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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Ontem, desanquei um acadêmico; hoje, aplaudo um outro

Eu e Picasso — sim, gente, o Pablo… — contestamos ontem aqui um medalhão da USP, José Luiz Fiorin, nessa história de “nós pega o peixe”. Gostei daquele post. Recomendo. Foi mais um entre dezenas que escrevi, todos em arquivo, demonstrando que: a) alguns especialistas em sociolingüística estão querendo levar ao ensino fundamental e ao […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 11h50 - Publicado em 29 Maio 2011, 21h01

Eu e Picasso — sim, gente, o Pablo… — contestamos ontem aqui um medalhão da USP, José Luiz Fiorin, nessa história de “nós pega o peixe”. Gostei daquele post. Recomendo. Foi mais um entre dezenas que escrevi, todos em arquivo, demonstrando que:
a) alguns especialistas em sociolingüística estão querendo levar ao ensino fundamental e ao ensino médio um debate que é para especialistas;
b) estão confundindo a descrição de fenômenos de comunicação com normatização, como se uma coisa pudesse tomar o lugar da outra;
c) há uma nefasta ideologização do ensino de língua portuguesa;
d) dominar a norma culta da língua é sinal de liberdade, não de opressão.

E o que diz a turma do barulho? “Esse Reinaldo não é especialista e fica se metendo no assunto! Esse cara pensa que sabe tudo!” Outros ainda são mais engraçados: “Agora você se superou na ignorância!” — e só isso; não dizem por quê. Pois é… Cursei Letras, além de jornalismo, como sabem. Tivesse levado a coisa adiante, talvez tivesse virado acadêmico, sei lá. Teria alguns probleminhas na área. Não sou preguiçoso, como vocês sabem. Isso contaria contra mim. Boa parte dos professores não vê a hora de descansar. Eu , quando descanso, fico aflito… Talvez fosse acusado de “produtivista”, hehe… Em tempo: os não-preguiçosos da academia, por razões óbvias, não têm por que se zangar. Adiante.

Eu não sou especialista, a cachorrada tem razão. Mas Evanildo Bechara é um dos — se não for “o” — mais respeitados do país. Ele concede uma elucidativa entrevista a Roberta de Abreu Lima nas Páginas Amarelas da VEJA desta semana. Reproduzo um trecho. Parece que este não especialista (euzinho!) andou emitindo algumas opiniões suficientemente informadas a respeito. Leiam. Volto depois.

O pernambucano Evanildo Bechara é um dos mais respeitados gramáticos da língua portuguesa. Doutor em letras e autor de duas dezenas de livros, entre os quais a consagrada “Moderna Gramática Portuguesa”, Bechara, de 83 anos, passou décadas lecionando português, lingüística e filologia românica em universidades do Rio de Janeiro, da Alemanha e de Portugal. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ele é, por profissão, um propagador do bom uso do português. A fala mansa de Bechara contrasta com o tom incisivo de suas críticas a certa corrente de professores entusiastas da tese de que é “preconceito lingüístico” corrigir os alunos. Diz Bechara: “Alguns de meus colegas subvertem a lógica em nome de uma doutrina que só serve para tirar de crianças e jovens a chance de ascenderem socialmente”.

VEJA – A defesa que o livro Por ama Vida Melhor, distribuído a 500.000 estudantes ao custo de milhões de reais para o bolso dos brasileiros, faz do uso errado da língua deveria ter provocado uma revolta maior, não?
BECHARA – A defesa que foi feita desse livro decorre de um equívoco. Estão confundindo um problema de ordem pedagógica, que diz respeito às escolas, com uma velha discussão teórica da sociolinguística, que reconhece e valoriza o linguajar popular. Esse é um terreno pantanoso. Ninguém de bom-senso discorda de que a expressão popular tem validade como forma de comunicação. Só que é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores. Ela é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências. A linguagem popular a que alguns colegas meus se referem, por sua vez, não apresenta vocabulário nem tampouco estatura gramatical que permitam desenvolver idéias de maior complexidade – tão caras a uma sociedade que almeja evoluir. Por isso, é óbvio que não cabe às escolas ensiná-la.

VEJA – Alguns de seus colegas consideram a norma culta um instrumento de dominação das elites…
BECHARA –
Isso não passa de ortodoxia política. Eles subvertem a lógica em nome de uma doutrina. É semelhante ao que uma corrente de comunistas russos apregoava quando Josef Stalin (1879-1953) chegou ao poder. Os comunistas queriam estabelecer algo como “a nova língua do partido”, um absurdo que enterraria a norma culta. O próprio Stalin condenou essa aberração e manteve a norma erudita, o imenso manancial dos grandes escritores russos, como a língua oficial da União Soviética. Agora, um grupo de brasileiros tenta repetir essa mesma lógica equivocada, empenhando-se em desvalorizar o bom português.

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VEJA – Qual o papel da norma culta de uma língua?
BECHARA –
Não resta dúvida de que ela é um componente determinante da ascensão social. Qualquer pessoa dotada de mínima inteligência sabe que precisa aprender a norma culta para almejar melhores oportunidades. Privar cidadãos disso é o mesmo que lhes negar a chance de progredir na vida. Para mim. o lingüista italiano Raffaele Simone, ainda em atividade, foi quem situou esse debate de forma mais lúcida. Ele critica os populistas que, ao fazer apologia da expressão popular, contribuem para perpetuar a segregação de classes pela língua. Pois justamente é o ensino da norma culta, segundo Raffaele, que ajuda na libertação dos menos favorecidos. Suas palavras se encaixam perfeitamente no debate atual.

Voltei
Quem me lê sabe que encontrou tais pontos de vista expressos aqui. Eu me sinto perfeitamente bem na companhia de Bechara — membro da comissão que cuidou da última reforma da língua portuguesa, diga-se, da qual discordei. Ainda não aderi. Quando for obrigatório, cumpro a lei. Mas ele é, de fato, um especialista, um estudioso.

No meu primeiro post sobre este assunto, no dia 14 de maio, escrevi o que segue. Ainda volto:

O neoesquerdismo do miolo mole, na sua fase de apologia do pobrismo, desistiu dessa bobagem. Esses vigaristas intelectuais estão certos de que o povo desenvolveu valores que lhe são próprios, que o distinguem da chamada “cultura da elite”. E deve ser respeitado por isso. A chegada do Apedeuta ao poder, com a sua compulsão de fazer a apologia da ignorância, parece dar razão prática a essa estupidez. Até parece que a complexa equação econômica em que se meteu o petismo, tendo de conservar os fundamentos do governo anterior,  foi comandada por prosélitos do analfabetismo. Não foi! Ao contrário! Quem cuidou da operação foram pessoas com sólida formação intelectual.

Dona Heloísa [Heloís Ramos, autora do livro “Por Uma Vida Melhor”], uma deslumbrada com o “povo”, não sabe quão reacionária está sendo; não tem idéia do autoritarismo que está na base de sua teoria. Não quero usar o exemplo pessoal. Mas sei de gente que se livrou da pobreza extrema apenas porque conseguia dominar determinados códigos de uma cultura que não seria própria àquela faixa de renda.

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Pessoas que desrespeitam os pobres fazem de sua pobreza uma cultura alternativa. Gente decente reconhece o valor intrínseco de certas conquistas – como o domínio da norma culta da língua – e luta para que o acesso a esse código seja um direito de todos.

Encerro
A turma da desqualificação fique sabendo: opino muito, sim, sobre muitos assuntos. Mas ponham uma coisa nesse miolo mole: eu estudo!!! A esmagadora maioria dos meus leitores, por exemplo, leu primeiro aqui, estou certo, a referência que Bechara faz a Stálin. Aliás, leram-na com as aspas atribuídas ao tirano: “Fizemos a revolução, mas preservados a bela língua russa”. Boa parte dos nossos esquerdistas não teria nenhum problema em endossar os crimes do Stálin; só discordam do bigodudo homicida na parte em que ele não agiu como um boçal…

Leiam a íntegra da entrevista de Bechara na revista. Vale a pena.

PS: Não preciso necessariamente que um especialista endosse um ponto de vista meu. A canalha é que costuma pedir o crachá de certas idéias.

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