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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Vesentini, professor da Geografia, responde a este blog

No sábado, escrevi sobre algumas teses da USP, incluindo o departamento de Geografia. Numa nota, citava o professor José William Vesentini, conforme se lê abaixo. Republico a minha nota e publico o comentário que o professor mandou para o meu blog. É claro que ele não gostou. É um direito seu. Nesse particular, eu lhe […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h24 - Publicado em 11 jun 2007, 19h22
No sábado, escrevi sobre algumas teses da USP, incluindo o departamento de Geografia. Numa nota, citava o professor José William Vesentini, conforme se lê abaixo. Republico a minha nota e publico o comentário que o professor mandou para o meu blog. É claro que ele não gostou. É um direito seu. Nesse particular, eu lhe reconheço o mérito de, ao menos, ter-se incomodado com a crítica. É assim que se faz. Seu texto suscitou em mim uma penca de discordâncias. Coisas que ele acha importantes, eu considero puro diletantismo. Mas isso, agora, não é tão relevante. Ao menos não é do tipo que se protege na torre (pichada pelos remelentos) de marfim. Já é um bom começo. Só uma coisa, professor: o senhor pode falar mal da mídia, que eu ajudo. Eu não a considero, em regra, muito melhor do que a academia. A diferença é que, ao menos, ela não consome dinheiro público — vai passar a consumir em breve, com a TV-TINS: a TV de Franklin Martins. Seguem os dois textos. Acho que volto depois:

Eu escrevi no sábado:

Você pode se interessar, por exemplo, pela Geografia da USP e querer saber como andam as coisas por lá. Vá logo com quem é do ramo faz tempo: o professor José William Vesentini. O que será que ele anda orientando? O doutor até já escreveu livros sobre o ensino da geografia e a luta de classes. Isso é bico: dêem uma planície e um planalto, e eu logo faço uma luta armada. Vamos agora a seus pupilos e a trabalhos que “estão em andamento”.

Vesentini orienta uma tese de doutorado formidável, que tem grandíssimo interesse para todos os professores da área. Vejam só: “Comparação do ensino da geografia no Brasil e em Cuba”, de Cesar Alvarez Campos de Oliveira. Considerou desimportante, né, leitor exigente? Tá achando que estão desperdiçando o seu dinheiro? Console-se. Há um outro doutorado, este, sim, de alcance revolucionário: Celso Roberto de Brito estuda “O poder local em Osasco”. E Vesentini segue, também no campo: supervisionou “Panorama das organizações sociais dos pequenos produtores rurais em assentamentos de colonização e reforma agrária em Rondônia”, de Maura Cristina Melo Araújo. Sua geografia também foi posta a serviço da “Geografia do (in)visível – o espaço do kardecismo em São Paulo”, de Alberto Pereira dos Santos.

É isso aí. É realmente o fim da picada que os que financiam a universidade queiram se meter na sua produção científica, né? Começo a achar que as Mafaldinhas e os Remelentos estão nos prestando um favor. Convenham: essas áreas (humanidades e afins) da USP (e, a rigor, da universidade brasileira) são tão irrelevantes, que acabamos nos esquecendo de que custam dinheiro.

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Responde o professor Vesentini:

José William Vesentini escreveu:
Recebi hoje (11/06/07) um e-mail de ex-aluno que me informou sobre estes maliciosos comentários a meu respeito e de quatro (ex-)orientandos. Fiquei perplexo com tamanha desinformação e falta de seriedade tanto das notas do autor do blog quando de alguns comentaristas que pegaram “carona” no assunto. Pelo visto, o autor, indignado com a ocupação da reitoria da USP (por sinal, com total razão), que contou com o apoio de uma minoria de professores (alguns deles da FFLCH, onde leciono, pesquiso e oriento alunos), resolveu desancar algum professor daquela instituição, pretendendo mostrar uma falta de compromisso com a ciência e até mesmo com o bom senso. Mas errou completamente de alvo. Em primeiro lugar porque não faço parte dessa minoria que apoiou a ocupação, não sou petista, nem militante de algum grupelho de “esquerda” (se é que esse tipo de classificação, esquerda e direita, tem alguma serventia) e muito menos simpatizante de Fidel Castro ou de Hugo Chaves (como alguns comentários no blog sugeriram). Em segundo lugar porque as observações sobre alguns trabalhos acadêmicos foram feitas sem a leitura dos mesmos, com base tão somente em mal-entendidos gerados pelos seus títulos.

A partir da designação de um ensaio de minha autoria, “Ensino da geografia e luta de classes”, de 1983, fui apresentado como alguém que deixou de lado a seriedade e fez trabalhos panfletários. Ora, se algum dos comentaristas tivesse lido o meu artigo – publicado numa revista geográfica já esgotada e republicado como parte do livro “Para uma geografia crítica na escola” (Editora Ática) – teria percebido que estou questionando a pertinência desse conceito, luta de classes, engendrado no século XIX, para a nossa época, além de constantemente apregoar um ensino crítico no sentido dos ensinamentos da Unesco, isto é, com base em trabalhos coordenados por Jacques Delors, Edgar Morin e outros. Um ensino crítico que nada tem de radicalismo ou de conteúdo panfletário. Um ensino voltado para desenvolver a autonomia do educando, que o leve a conhecer o mundo em que vivemos para tirar as suas próprias conclusões (e nunca recebê-las prontas), que contribui para desenvolver o seu senso crítico, o seu raciocínio lógico, a sua criatividade, a sua sociabilidade (aqui incluída a recusa de qualquer forma de preconceito, algo que, percebe-se, faz falta a alguns dos comentaristas deste blog).

Ainda com base nos títulos de duas dissertações de mestrado das quais fui o orientador, e de duas teses de doutorado que estou orientando, foram tiradas conclusões disparatadas. Só porque um orientando de doutorado está realizando uma pesquisa na qual compara o ensino da geografia no Brasil e em Cuba se especulou que é um estudo pouco sério e que elogia o regime castrista, quando na verdade é um importante trabalho de campo, com entrevistas com professores dos dois países, com análise de material didático e de conteúdos programáticos, que entre outras coisas demonstra que, ao contrário do que se pensa, o ensino em Cuba é bem menos crítico que no Brasil – e isso exatamente porque há um centralismo, um livro didático único e oficial por disciplina e série, uma obrigatoriedade de se seguir rigidamente os programas oficiais, etc. Nada a ver com uma pretensa defesa da ditadura cubana e tampouco do chavismo.
Grande parte das notas publicadas neste blog desancou a dissertação de um ex-orientando sobre “Geografia do kardecismo” e uma pesquisa de doutorado em andamento, “O poder local em Osasco”, como se esses temas não tivessem nada de científicos ou de geográficos, como se fossem exemplos de estudos acadêmicos inúteis que não mereceriam um centavo do dinheiro público que financia as universidades brasileiras. Esse estudo geográfico do kardecismo foi um trabalho pioneiro e importante que procurou mapear essa crença em São Paulo, tanto dos aspectos físicos (templos ou casas, ruas com nomes daí derivados) como sociais (o perfil dos adeptos dessa religião, onde eles residem), além de mapear o “invisível”, isto é, o mundo dos espíritos tal como ele foi descrito pelos grandes teóricos dessa doutrina. Existem conclusões interessantes nesse estudo, inclusive algumas relações entre esse “mundo invisível” e o mundo real, que nada têm de místicas nem de preconceitos contra alguma religião, tal como sugeriu um dos comentaristas, que a partir do nome do trabalho imaginou ser o autor um ateu aviltando uma crença. Nada disso. É apenas um estudo objetivo sobre a extensão dessa religião em São Paulo, algo perfeitamente normal num ramo da disciplina denominado “geografia das religiões”, surgido inicialmente na França e que conta com centenas de trabalhos desde as primeiras décadas do século passado. E o estudo em andamento sobre o poder local em Osasco, na grande São Paulo, é um tipo de estudo clássico na geografia política, que procura mostrar quem é quem no Município, a origem dos prefeitos e vereadores, suas formas de atuação, os bairros mais favorecidos e os menos, o poder econômico local e suas relações com o poder político, etc. São todos exemplos de trabalhos considerados científicos nos países desenvolvidos (há inúmeros estudos desse tipo nos Estados Unidos, na França, no Reino Unido, na Alemanha, etc.). A diferença é que por lá não o público em geral é mais educado e bem informado, ele não confunde geografia com memorização de rios ou capitais, além de ser mais democrático no sentido de perceber o valor da diversidade e do pensar diferente, praticamente não existindo este tipo de pessoas autoritárias que escrevem que a universidade – ou os institutos de pesquisas e financiamento, nos quais também estão incluídas as ciências humanas como a história ou a geografia – não merece os recursos públicos que recebem exatamente devido à existência desses trabalhos citados, que foram avaliados (ou melhor, crucificados) sem terem sido lidos…

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Voltei
Deixo a Vesentini meu abraço. E continuo achando que um geógrafo tem como usar o dinheiro público com mais proveito e ambição intelectual do que estudando o poder local em Osasco ou mapeando o kardecismo.

Nesses casos, posso, sim, criticar sem ler. E eu lhe explico por quê. O senhor me acompanhe: se um acadêmico vai estudar o poder em Osasco para concluir que se reproduzem na cidade os mecanismos político habituais das grandes estruturas, convenha: é de uma irrelevância danada. Nada mais se faz do que tocar as cordas do óbvio. Se o pesquisador, por outro lado, encontrou na cidade particularidades irreproduzíveis em outros ambientes e circunstâncias históricas, continua a ser de uma total inutilidade, uma vez que a particularidade, não tendo qualquer virtude generalizante, esgota-se em si mesma. Para que gastar o nosso dinheiro com isso? Responderia o poeta Ascenso Ferreira: “Pra nada”.

Há uma terceira hipótese: Osasco, depois de tal investigação, revelou um achado político, algo realmente inovador, que a teoria desconhecia até então. Olhe, professor: taí uma área que me interessa. Se fosse assim, garanto que eu e outros que lidamos com esse assunto já estaríamos sabendo.

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Mas que fique o essencial deste registro. Acho positivo que o senhor tenha decidido responder, mesmo a alguém tão “desinformado” como eu.

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