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O Tortura Nunca Mais quer censura agora

A notícia saiu ontem no Estadão On Line. A coisa é assustadora. Segue o texto do jornal em vermelho. Comento em azul. Por Alexandre Rodrigues: Depois de muita polêmica, o filme Tropa de Elite desencadeou no Rio mais uma controvérsia. A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, encaminhou uma discussão na entidade de […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 20h17 - Publicado em 23 out 2007, 07h27
A notícia saiu ontem no Estadão On Line. A coisa é assustadora. Segue o texto do jornal em vermelho. Comento em azul. Por Alexandre Rodrigues:

Depois de muita polêmica, o filme Tropa de Elite desencadeou no Rio mais uma controvérsia. A presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, encaminhou uma discussão na entidade de defesa dos direitos humanos sobre a possibilidade de acionar o Ministério Público contra as cenas de tortura no filme do diretor José Padilha. O capitão reformado do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da PM do Rio, Rodrigo Pimentel, um dos roteiristas do longa e co-autor do livro que o inspirou, reagiu, acusando tentativa de censura.Que o debate tenha existido já é uma estupidez em si. Os valentes do Tortura Nunca Mais se reuniram para saber se a Constituição, que proíbe a censura, está ou não em vigor. Lembram-se que comentei ontem que os “bacanas” progressistas se preocupam mais com ficção do que com realidade? Porque não dão incertas nas delegacias de polícia do Brasil inteiro, onde a tortura é prática corrente? Eu respondo: porque dá trabalho.

“Não acredito que o Tortura Nunca Mais, em função de sua história, vá acompanhar a Cecília. Todos os regimes que promoveram a tortura também legitimaram a censura. Não conversei com ela, mas acho que é uma opinião isolada”, disse Pimentel nesta segunda-feira. “Existe uma preocupação excessiva de rotular o filme. Ele não é de esquerda nem de direita. É uma obra de arte, entretenimento. Obra de arte não se rotula. O filme não tem ideologia.”
É isso aí, Dona Cecília! Passe o carão de ter de tomar aula de democracia de um capitão reformado do Bope.

Cecília nega que tenha qualquer pretensão de tirar de cartaz Tropa de Elite, visto por milhares de pessoas antes mesmo do lançamento nos cinemas com a enxurrada de DVDs piratas que iniciou a série de polêmicas em torno dele. Ela explicou que a preocupação sobre os efeitos das cenas de tortura praticada pela tropa do Capitão Nascimento, vivido por Wagner Moura, surgiu em um ciclo de debates a partir de filmes sobre violência promovido na sede do grupo.
Ainda bem, não é? Não que ela não queira tirar. É que ela não pode.

“Havia um jornalista na reunião e ele perguntou se não havia algo a fazer. Resolvemos consultar advogados sobre a possibilidade de consultar o Ministério Público. Mas não queremos tirar o filme de cartaz. Não sou a favor de qualquer tipo de censura”, disse Cecília. “Censurar é a última coisa que queremos. Defendemos acima de tudo o direito à expressão, mesmo quando discordam do que pensamos”, afirmou.
Não duvido de que a idéia da censura tenha partido de um jornalista. Afinal, é justamente no jornalismo que se concentra a patrulha contra o filme. E acreditem no Tio Rei: desgraçadamente, sei bem por quê. O que quer dizer a frase “censurar é a última coisa que queremos?” Última? Erro, minha senhora! Nem última nem penúltima. O flerte com a censura é indecoroso.

Tropa de Elite não é o primeiro filme criticado por reproduzir cenas de tortura. Na década de 80, Pra Frente Brasil chocou ao mostrar a tortura de um personagem confundido com um militante político durante a ditadura. No início deste ano, Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, também foi criticado pelo realismo das cenas de tortura dos frades dominicanos presos no regime militar pelo temido delegado Fleury.
Com a devida vênia, a lembrança é despropositada porque são coisas desiguais. Não vi Batismo de Sangue. Nem sei se o filme, como filme, presta — dizem-me que não. Enquanto Frei Betto continuar a defender o regime cubano (e, pois, que Fidel Castro faça com opositores o que a ditadura brasileira fez com alguns dominicanos), não verei. Com a ligeira diferença de que os religiosos estavam ligados à luta armada (o que não justifica a tortura), e Fidel mata quem se atreve a tentar sair da ilha. Vi Pra Frente Brasil. Nos dois casos, temos a satanização do regime militar e da extrema direita. No caso deste segundo filme, o torturado nem era um militante de esquerda, é bom lembrar.
Nos dois filmes, não há dilemas morais. Os bons estão de um lado; os maus estão de outro. Impossível qualquer empatia com os torturadores. São filmes simples, de que a esquerda gosta, feitos para os brasileiros bocós que, não sabendo distinguir o Bem do Mal, precisam de cineastas para lhes dizer o que pensar. Um dos méritos de Tropa de Elite é embaralhar esse jogo. Capitão Nascimento é brutal, sem dúvida, mas não é um corrupto, um safado. E isso não atende aos princípios do didatismo moralista dos nossos esquerdistas.

Cecília diz que os filmes que retrataram os crimes do regime militar, origem do Tortura Nunca Mais, falam do passado e não influenciam o presente como é o caso de Tropa de Elite. Ela se diz preocupada com a reação de jovens, como os que se apresentam em vídeos na internet reproduzindo os métodos do Capitão Nascimento.
Cascata. Vocês já imaginaram se alguém se atrevesse a fazer um filme relatando, como direi?, o regime militar segundo a ótica de quem deu o golpe de 1964 ou o golpe dentro do golpe, em 1968? E que tal um drama contando os últimos momentos do tenente Alberto Mendes Júnior, morto sob a ordens de Lamarca, com o crânio esmagado a coronhadas de fuzil? Dona Cecília pode ficar tranqüila: os brasileiros sabem a diferença entre ficção e realidade. Não soubessem, bastaria manter na TV, 24 horas por dia, uma programação exaltando os valores da moral e do civismo, e tudo estaria resolvido. Franklin Martins e Tereza Cruvinel poderiam tentar.

“A tortura é uma coisa vil. Não discuto a intenção do diretor, mas os efeitos que o filme está produzindo em cima de uma realidade violenta que está aí. O Capitão Nascimento está se tornando um herói para a maioria das pessoas. O filme ajuda a consolidar essa idéia de que não tem outra saída, a solução são os homens de preto. Isso é muito perigoso”.
Todos achamos, menos os comunistas castristas, é claro. Censores jamais discutiram intenções, mas o que consideravam o risco dos resultados. No máximo, o filme ajuda a consolidar a idéia de que bandido não é santo, o que já não era sem tempo. Imaginem o dia em que tivermos um filme, Dona Cecília, em que fique claro que os esquerdistas também não eram santos.

Para Pimentel, há uma “patrulha ideológica” contra Tropa de Elite pelo fato de o filme ter a polícia como protagonista. “Se as cenas de tortura estimulassem tortura, Paixão de Cristo não poderia ser visto. Quando a esquerda é a vítima, a tortura pode. É uma injustiça dizer que o Tropa é de direita. O filme denuncia a tortura num debate sobre segurança pública onde ela existe”.
Nada a acrescentar. Pimentel tem absoluta razão.

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O diretor Helvécio Ratton ressalta que as críticas às cenas de Batismo de Sangue vieram dos críticos de cinema, mas vê na tortura exibida por Tropa um ponto em comum: o instrumento para obter informações. Ele lembra que o delegado Fleury era um policial civil, retratado em seu filme sem deixar dúvidas de que era o vilão. Ratton vê muitas qualidades em Tropa, mas não teria filmado o Capitão Nascimento como fez o diretor José Padilha.
Pois é… Ratton entrega tudo. É preciso ser didático, não é? Brasileiro não está preparado para as zonas cinzentas. Isso deve ser coisa para povo mais desenvolvido…

“O Capitão Nascimento não é diferente do Fleury. O que me assusta é uma parcela dos espectadores aplaudirem os métodos usados pelo Bope. Se suscita esse tipo de reação, algo está confuso nesse filme. Eu teria me distanciado mais do Capitão Nascimento. Tenho a impressão de que ele também dominou o filme”, analisa Ratton, que é contra qualquer iniciativa de censura. “O filme tem um papel muito importante de colocar uma discussão sobre segurança pública. Qualquer iniciativa de censura é um absurdo”.
Ratton está errado. É por isso que ele fez Batismo de Sangue, que quase ninguém viu, e Padilha, Tropa de Elite, que todo mundo viu. Fleury era um bandido, sim, senhor. Capitão Nascimento, para a tristeza da esquerda mistificadora, não é. E isso não quer dizer que ele é um exemplo a ser seguido. Chega a ser indecoroso que ele se dê a digressões sobre o que teria ou não teria feito com o Capitão Nascimento. No fundo, está claro, ele concorda com Cecília. Só não chega a defender a censura porque sabe que tocaria no extremo do ridículo.

Eis aí. Coloquem essa iniciativa de tentar censurar Tropa de Elite na conta do iluminismo de alguns de nossos jornalistas, que ainda não aprenderam a distinguir realidade de ficção. Ou melhor: eles sabem, sim, qual é a diferença. Estão apenas fazendo xixi no território e dizendo: “Aqui mandamos nós”. Escrevi ontem: eles são os donos do Morro do Alemão das utopias.


É isso. É preciso fazer um filme com o crânio esmagado do tenente Alberto Mendes Jr. E com patrocínio da Petrobras. Afinal, eu também acho que é chegada a hora de reconciliar os brasileiros.
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