Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A crise engole o dízimo

Último reduto de receita constante todo santo mês, as igrejas evangélicas agora sentem os efeitos da dureza econômica — e lançam até sabão em pó abençoado

Por Thiago Prado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 set 2016, 19h35 - Publicado em 2 set 2016, 19h35

Motor propulsor de boa parte das igrejas evangélicas, a Teologia da Prosperidade prega que quanto mais o fiel ofertar a Deus, mais bênçãos receberá. A interpretação pragmática do evangelho há mais de quatro décadas engorda o caixa dos templos, com 45 milhões de adeptos (22,2% da população) injetando no mercado gospel sua contribuição em dízimos, ingressos para eventos e compra de livros e CDs. Agora, pela primeira vez, há indícios de que este pujante ramo dos negócios está sentindo o impacto da crise econômica. VEJA conversou com pastores e fontes que conhecem o mercado e constatou que, no último ano e meio, a queda de receita chega a 40% em alguns segmentos. “Tive que demitir cem pessoas, quase 10% do total que emprego. Também pisei no freio na inauguração de novos templos”, diz o pastor Silas Malafaia, líder do Ministério Vitória em Cristo.

Este ano, Malafaia planejava inaugurar mais quinze igrejas pelo Brasil. Refeitos os cálculos, apenas oito sairão do papel. A sua principal obra em curso, um templo de 20 milhões de reais para 6 000 pessoas em São Paulo, corre risco de atrasar. “Meu desejo era inaugurá-lo em quatorze meses. Agora vai depender da economia e entrada de recursos”, diz. O missionário R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus, segue construindo um templo milionário em São Paulo (como nos estádios da Copa, os fieis podem acompanhar o andamento das obras em um site). No entanto, fechou as portas da Faculdade do Povo, fundada em 2009 por uma associação ligada à Graça, que oferecia cursos na área de comunicação para 430 alunos.

A crise do dízimo não atinge igualmente todas as igrejas. O bispo Robson Rodovalho, fundador da Sara Nossa Terra, ressalta que em Goiás, Mato Grosso do Sul e interior de Minas Gerais, onde o agronegócio segue robusto, as receitas resistem. “Já onde a economia depende da indústria, como São Paulo, tudo despencou. Em Pernambuco, a operação Lava-Jato causou grande estrago”, afirma, referindo-se aos milhares de desempregados da refinaria Abreu e Lima, obra praticamente paralisada diante das denúncias de propinas. Além de mandar embora 250 funcionários (equivalente a 15% do efetivo com carteira assinada), o bispo Rodovalho passou a tesoura nas despesas. Dos 1 400 templos da Sara Nossa Terra, 400 funcionam em sede própria. Nas demais,
a igreja fez renegociações e reduziu o valor total dos aluguéis em cerca de 20%. “Também aumentei o número de shows. Estou fazendo até três por fim de semana, para tentar compensar os prejuízos”, revela o bispo cantor, contratado da Som Livre.

A música é uma importante fonte de renda para os evangélicos. Enquanto a indústria fonográfica acumula prejuízos com discos e CDs físicos desde os anos 90, o gospel se mantinha firme no topo dos mais vendidos.Nos últimos dezoito meses, este mercado, que já movimentou 1,5 bilhão de reais por ano, também se curvou à crise. “As vendas caíram 50% este ano e tive que reduzir pela metade o meu pessoal”, conta o deputado federal Arolde de Oliveira (DEM), fundador da MK Music, maior gravadora gospel do país. Oliveira lamenta ainda a escassez de patrocínios, que afetou diretamente os shows de música que reúnem milhares de pessoas na Zona Norte do Rio de Janeiro. Um deles, o Louvorzão, foi cancelado em abril e luta para ressuscitar em novembro.

Continua após a publicidade

“Antes, não faltavam anúncios das operadoras de telefonia e redes de supermercado. Agora está tudo mais difícil”, afirma. Nas redes de TV, nas quais os pastores compram espaços para transmitir cultos, passar mensagens e vender produtos, a redução de receitas vem se traduzindo em menos horas no ar. Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, que já havia perdido espaço na programação para o rival Edir Macedo, da Universal (que até agora não deu sinal de ter sido afetada pelo mau tempo), há dez dias foi obrigado a retirar do ar um canal que mantinha na NET por cerca de 3 milhões de reais por mês. “A audiência não estava valendo o custo”, explica o deputado estadual Milton Rangel (DEM), ligado a Santiago. As mesmas dificuldades levaram Malafaia a cortar programas e Rodovalho a adiar a expansão da sua TV, a Rede Gênesis, para o litoral paulista. Por sua vez, a Thomas Nelson, maior editora de livros evangélicos do país, acostumada a um aumento anual de vendas de 30% até 2015, viu o ritmo cair para 5% este ano — e comemorou. “Felizmente, temos um público cativo”, explica o
publisher Omar Souza.

“A renda per capita do Brasil caiu 10%. A perda de poder aquisitivo das classes C e D com certeza afetou as igrejas, sobretudo aquelas muito comerciais. As menos voltadas para a arrecadação podem até ter recebido mais fiéis, em busca de alívio para suas dificuldades”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, especialista em religiões. Coincidindo com a queda nas receitas, as igrejas estão multiplicando os apelos de contribuição financeira. Pastores da Igreja Internacional da Graça anunciam na TV um sabão em pó agraciado com uma “bênção especial”. O apóstolo Valdemiro criou a campanha do duplo dízimo — os fieis devem doar este mês o dobro do anterior. Espera-se que, em troca, recebam o dobro de bênçãos.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.