Jair Bolsonaro acusou Celso de Mello de criminoso, declarou que “acabou, porra!”, e avisou que está “com as armas da democracia na mão” — por “armas da democracia”, Bolsonaro refere-se a uma interpretação alucinada do artigo 142 da Constituição, que versa sobre o papel das Forças Armadas. Ou seja, ameaçou, uma vez mais, dar um golpe militar.
Por outro lado… o general Augusto Heleno, que recentemente ameaçou com “consequências imprevisíveis” por causa de uma possível apreensão do telefone celular do presidente, recuou. Disse que “intervenção militar não resolve nada”, que “ninguém está pensando nisso”, que “isso só tem na cabeça da imprensa”, que se “contaminou com isso” (por que será, hein general?). Já o vice, general Mourão, afirmou que uma ruptura democrática está “fora de cogitação” e que “não existe espaço no mundo para ações dessa natureza”.
Bolsonaro tenta forçar um impasse para ver se os generais se animam a virar a mesa para defendê-lo. Apesar de — incompreensivelmente para qualquer mortal — apoiarem o presidente, os militares parecem ter-se dado conta do erro colossal, histórico, que seria acompanhar o capitão nessa aventura.
Não existe linha de argumentação capaz de justificar uma intervenção militar. Pelo contrário, a ameaça à ordem, à democracia e à estabilidade vem do presidente. Se os militares intervierem, se desmoralizarão completamente, no Brasil e no exterior, jogarão na lata do lixo a imagem positiva que construíram nos últimos 35 anos.
Além disso, o presidente em cuja defesa se levantariam não merece o esforço. Bolsonaro não é apenas o pior presidente da história da República: é um irresponsável que está levando o país ao abismo. Há inúmeras evidências de que cometeu vários crimes, e está cercado de arruaceiros. Bolsonaro não é alguém a quem os militares deveriam querer se associar.
E é desnecessário: se Bolsonaro cair, o sucessor será alguém de absoluta confiança para as Forças Armadas: Mourão é um conservador conhecido, não guarda surpresa, diz coisa com coisa. Não faz sentido os militares se desgastarem para manter no poder um capital aloprado quando podem, sem desgaste algum, ter um general razoável.
Sem falar que um golpe é empreitada altamente arriscada: a chance de não dar errado é enorme. O Alto Comando do Exército está dividido, e vários generais, incluindo o próprio comandante do Exército, Edson Pujol, vêm dando sinais de que não aprovam a gestão Bolsonaro. Há o perigo que assombra todo militar: cisão na corporação e quebra de hierarquia.
E, mesmo que os militares consigam se manter “unidos e coesos”, há as dificuldades logísticas. “Fechar o Congresso”, num mundo conectado pelas redes sociais, ainda mais durante a quarentena, é impossível: centenas de parlamentares resistiriam, de suas casas ou de seus celulares. Mesmo com o STF, que são apenas 11, seria difícil: bastaria que apenas um escapasse da prisão para termos um Supremo Tribunal Federal aberto funcionando. E, com os jornalistas trabalhando de casa, seria totalmente impossível impor censura. Um golpe que não consegue calar parlamentares, juízes ou jornalistas, não é um é um golpe, é um escárnio.
Por mais que os militares gostem de Jair Bolsonaro, ele não vale o risco. Melhor deixá-lo cair sozinho.