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Uma banda que é a alma de Santos

A trajetória do grupo de thrash metal Vulcano é retratada no documentário Os Portais do Inferno se Abrem

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 jul 2020, 21h46 - Publicado em 23 set 2016, 20h13
Integrantes da banda Vulcano. 1986.

Integrantes da banda Vulcano. 1986.

 

Semanas atrás, o quarteto de thrash metal Vulcano ganhou a eleição de A Maior Banda do Rock Santista segundo uma eleição do Blog’n’Roll, do jornalista – e estudioso do assunto – Lucas Krempel. https://blogs.atribuna.com.br/blognroll/2016/09/blog-n-roll-na-a-tribuna-1-top-100-bandas-da-baixada-santista/. O grupo liderado pelo guitarrista (ou baixista, dependendo da sua formação itinerante) Zhema Rodero bateu campões de audiência como o Charlie Brown Jr., veteranos da cena progressiva como Recordando o Vale das Maças e até o Blow Up, uma instituição das domingueiras dos clubes da orla da praia caiçara. A predileção dos jurados por um amontoado de cabeludos que explorou os limites do rock pesado pode ter surpreendido quem confunde a cena musical da Baixada Santista com bandas de reggae, que abordam o cotidiano praieiro da cidade. Santos, contudo, sempre teve uma cena rica em gêneros como o heavy metal e rap e produziu um considerável número de talentos de pegada pós punk (caso do Ecossistema, que entrou na lista numa injusta 77ª colocação ou projetos como A Trava). Há também, creio eu, uma razão filosófica para que o Vulcano encabeçasse a lista de Krempel, que contou com votos de veteranos do rock do litoral. O Vulcano é o melhor reflexo da alma santista. Não que nós, caiçaras (nasci numa maternidade na Conselheiro Nébias e fui criado na Bacia do Macuco e na Encruzilhada), sejamos heavy metal nas atitudes ou no estilo de vida. Mas Santos é marcada por uma certa letargia, pela síndrome de inferioridade em relação à capital, São Paulo, e uma promessa de progresso que nunca chega – ainda que a cidade tenha um número considerável de cidadãos e uma razoável vida noturna. Em alguns casos, estamos até mais próximos do Rio de Janeiro – vide o funk ostentação, que estourou em Santos antes de subir a serra. Bandas, como se pode notar na lista de Krempel, existem aos montes, muitas delas com qualidade para brilhar em outras praças. A cidade, no entanto, é injusta com esses artistas. Há poucos locais para se apresentar, a mídia é praticamente inexistente (há apenas um grande jornal na cidade, A Tribuna) e as rádios as ignoram. Vulcano é a expressão musical dessa sensação. Uma banda pioneira no terreno do thrash metal, reconhecida no exterior , mas sem atingir o status de um Sepultura ou de um Angra (que não é thrash, porém aqui falo de brasileiros que vingaram no exterior). O documentário Os Portais do Inferno se Abrem: A História do Vulcano, lançado em formato independente e que pode ser adquirido em lojas especializadas em heavy metal, ajuda a explicar o porquê do Vulcano ser mais uma banda objeto de culto do que um sucesso entre os headbangers.

O comediante Groucho Marx, numa de suas tiradas impagáveis, dizia ter conhecido a atriz Doris Day antes dela se tornar virgem. No meu caso, conheci o Vulcano num período em que o heavy metal só existia no texto que resvalava no misticismo. O Vulcano, para mim, era a banda do meu amigo Gê (vocalista) e que registrou a letra de Santos City, de outro conhecido meu, o baterista Eduardo Agena (do mini LP Om Pushne Namah, uma autêntica raridade).

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Eles eram uma força do rock caiçara daquele período ao lado de bandas menos interessantes, como Alta Tensão. Tinham a intenção de fazer algo próximo ao Black Sabbath, embora a péssima qualidade dos aparelhos e instrumentos conspirava contra as bandas nacionais daquele período. Há também eventuais covers de bandas de rock brasileiro – por exemplo, cantavam Boeing 72397, do Joelho de Porco. Outra coisa que me chamava atenção era a maneira literal com que Gê interpretava os clássicos do rock. Por exemplo, “finished with my woman”, de Paranoid, do Black Sabbath, saía mais ou menos como “quibisqui mai uoma” nas anotações do vocalista. O Vulcano fazia audições constantes para encontrar um vocalista, porém esbarrava em criaturas bizarras. Um deles gritava tanto que foi apelidado pela banda de “cão do hell”. Johnny Hansen, guitarrista do grupo Bi-Sex, passou também um período no grupo onde tocava com uma máscara de carrasco escondendo o rosto. Foi ele quem escolheu o cantor que daria cara e interpretação gutural ao Vulcano da fase pesada: Angel, mais conhecido pelos frequentadores de bailes de heavy metal pelo apelido de Uruca. A partir da entrada de Uruka, com seus quase dois metros de altura, camisa preta, munhequeira e cinto repleto de rebite é que o Vulcano passa a soar como uma verdadeira banda de from hell (sem trocadilho, plis). Angel também é autor de um dos discursos com erros de português mais sensacionais da história do rock pesado brasileiro. “Eu sou o quinto cavaleiro do Apocalipse/ Empunho em minhas mãos uma espada forjada em aço e fogo/ Ergam suas cabeça (sic) para que eu possa decepá-las!”, grita em Total Destruição, faixa do disco Live, gravado na cidade de Americana (São Paulo) em 1985. Não demorou muito para que o Vulcano despertasse a atenção da grande imprensa. Um dos momentos de glória foi uma matéria de Okky de Souza na VEJA São Paulo sobre o cenário roqueiro de São Paulo. Mais do que a música, o destaque foi o par de fêmures que o baterista usava como baqueta. A partir da reportagem, de 1985, o Vulcano saiu do meu radar, mas soube que trilhou um bom caminho pelo do metal.

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Os Portais do Inferno se Abrem: A História do Vulcano me reconecta ao grupo que conheci em meus tempos de adolescência e me ajuda a entender o que foi feito daquele grupo de santistas que tinham por objetivo seguir uma carreira musical. Mas não foge à sina da letargia da Baixada Santista. Pelo contrário, mostra como ela se alojou na alma dos roqueiros. Num certo momento – quer dizer, em vários momentos – Zhema confessa que poderia ter feito diferente, que alguns discos que entregou para as gravadoras que os bancaram (em especial a mineira Cogumelo) não tinham a potência sonora que era esperada deles. Angel, vocalista, lamenta que o Vulcano perdeu a chance de ser a primeira banda de heavy metal mundial a tocar na então Cortina de Ferro – uma decisão atribuída ao baixista e guitarrista Zhema. A própria defecção de Angel, aliás, não foi muito bem absorvida pelo vocalista, como ele deixa bastante claro em seu depoimento. Faltou coragem – ou, quem sabe, oportunidade — para o Vulcano sair de sua base para se arriscar em outras cidades ou até mesmo em outros países. Se o Vulcano hoje goza de um certo prestígio é porque sua música era tão boa que atraiu ouvintes de outros países. Mas ao contrário do que houve com outras bandas brasileiras, não se traçou um plano, uma estratégia para que o grupo fosse para outros mercados. Uma pena porque discos como Bloody Vengeance, de 1986, têm um nível superior ao que era produzido no metal internacional.
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Como documentário, contudo, Os Portais do Inferno se Abrem é muito fraco. As cenas de arquivo são raras, o entra e sai de instrumentistas – sem que tenha uma preocupação de se colocar datas sobre quando determinado músico saiu ou entrou da banda – atrapalha a narrativa e há um excesso de depoimentos de pessoas (ainda que importantes) que poderiam ser cortados ou então ir para a parte de extras do DVD. Mais tarde, soube que houve ex-integrantes que se recusaram a dar entrevistas porque até hoje não aceitaram a maneira com que foram demitidos da banda. A princípio, optou-se por mostrar a cena de Santos na época do surgimento do Vulcano (o que justifica a entrevista com Mauro Mariano, uma figura folclórica do showbiz indie), porém a idéia ela é abandonada ao longo das mais de duas horas de projeção. Em troca, há uma profusão de causos e historietas contadas pela banda que são menos engraçadas do que eles acham… São tantos os defeitos que se chega a duvidar se o Vulcano realmente foi uma banda importante para o cenário. É uma pena que um grupo tão fundamental para a música da Baixada Santista tenha ganho um documento que não está à altura de sua importância. Coloque a culpa na velha letargia caiçara…

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