A lista da Odebrecht, sistemas eleitorais e corrupção
É preciso ter cuidado com a lista de políticos agraciados com dinheiro da Odebrecht nas campanhas de 2012 e 2014. Nem todas as doações são ilegais. Mas é inegável que este é um dos documentos políticos mais importantes dos últimos anos. É uma aula sobre como atos corruptos se tornam escândalos, como disse, certa vez, o […]
É preciso ter cuidado com a lista de políticos agraciados com dinheiro da Odebrecht nas campanhas de 2012 e 2014. Nem todas as doações são ilegais. Mas é inegável que este é um dos documentos políticos mais importantes dos últimos anos. É uma aula sobre como atos corruptos se tornam escândalos, como disse, certa vez, o cientista político Marcus Melo (UFPE).
Caso a divulgação da lista se torne motivo para repensar nosso sistema eleitoral, é interessante analisar se os políticos brasileiros têm, por conta dos incentivos dados pelo sistema, mais propensão para realizarem atos corruptos.
O sistema eleitoral que vigora no Brasil para eleger vereadores, deputados estaduais e deputados federais é o de representação proporcional com lista aberta. (Antes de continuar a discussão, vale lembrar que nem todos os políticos citados na lista são parlamentares.) Candidatos a deputado federal podem ser votados por eleitores de seus estados. Cada estado elege no mínimo 8 e no máximo 70 representantes – número mais ou menos proporcional à população, com esses limites estabelecidos pela Constituição de 1988. (Para mais detalhes, ver o texto de Jairo Nicolau.)
A lista de candidatos não é ordenada pelos partidos políticos antes de ser apresentada ao eleitorado – por isso é “lista aberta”. Em países como a Espanha, com sistema proporcional de lista fechada, os partidos definem quem serão os candidatos a ocupar as primeiras cadeiras parlamentares obtidas pelo partido. No Brasil, entra primeiro quem é mais bem votado no partido ou coligação; na Espanha, entra primeiro quem o partido escolheu para encabeçar a lista. Não há, em sistemas de lista fechada, a opção de votar em indivíduos. É possível votar apenas na legenda partidária.
É esta característica dos sistemas proporcionais de lista aberta que os torna, para alguns autores, mais susceptíveis à corrupção do que outros. Afinal, como defende Eric Chang em “Electoral Incentives for Political Corruption under Open-List Proportional Representation”, a competição intrapartidária faz com que candidatos tenham que se diferenciar dos demais fazendo campanhas mais intensas – municiadas, talvez, com dinheiro ilegal. (Este argumento é também defendido, entre muitos outros autores, por Barbara Geddes e Artur Ribeiro Neto em “The institutional sources of corruption”)
Mas o tema não se esgota assim. Um texto clássico de Roger Myerson argumenta que sistemas majoritários (que tendem ao bipartidarismo, conforme a Lei de Duverger, ou ao “dois-partidos-e-meio”) são mais corruptos pois a oferta de partidos é muito menor do que em sistemas proporcionais. Assim, sistemas proporcionais trariam pelo menos um partido não-corrupto e que satisfizesse interesses substantivos do eleitor.
No texto “Electoral Rules and Corruption”, os economistas Torsten Persson, Guido Tabellini e Francesco Trebbi trazem um argumento contrário ao de Eric Chang (e que reforça Myerson), afirmando que quanto mais competição eleitoral houver, mais um candidato pode denunciar o outro.
Mas parece mais plausível, mesmo, que sistemas proporcionais sejam mais abertos à corrupção, principalmente quando combinados com presidencialismo. Afinal, conforme argumentam Jana Kunicová e Susan Rose-Ackerman em “Electoral Rules and Constitutional Structures as Constraints on Corruption”, em sistemas majoritários é muito fácil saber quem punir pelo ato corrupto. (Argumento semelhante é feito por Margit Tavits em texto de 2007.) É só um deputado que representa o distrito eleitoral. Nos sistemas proporcionais, é muito mais custoso para o eleitor descobrir quem são os pilantras.
Afinal, olha só o tamanho da lista da Odebrecht.
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