Como o TCU quase impediu a corrupção de Lula (e outros) em 2009
Em 2009, Lula garantiu que a Refinaria Abreu e Lima (50% OAS, 50% Odebrecht) continuasse com financiamento público – contrariando o TCU
Em 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou que o governo federal parasse de financiar as obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Suspeitavam de corrupção. O Congresso Nacional concordou com o órgão. Mas o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou esse item ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. O embate entre presidente e órgão de controle resultou, naquele momento, em vitória do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o esquema corrupto organizado pelo PT, PMDB e outros partidos na Petrobras.
A ação do TCU só foi possível porque, no fim dos anos noventa, o órgão começou a fiscalizar grandes obras de infraestrutura por conta do escândalo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (bem descrito pelo jornalista Frederico Vasconcelos em seu livro “Juízes no Banco dos Réus”).
Devido a esse escândalo, parlamentares e auditores concordaram em estabelecer, nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs), editadas uma vez por ano, a previsão de uma lista de obras com “indícios de irregularidades graves”. O TCU pode recomendar a paralisação dessas obras. Isso acontecerá desde que a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional concorde e o presidente da República não vete.
Em 2010, o TCU repetiu a recomendação de paralisar as obras de Abreu e Lima, mas o governo ganhou na comissão orçamentária, sem que Lula precisasse exercer o poder de veto. “O senador Fernando Collor (PTB) nos chamava de ‘técnicos gravatinhas que não sabem de nada’”, recordou, em entrevista exclusiva e anônima para meu livro mais recente, um auditor do TCU. “Participei de uma reunião em 2012, antes de uma audiência pública na comissão, com três parlamentares e seus assessores legislativos, além de funcionários da Petrobras. Os congressistas queriam que entrássemos em um acordo. Fácil: basta a Petrobras seguir a lei!”
Como um dos pilares de qualquer auditoria é detectar superfaturamento, os auditores indicam, nas LDOs, tabelas de referências de preços para guiar a administração pública federal. “A Petrobras usa aço. Vemos o preço do aço na tabela de referência”, disse-me o auditor. “Checamos por quanto a Petrobras compra. Digamos que paguem R$ 20 mais caro. A Petrobras se defendia dizendo que o TCU não pode usar preços da indústria comum para a indústria do petróleo, pois são setores econômicos diferentes. Falavam isso em tom de deboche. Paulo Roberto Costa [ex-diretor da Petrobras] disse, em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que estávamos comparando o preço de sua refinaria com o de uma rodovia. Plantei uma nota na imprensa dizendo que aquilo era um absurdo. Por que o caminhão de terra custa o dobro em uma refinaria do que em uma rodovia, por exemplo?”.
A sentença de Sergio Moro que condenou Lula a nove anos e meio pode dar boas pistas. Segundo os procuradores do Ministério Público Federal citados por Moro, as obras na Refinaria Abreu e Lima foram divididas entre OAS e Odebrecht. O valor total de propinas pago pela OAS nessa obra foi R$ 87 milhões, equivalente a 3% da participação da empreiteira. De acordo com o MPF, R$ 3,7 milhões foram destinados a Lula, incluindo o famoso tríplex. Tudo isso só aconteceu porque o ex-presidente vetou o trecho da LDO descrito acima. É um exemplo contundente do estrago que um presidente corrupto pode fazer mesmo sem ter um Rodrigo Rocha Loures (PMDB) para carregar sua mala.
(Descrevo o caso com mais detalhes no livro “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato”, disponível aqui)
(Entre em contato pelo meu site pessoal, Facebook, Twitter e email)