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Por Sérgio Rodrigues
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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‘Acabar em pizza’: queijo, tomate, Palmeiras e Collor

A pizza gigante que saiu ontem do forno do Supremo Tribunal Federal levou o colunista a antecipar a Palavra da Semana. Por que ser legalista e esperar até sexta-feira? Nada poderia tirar esse título da expressão “acabar em pizza”, emblema brasileiro da impunidade (a seção Consultório fica adiada para amanhã). Uma expressão que, como quase […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 05h22 - Publicado em 19 set 2013, 11h31

A pizza gigante que saiu ontem do forno do Supremo Tribunal Federal levou o colunista a antecipar a Palavra da Semana. Por que ser legalista e esperar até sexta-feira? Nada poderia tirar esse título da expressão “acabar em pizza”, emblema brasileiro da impunidade (a seção Consultório fica adiada para amanhã). Uma expressão que, como quase nunca ocorre no reino dos idiomatismos, tem poucas zonas de sombra em sua divertida história.

“Acabar em pizza” é um caso raro: uma expressão consagrada, usada em todo o país, já dicionarizada – e cuja história é recente o bastante para que os protagonistas sejam identificados e tenham devidamente avaliado seu papel na criação de um modismo linguístico.

A primeira parte da história já andou sendo publicada. Dá conta de que o “inventor” da expressão – ou, o que talvez seja mais provável, seu primeiro propagador – foi o radialista esportivo paulistano Milton Peruzzi, um palmeirense que, entre os anos 1950 e 60, não se cansava de falar em “terminar em pizza” ou “assar uma pizza” quando queria informar a seus ouvintes que um conflito qualquer nos bastidores do clube acabara em reconciliação.

Foi só o começo. Peruzzi, até que se prove o contrário, lançou um regionalismo simpático, profundamente identificado com São Paulo – o resto do país não conhecia a expressão – e paralelo ao carioquismo “acabar em samba” em tudo, inclusive num aspecto fundamental: a ausência de qualquer sentido político ou crítico. Acabar em pizza ainda não era um problema: pelo contrário, celebrava-se na expressão um suposto talento brasileiro para os desfechos festivos, a busca de convergência, o poder da amizade e outros clichês do gênero.

Foi durante a crise da deposição de Fernando Collor que a expressão se transformou no que é hoje: a mais acabada e concisa crítica ao vício nacional da acomodação e da impunidade nos momentos em que a guerra política ameaça de fato ferir os poderosos. Pode-se precisar até o dia em que o duplo fenômeno – explosão de popularidade e metamorfose semântica – se deu: 31 de julho de 1992.

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Naquele dia, uma secretária chamada Sandra Fernandes de Oliveira, paulista de Araraquara, depôs na CPI do PC Farias e desmontou sozinha a chamada “Operação Uruguai”, bolada pela turma de Collor para vender à nação a mentira de que a fortuna pessoal do presidente não provinha da corrupção, mas de um empréstimo feito no país vizinho. É impossível superestimar a importância daquele depoimento. Sem Sandra, talvez Collor tivesse cumprido seu mandato até o fim.

A importância linguística não é menor. “Se isso realmente acabar em pizza, como querem alguns, acho que é o fim do país”, disse a secretária ao microfone da CPI. Usava uma expressão familiar, com a qual costumava comentar com sua irmã mais velha as brigas feias – sempre seguidas de reconciliações gastronômicas – que tinha com um namorado.

Foi uma comoção. Benito Gama, presidente da CPI, repreendeu-a duramente pelo que considerou ser um exemplo de linguagem inadequada. Ulysses Guimarães, feliz da vida, saiu ecoando aquela história de pizza. O eco se espalhou pelo país por meio de incontáveis colunistas, repórteres, chargistas. O desenhista Paulo Caruso foi um dos primeiros a dar materialidade à pizzaria simbólica, desenhando um estabelecimento lotado de políticos atracados com suas rodelas de massa, queijo e tomate.

O resto é história. Uma história que, uma vez conhecida, não deixa na cabeça de ninguém a menor dúvida sobre os motivos de “acabar em pizza” – e não “acabar em samba”, expressão que já andou sendo defendida por alguns paladinos da cultura carioca – ter virado a febre que virou.

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