Quando a decadência sobe à cabeça
Na edição nº 1956 de VEJA, de maio do ano passado, o jornalista Marcio Aith, editor-executivo da revista, prestava um serviço involuntário ao governo Lula. E explico por que escrevo “involuntário”. É que, ainda que Aith fosse do tipo que se oferece ao voluntariado governista, a fila de tocadores de bandolins e instrumentos de sopro […]
Lê-se lá o seguinte em sua reportagem:“Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais. Entre eles estão o presidente Lula, os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil), Antonio Palocci (Fazenda), Luiz Gushiken (Secom), o atual titular da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o diretor da Polícia Federal, Paulo Lacerda, e o senador Romeu Tuma (PFL-SP). A lista é fruto de um trabalho de investigação feito pelo americano Frank Holder, ex-diretor da agência internacional de espionagem Kroll. Ela apresenta uma série de números de contas, seus titulares, os nomes dos bancos e os saldos referentes ao primeiro trimestre de 2004. Holder disse ter comprovado a existência das contas por meio de depósitos. Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses.”Pois bem. A Polícia Federal decidiu investigar o tal dossiê. E concluiu que se trata de uma armação. No sábado, a Folha noticiava: “Investigação conduzida pela Polícia Federal desde maio de 2006 concluiu nesta semana tratar-se de uma ‘armação’ o conjunto de documentos que apresentam autoridades brasileiras, entre as quais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como donas de vultosas contas bancárias no exterior. Ao fechar o inquérito relacionado ao caso, a PF indiciou sob a acusação de crime de calúnia, enquadrado na Lei de Imprensa, o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, e o executivo Frank Holder, ex-diretor da Kroll, multinacional que atua na área de investigação.”
Atenção! A Polícia Federal só conseguiu os elementos para indiciar Daniel Dantas em razão dos documentos fornecidos por VEJA. Explica-se, assim, o “serviço” prestado por Aith. Revelar que a armação estava em curso. O depoimento dos editores da revista colaborou para tanto. Que fique claro: o que VEJA noticiou em maio do ano passado foi justamente uma tentativa de chantagem, constatada pela Policia Federal.
Leiam a reportagem vocês mesmos se quiserem (aqui). Em nenhum momento a revista “comprou” a versão de Dantas. O trecho abaixo fala por si:
Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos. Diante de tal indefinição, e tendo em vista que o nome de Dantas voltou a aparecer na CPI, VEJA decidiu quebrar o acordo feito com o banqueiro do Opportunity e Manzano. O compromisso inicial era preservar o nome de ambos, caso se pudesse comprovar a veracidade das contas. Nada mais justo: a revelação seria um serviço prestado ao Brasil, uma vez que levaria grandes nomes da República a ter de explicar a origem do dinheiro depositado no exterior. Revelar agora que Dantas – e, por tabela, Manzano – está por trás de uma lista em que o presidente Lula aparece como dono de uma conta num paraíso fiscal viabilizará, acredita VEJA, que investigações oficiais sejam abertas. Ao mesmo tempo, isso impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições.
Nassif e Paulo Henrique Amorim
VEJA, como se vê acima, contou aos leitores e ao país o que eles deveriam saber. Em nome do interesse público. Fez, como vai ficar claro, o que Paulo Henrique Amorim — com quem estive ontem à tarde, daí o meu sumiço (ler abaixo) — e Luis Nassif certamente não fariam. Por que digo isso?
Em seu blog, Paulo Henrique repete e endossa post de Luis Nassif. Este valente do jornalismo, por sua vez, indaga: “A abertura de inquérito pela Polícia Federal contra Daniel Dantas, pelo falso dossiê sobre as contas de petistas no exterior, traz à tona um outro fato relevante: e o papel da revista Veja? E o papel do jornalista Márcio Aith e dos diretores de redação?” Viram só? Nassif, amador em música, poesia, boxe e jornalismo, não se sai melhor como policial. Entenderam? Ele queria que VEJA e Aith fossem também indiciados — justamente aqueles que forneceram elementos para que a polícia conduzisse a investigação. Na democracia de Nassif, quem perde a cabeça é o mensageiro.
É tal o ímpeto dessa gente de ser útil ao poder, que é incapaz de perceber o que é do interesse desse próprio governo. Segundo Nassif, em seu juízo perturbado, uma das intenções da reportagem era “proteger Dantas”. Claro, claro: os fatos falam por si. Dantas está indiciado em razão justamente da reportagem e dos documentos que a revista forneceu à polícia. Nassif, Paulo Henrique, Mino Carta — a patota, enfim — estão tentando, como direi?, “pegar” Dantas faz tempo. Como se sabe, os três estão no iG, portal da Brasil Telecom, de onde o banqueiro foi espirrado depois que os fundos de pensão se juntaram com a Telecom Itália. Todos eles têm a pretensão de ser inimigos de Dantas. A Carta Capital já deu umas cinco mil capas demonizando aquele que chama “O Orelhudo”. Bastou uma reportagem de VEJA para que se revelasse um método. A diferença é justamente esta: VEJA faz reportagem. E faz porque não é parte envolvida em nenhuma tramóia.
O que VEJA noticia resulta em inquérito — pode, eventualmente, depor um presidente da República ou o presidente do Senado — porque a revista tem credibilidade. E sua credibilidade nasce de sua parceria com os fatos, não com supostos “gângsteres do bem” contra “gângsteres do mal”. VEJA não é íntima de bandidos só porque são inimigos de outros bandidos. É íntima da lei e do estado de direito.
Não é de estranhar a obsessão de Nassif, Paulo Henrique ou Mino Carta em atacar a VEJA e seus jornalistas. Vivem mal a fase descendente de suas respectivas carreiras — afinal, um já foi da Folha, outro, da TV Globo, e o terceiro, da VEJA. Para a sua patota, fingem que foram defenestrados por causa de suas qualidades, não de seus defeitos. No íntimo, se não forem doidos, vivem a amargura da progressiva irrelevância. Mesmo no meio jornalístico, já começam a ser tratados como parte da fauna folclórica da profissão. A decadência lhes subiu à cabeça. E nem teve de se esforçar muito.