiráveis quanto irreais. Dizia à clientela que as aplicações estavam dando entre 7% e 12% de retorno, a depender do mês, quando às vezes, assume, o buraco era de 4% negativos. Seus números contrastavam de forma tão estratosférica com a taxa básica de juros, a Selic (na casa dos 3% ao ano), que a propaganda boca a boca escalou com velocidade, extrapolando as fronteiras da cidade. Nomes conhecidos, como Zico e Neymar, lhe davam estofo — o primeiro teve inclusive sua escolinha de futebol patrocinada pela JJ Invest; já o atacante do PSG vestiu a camisa da empresa em um evento beneficente (leia mais sobre Neymar na pág. 68). “Fui impulsivo, imprudente e inconsequente. Eu me arrependo”, diz Jaimovick.

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O período áureo de sua pirâmide de areia durou do fim de 2015 a janeiro de 2019, anos em que chegou a comprar cotas de patrocínio de clubes como Vasco e Fluminense. Interessados em apostar na JJ Invest cumpriam a exigência de aplicar um mínimo de 10 000 reais. Membros da comunidade judaica carioca, à qual ele pertence, afluíam, assim como famosos, entre os quais a atriz Cristiana Pompeo, do programa Zorra Total, da Rede Globo. “Investi as economias de uma década de trabalho duro e perdi tudo. Esse dinheiro está me fazendo muita falta”, relata a artista, uma das 216 vítimas que, na esperança de reaver o que perdeu, estão processando o arquiteto da pirâmide na esfera cível. Zico limitou-se a afirmar, por nota: “Lamento tudo o que aconteceu. Não tenho nada para falar”.

Ao longo da entrevista, Jaimovick revelou que seu maior investidor foi o ex-jogador Júnior, que lhe entregou a cifra de 1,5 milhão de reais. Em certo ponto, Júnior enviou um e-mail ao ex-­amigo disparando: “Você não irá me pagar? Então nos vemos na Justiça”. Procurado, o ex-jogador não quis se pronunciar. O artífice do esquema argumenta que qualquer operação financeira embute riscos e usa de semântica para fazer sua pirâmide soar mais palatável. “Não vendi sonhos, mas também nunca disse que havia o risco de se perder tudo. Não tirei dinheiro dos clientes, só deixei de devolver”, enrola-se todo. “Ele cresceu baseado em um marketing fraudulento. Nenhuma gestora de fundos no mundo tem ganhos contínuos naqueles porcentuais”, ressalta um operador com três décadas de mercado.

MARKETING - Jaimovick, ao lado de Zico (acima), cuja escolinha de futebol chegou a patrocinar, estava sempre cercado de nomes conhecidos, como Júnior (à dir.), seu maior investidor: o boca a boca sustentava o negócio -
MARKETING - Jaimovick, ao lado de Zico (acima), cuja escolinha de futebol chegou a patrocinar, estava sempre cercado de nomes conhecidos, como Júnior (à dir.), seu maior investidor: o boca a boca sustentava o negócio – (Reprodução/TV Globo)

O primeiro sinal amarelo sobre a JJ Invest foi emitido em 2017 pela CVM, alertando que a empresa agia ilegalmente. Registrava então 400 clientes. “Devia ter parado aí”, diz Jaimovick, que passou a ser alvo de desconfiança — e metade da clientela fez retiradas do fundo. Como foram honradas, o negócio ganhou fermento. “Eles receberam tudo, e isso se converteu em propaganda para a empresa”, lembra o dono. Em janeiro de 2019, a CVM soltou mais um comunicado sobre a JJ Invest, seguido de outro corre-­corre de saques. Dessa vez, porém, não havia mais como sustentar a pirâmide, fincada sobre o modelo clássico: pagava investidores mais antigos com o dinheiro dos mais recentes ou daqueles que não retiravam nada.

Quatro vezes reprovado no exame de agente autônomo de investimentos, Jaimovick acreditava, conforme relata, que a licença o faria regularizar o negócio. Quando a pirâmide finalmente desabou, ele permaneceu um ano e meio foragido em dois apartamentos alugados na Zona Oeste do Rio, até se entregar à polícia no fim de 2020. Com uma micose no corpo adquirida na cadeia, Jaimovick separou-se da mulher com quem foi casado por cinco anos e tem um filho e perdeu os amigos. “Não tenho coragem de pisar na sinagoga. Virei o bobo de Wall Street”, se autodefine, garantindo que ficou sem um tostão. Ele, que estreou na carreira como estagiário numa corretora carioca, jura também que não vai mais se aventurar na bolsa e pagará o que deve (difícil acreditar). Condenado por operar uma entidade financeira clandestina e emitir valor mobiliário sem registro, Jaimovick ainda responderá por três crimes previstos na Lei do Colarinho Branco. Hoje, só anda pelas ruas do Rio com um boné que encobre o rosto. Se ele tentar lhe vender algo, o mais prudente é dizer não.

Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

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