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Renato Aragão, no auge dos Trapalhões: ‘Não sei contar piada’

Em 1980, em entrevista a VEJA, o intérprete de Didi Mocó se assumia "tímido, chato e ranzinza"

Por Da redação
20 abr 2017, 00h04
VEJA de 4 de junho de 1980
VEJA de 4 de junho de 1980. Clique para ler a reportagem (Reprodução/VEJA)

Renato Aragão voltou à telona em janeiro com Os Saltimbancos Trapalhões: Rumo a Hollywood e volta à telinha no segundo semestre com nova formação da trupe Os Trapalhões. A estreia do célebre humorístico na Globo completa em 2017 quarenta anos. Em 1980, no auge do sucesso na TV, o intérprete de Didi Mocó falou a VEJA sobre a fama de querer aparecer mais que os outros trapalhões (“nunca fiz questão”), os críticos (“a crítica ruim me frustra e me magoa”), seus humores fora do palco (“sou tímido, chato e ranzinza”), sua fortuna (“nunca pensei que fosse dar tanto trabalho”), os comediantes prediletos (Chico Anísio e Ronald Golias), o fascínio por Charles Chaplin e Oscarito, sua aversão aos Três Patetas (“não é humor, é agressão”) e ao Pica-Pau (“graça cruel”) e a pecha de caricaturar e humilhar minorias (“nosso público é o mais diverso possível, é o zé povão”). Confira abaixo trechos da entrevista publicada nas páginas amarelas de VEJA de 4 de junho de 1980 sob o título “O milionário trapalhão”

VEJA – De repente você ampliou seu público, conquistando os intelectuais. Mudou o programa ou mudaram os intelectuais?
Renato Aragão – Antigamente era pecado, era crime assistir aos Trapalhões. Chico Anísio, Millôr, Jaguar, aquela turma que entende de humor começou a falar que assistia o programa e gostava. Aí todo mundo passou a falar que assiste, sem a desculpa de que ‘vi um trecho quando passava pelo quarto da empregada’. O nosso humor continua o mesmo: não tem fórmula, é uma parafernália desgraçada. Meu tipo de humor é primitivo, mas dentro da atualidade.

Como você compara o humor do seu programa com o do ‘Planeta dos Homens’? Nosso tipo de humor é uma imagem de televisão. O ‘Planeta’ é humor de rádio, de texto, você assiste de costas e entende. O nosso é visual, você tem que ficar ligado, por isso é que é humor pra criança. O ‘Planeta’ é mais intelectual, mais político. Se a gente diz uma piada inteligente, o povo não aceita. O povo senta na cadeira, bota uma calça curta e vê a gente como criança. Ele quer ver as trapalhadas que a gente sempre fez.

Você já tentou outro tipo? Quando começamos a fazer shows, eu contava piadas e ninguém ria. A gente começava a balançar os quadris, pular, correr um atrás do outro, e era o maior sucesso.

Esse tipo de palhaçada você sempre fez. Por que agora tem mais gente gostando? Não sei o que mudou, mas vou dar um exemplo que me envaidece: o Magalhães Pinto já desmarcou um encontro num domingo às 7 horas porque não queria perder os Trapalhões. Esse público não era nosso, mas não fomos nós que mudamos. Acho que as pessoas precisam do programa como precisam do Flamego ou do Corinthians. Dar um pontapé no patrão é um descarrego pro povo, todo mundo quer fazer isso um dia. O patrão tem o lugar que o empregado gostaria de ter. Um guarda representa a autoridade de uma sociedade desajustada na qual o povo é a vítima. Mas o chute tem que ser dado num guarda bem grande. Se de num guarda pequeno ninguém ri, fica todo mundo com pena.

Como você descobriu que era engraçado? Imitando oficiais na época do serviço militar. Minha estreia foi num acampamento, um anfiteatro numa duna de areia, em 1955. Mas em Fortaleza artista era marginal ou bicha. Não podia dizer que eu queria ser artista, nem para a família nem para os colegas.

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E antes disso? Antes eu lia tudo sobre Charles Chaplin. Tenho até o livro do Georges Sadoul, em francês. Via todos os filmes dele, que hoje tenho em videocassete. Mas foi o Oscarito que me despertou, com os filmes ‘Carnaval no Fogo’ e ‘Aviso aos Navegantes’.

O que você acha do humor político? É um com caminho para o Max Nunes, Chico Anísio, Jô Soares. É um humor muito oportuno pra toda aquela turma que até há pouco tempo não podia fazer esse tipo. Mas pra nós essa abertura não adiantou nada.

Por quê? O povo não aceita a gente fazendo piada política. Ele está acostumado como nosso estilo de humor, e eu não sei contar uma piada. Aí é que eu diferencio o humorista do cômico. Humorista é o que diz a piada, o cômico é o que sabe encená-la. Eu me considero cômico, não sei contar piada. Para encenar, eu tenho apoio. Por isso é que preciso de um colega do lado. Se ponho uma peruca ou um bigode, fico sem jeito de fazer humor. Sou um palhaço de cara limpa.

O Chaplin era cômico? Era. Ele não falava, não dialogava com ninguém. Ele se cercava de uma série de objetos, de obstáculos, de atores maiores que ele. Chaplin não usava nenhum ator mais baixo que ele, todos tinham quase o dobro da altura pra reforçar aquela humilhação. Se botasse o Carlitos para contar piada, talvez ele não soubesse.

Além do Chaplin, há outras preferências entre os antigos? Gosto do Gordo e Magro e do Jerry Lewis. Não acompanhei os Irmãos Marx. Os Três Patetas eu detesto: não é humor, é agressão, mau exemplo.

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Qual a diferença entre os Trapalhões e os Três Patetas? Nos Três Patetas a agressão é gratuita, sem sentido. É como o Pica-Pau, que devia ser proibido porque é mau-caráter e se dá bem. Eles fazem um graça cruel em que metem o dedo no olho do colega ou batem com o martelo na cabeça do outro. Já fiz uma vez sem querer: fui imitar o Super-Homem, bebendo óleo e comendo sopa de pregos. Foi engraçadíssimo, mas veio uma carga do povo em cima de mim. As crianças queriam comer prego. Me arrependi. Tenho que ter o maior cuidado.

Quando você imagina uma situação, sua maior preocupação é com as crianças? Até agora era, mas estou meio confuso. Está difícil fazer o programa, de vez em quando faço um para adulto, mas não é o que gosto. Eu tenho que me dirigir à criança, o adulto tem que pegar carona. A criança é o público mais fiel que existe.

Em matéria de humorismo, as crianças não têm muitas opções. O Chico Anísio diz que o humorista é uma espécie em extinção. Quando comecei havia quarenta cômicos, hoje há seis. Os redatores estão morrendo e não aparecem novos. Eu tenho vantagem porque faço humor pra criança e todo dia nasce menino. O Chico pergunta de que vão rir os nossos netos.

Quais são os seis? Eu, Chico Anísio, Jô Soares, Agildo, Costinha e Golias.

Quem você prefere? Chico e Golias. Chico é hors-concours, um gênio. Agildo e Jô são humoristas. O Golias é cômico, se assemelha muito ao meu humor. Aprendi muita coisa com ele. O Costinha é mais apelativo: trabalhar de graça numa boate só para dizer sacanagem.

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E da atual geração de estrangeiros? Gosto do Woody Allen, mas é um tipo de humor muito requintado, atinge um público certo mas não é para criança. Os argentinos, os europeus estão procurando os Trapalhões, porque há uma carência de comediantes infantis.

No seu programa vocês dão muitos pontapés no Muçum, o trapalhão preto, e gozações com homossexuais. Você não faz um humor preconceituoso? Não. Nos meus programas quem apanha mais sou eu. Eu apanho mais do que dou, mas na hora certa, porque se humor fosse pancadaria, luta de boxe era a coisa mais engraçada do mundo.

Fora a pancadaria, se programa já foi acusado de caricaturar e humilhar minorias. Não é não. Nosso público é o mais diverso possível, é o zé-povão. A criança, o intelectual, o estrangeiro que entende sem saber o idioma. O Muçum é igual a gente, faz os mesmos papéis, não tem diferença. De repente ele interpreta um executivo. Nunca usamos a cor pra fazer humor em cima dele.

Mas houve um programa em que uma macaca se apaixonou por ele. Poderia ter se apaixonado por mim, coincidiu que foi por ele. Pré-determinamos: nada de preconceito. Ele pode aceitar ou não o papel, não é obrigado a fazer aquilo. Ele acha que não vai ferir ninguém, então faz.

Seus filhos gostam dos Trapalhões? Os dois mais moços curtem – uma menina de 2 anos e meio e um menino de 12 anos. Os outros, de 18 e 20 anos, já estão na época da revolta contra tudo: são contra o pai, a televisão, o governo, a moda, o regime. Mas eles trabalham comigo na empresa de cinema.

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Que foi que você fez com o dinheiro quando começou a sobrar? Apliquei em imóveis. Comprei um apartamento, vendi pelo dobro, e fui repetindo. É a coisa mais segura. Sempre falo para os meus filhos: junta terra, nem que seja nas unhas. Tenho pavor de papel. Na época que todo mundo aplicou na bolsa, fiz uma dedução elementar: se todo mundo está ganhando dinheiro, alguém tem que estar perdendo. Aí estourou e todo mundo perdeu. Não é que a bolsa seja mau negócio, mas eu não vejo por que estou ganhando. Muito abstrato.

Em que o dinheiro modificou sua vida? Nunca pensei que fosse dar tanto trabalho. Antigamente eu achava que estava tão bom que se melhorasse eu não aguentava. Agora, está tão bom que se melhorar não vale a pena. Eu sinto falta de elementos capacitados. Antigamente eu fazia tudo sozinho: escrevia, dirigia e atuava num programa de TV. De repente comecei a fazer shows, comerciais, filmes, uma empresa aqui, outra ali. Tive que me organizar – sou muito organizado. Não tenho árvore genealógica, tenho organograma. Comecei a pôr gente capaz no lugar.

(…)

E como se sente milionário? Ainda há preconceito contra o nordestino. Para alguns, ser nordestino é defeito físico. Quando um paulista, um gaúcho ou um carioca fica rico, é um acontecimento normal. Mas quando é um nordestino, ou roubou ou ganhou na loteria.

(…)

O padrão Trapalhão de qualidade venceu o padrão Globo? Eu furei uma barreira. Há três anos e meio, eu trabalhava na Tupi com duas câmeras, nenhuma produção e ganhava do Fantástico. Foi um rebu na Globo, que começou a me namorar. Eu não queria ir, com medo de não dar certo. Resolvi exigir o máximo para ser aceito. Pedi o melhor diretor, redatores exclusivos, horário nobre, domingo, 45 chamadas para meus filmes. Minhas exigências enchiam três páginas. O Boni nem leu. Disse tudo bem e mandou eu assinar. No início, tentaram mudar nosso estilo. Botaram um humor requintado. Jogaram um smocking na gente, o povo não gostou. Aí o Boni mandou deixar como estava mesmo.

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Você tem fama de querer aparecer mais do que os outros três. Não é verdade. Se eu fizesse apenas duas aparições por programa, para mim seria ótimo. Assim eu não me queimaria. Mas é uma briga quando eu tento distribuir os meus scripts para os outros. Nunca fiz questão de aparecer, mas eles não querem pegar a responsabilidade.

(…)

Qual sua opinião sobre os críticos? A crítica tem que ter um bode expiatório. Ela tem que falar bem do Chico Anísio, do Chico Buarque, que são mitos, mas tem que falar mal de alguém também. Eu posso fazer um filme para ser elogiado, mas vou ser indesejado pelas crianças. A crítica ruim me frustra e me magoa.

(…)

Fora do trabalho, você é bem-humorado? Eu sou o cara mais mal-humorado do mundo. Sou tímido, chato e ranzinza. Tem dias que eu não quero falar com ninguém. Não gosto que me achem engraçado na rua. As pessoas olham para mim e começam a rir, eu fico furioso. Nos shows, eu dou sangue para ser engraçado, mas em casa e na rua sou um angustiado.

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