Viva o analfabetismo!
– Você vive dizendo que o Brasil precisa investir em educação de qualidade, não é? – Não me canso de dizer. Deveria ser nossa prioridade número um. – Sei… – Sem isso, nós nunca iremos a lugar nenhum. O problema é que não interessa a essa classe política vergonhosa que nós temos, porque os resultados […]
– Você vive dizendo que o Brasil precisa investir em educação de qualidade, não é?
– Não me canso de dizer. Deveria ser nossa prioridade número um.
– Sei…
– Sem isso, nós nunca iremos a lugar nenhum. O problema é que não interessa a essa classe política vergonhosa que nós temos, porque os resultados de um investimento maciço em educação só vão aparecer a longo prazo. É algo que devemos aos nossos filhos, aos nossos netos.
– Sei como é. Você não está errado, não, cara. Só te digo uma coisa: tome cuidado.
– Hã? Não estou entendendo.
– Vai com calma nesse negócio aí. Não balança demais a canoa. A coisa funciona do jeito que está, bem ou mal.
– Bem ou mal desde quando? Mal, isso sim. Malíssimo!
– Você sempre foi exagerado. A educação brasileira é porca? Tá certo, é porca. As pessoas chegam ao curso superior incapazes de compreender um textinho de dois parágrafos? Chegam, chegam.
– A própria UFRJ não mandou esta semana pros estudantes um email circular cheio de erros, entre eles a palavra “sujeito” escrita com G?
– Aquilo foi constrangedor, mas pensa um pouco. A coisa tem suas vantagens.
– Vantagens, essa é boa! Me diga uma.
– Digo. Já imaginou se os golpistas internéticos não fossem analfabetos?
– Como?
– Esses caras que mandam spam com vírus ou sei lá como funciona a coisa, querendo que você clique em algum daqueles links sinistros deles para roubar os seus dados bancários e não sei mais o quê. Dizendo que são do banco, da Receita Federal, do TRE, sabe esse lixo?
– Sei, a galera do phishing. O que é que tem?
– Os caras são completamente analfabetos, né? Dá até pena. Tentam produzir um texto com jeitão de oficial e escrevem atualizar com S, analisar com Z, separam sujeito de verbo com vírgula, uma desgraça total. Agora imagina o estrago que seria se eles escrevessem direito. Como a gente ia saber que aquele email não era do banco, da Receita, do TRE?
– Bom…
– Não ia saber, aí é que está. Quando a gente se desse conta, já seria tarde.
– É, perigoso mesmo.
– Te peguei, hein? É só ir com calma, amigo. Não balançar a canoa. O Brasil tem problemas, lógico, mas eles são tantos e tão profundos que, se você puxa um fio, pode acabar desmanchando tudo. Existe um equilíbrio que convém não perturbar.
– Você é um brincalhão. Até parece que esse papo de golpe internético é motivo para manter um país nas trevas da ignorância.
– Trevas, trevas, também não. Mas uma penumbrazinha não mata ninguém, concorda?