Milícia, a arte da guerra – e do crime
A palavra milícia, posta em evidência pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli, brotou da mesma fonte que nos deu militar e militante. Uma fonte belicosa, sem dúvida, mas a princípio respeitável: o grupo inteiro saiu da raiz latina miles, militis, “soldado”. Militia era serviço militar, campanha de guerra. Era esse seu único sentido quando chegou […]
A palavra milícia, posta em evidência pelo assassinato da juíza Patrícia Acioli, brotou da mesma fonte que nos deu militar e militante. Uma fonte belicosa, sem dúvida, mas a princípio respeitável: o grupo inteiro saiu da raiz latina miles, militis, “soldado”. Militia era serviço militar, campanha de guerra.
Era esse seu único sentido quando chegou ao português, no século 14. Foi no francês do século 17 que apareceu pela primeira vez uma distinção entre ela e as atividades do exército propriamente dito, com a acepção de “tropa de cidadãos comuns recrutados para reforçar as forças regulares em caso de necessidade”. A milice francesa ainda habitava a legalidade, embora em posição socialmente inferior.
Tal sentido se espalhou. O grande Rafael Bluteau, dicionarista pioneiro da língua portuguesa, dizia o seguinte sobre a palavra no início do século 18: “Gente miliciana é a gente bisonha, e soldados de ordenança, em que entram sapateiros, alfaiates e outros oficiais mecânicos”. Bisonho (do italiano bisogno) é no caso recruta, soldado inexperiente.
Milícia nunca deixou de ter também esse sentido legalista, ainda que bisonho, mas, como se sabe, sua acepção do momento no Brasil é bem diferente e precisa: “grupo de policiais ou ex-policiais dedicados à atividade criminosa de vender segurança em áreas abandonadas pelo Estado”. De todo modo, não é de hoje que a palavra vem perdendo sua boa reputação: as milícias fascistas fundadas em 1922 pelo futuro ditador italiano Benito Mussolini abriram caminho para todo tipo de infâmia.