O sofrimento (e as ironias) de Bolsonaro
É impossível deixar de perceber aspectos irônicos, e até cármicos, no calvário do presidente
Jair Bolsonaro está internado. Deseje-se a ele pronta recuperação, como se deve desejar a qualquer um que esteja sofrendo.
É impossível, entretanto, deixar de perceber aspectos irônicos, e até cármicos, em seu calvário.
Em seus dois anos e meio de mandato, Bolsonaro fez inúmeras menções, sempre sarcásticas ou agressivas, a excrementos, e, recentemente, proferiu um retumbante “caguei!” para senadores da República. Foi parar no hospital por causa de uma obstrução intestinal que o impedia de evacuar.
Seu principal consultor para assuntos médicos, Osmar Terra, que vaticinou que a Covid-19 mataria no “máximo” 800 brasileiros, tranquilizou o entorno do presidente, explicando que sua crise de soluços não seria preocupante, pois “em 99% dos casos é só uma irritação”. (É surpreendente que alguém, próximo ou distante de Bolsonaro, ainda ouça o que Terra tem a dizer — também há qualquer coisa de cármico nisso.)
No política de saúde que aplicou aos brasileiros, Bolsonaro valeu-se de um “gabinete paralelo” de curandeiros e irresponsáveis, que acabou por provocar a morte perfeitamente evitável de centenas de milhares de brasileiros. Em seu próprio caso, no entanto, o presidente recorreu a ciência e medicina convencionais.
Bolsonaro exortou seus compatriotas a maximizar os riscos enfrentando o vírus “como homem, não como maricas”, mas, quando chegou sua vez de mostrar macheza, tomou um jato para São Paulo e se internou em um dos melhores hospitais do Brasil.
Como fez depois da facada, Bolsonaro fez de sua dor ferramenta publicitária e eleitoreira, e publicou nas redes imagem sua, fragilizado, no hospital. Busca a compaixão e a solidariedade que negou a milhões de brasileiros doentes e suas famílias.
A facada poupou Bolsonaro de enfrentar os debates e lhe deu muitos votos. Seu sofrimento de agora não o poupará do avanço das investigações da CPI nem da queda de popularidade.
Em 2018, Bolsonaro se vendeu como mártir. Hoje ninguém — com a possível exceção (a CPI o dirá) de atravessadores de vacinas — o compra.